Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 5 (2): 49-67
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 5 (2): 49-67
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto
Superior Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
Validação
da PANAS numa amostra portuguesa de pessoas idosas em resposta social
PANAS validation in a Portuguese sample of
older adults supported by social institutions
Laura Lemos (1)
Helena Espírito-Santo
(1,2)
Cristiana
Duarte-Figueiredo (1)
Diana Santos (1)
Luís Cunha (1)
Fernanda Daniel (1,3)
(1) Centro Interdisciplinar de Investigação Psicossocial, Instituto
Superior Miguel Torga, Portugal
(2) Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção
Cognitivo-Comportamental, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade
de Coimbra, Portugal
(3) Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de
Coimbra, Portugal
Recebido: 12/11/2019; Revisto: 26/11/2019; Aceite: 27/11/2019.
https://doi.org/10.31211/rpics.2019.5.2.160
Contexto: O afeto
positivo e negativo são duas dimensões psicobiológicas do bem-estar subjetivo
(BES) relevantes para a forma como é experienciada a circunstância da recurso a
apoio institucional na vida de muitas pessoas idosas. Objetivo: O objetivo do estudo foi validar, no contexto de resposta
social, uma versão breve da Positive and
Negative Affect Schedule (PANAS), um questionário que permite avaliar o
afeto positivo e negativo. Métodos: Numa amostra de 389 idosos (61 – 100 anos; M = 80,89; DP
= 7,48 anos), avaliados através da PANAS, da Satisfaction With Life Scale
e da Geriatric Depression Scale-8,
testaram-se as propriedades psicométricas e realizou-se uma análise fatorial
exploratória da PANAS. Numa segunda amostra de 383 sujeitos (60 – 99 anos; M
= 80,27; DP = 7,87 anos) efetuou-se uma análise fatorial confirmatória. Resultados: Obteve-se uma versão
reduzida da PANAS, com 14 itens, estrutura bidimensional, adequadas
consistências internas, validade convergente e divergente para o Afeto
Positivo/AP e Afeto Negativo/AN. A estabilidade temporal (intervalo
= 1,44 meses) foi igualmente adequada para o AP e para o AN (p <
0,001). A análise fatorial confirmatória revelou um ajustamento adequado para a
estrutura bidimensional da PANAS-14 (AGFI = 0,91; CFI = 0,93; SRMR
= 0,05; RMSEA = 0,06; PCLOSE = 0,12). Conclusão: A PANAS-14 é um instrumento breve
psicometricamente adequado para a avaliação do PA e do NA em pessoas idosas em
resposta social.
Palavras-Chave: Envelhecimento; Resposta Social;
Bem-Estar Subjetivo; PANAS.
Background: Positive and negative
affect are two psychobiological dimensions of subjective wellbeing (BES)
relevant to the way institutional support is experienced in the lives of many
older people. Aim: The study aimed to
validate, in the context of institutional support, a brief version of the
Positive and Negative Affect Schedule (PANAS), a questionnaire that allows us
to evaluate positive and negative affect. Methods: A sample of 389 old
adults (61 – 100 years; M = 80.89; SD = 7.48 years) was assessed
with the PANAS, Satisfaction With Life Scale, and Geriatric Depression Scale-8.
In this sample, the psychometric properties of the PANAS were tested, and an
exploratory factor analysis was performed. In a second sample of 383 subjects
(60 – 99 years; M = 80.27; SD = 7.87 years), confirmatory factor
analysis was executed. Results: A reduced version of
PANAS was obtained, with 14 items, a two-dimensional structure, adequate
internal consistency, convergent, and divergent validity for the Positive
Affect/PA and Negative Affect/NA. Temporal stability (interval =
1.44 months) was equally adequate for PA and NA (p < 0.001).
Confirmatory factor analysis revealed an adequate adjustment for the
two-dimensional structure of PANAS-14 (AGFI = 0.91; CFI = 0.93; SRMR
= 0.05; RMSEA = 0.06; PCLOSE = 0.12). Conclusions: The PANAS-14 is a
brief psychometrically suitable tool for the assessment of PA and NA in
institutionalized older adults supported by social institutions.
Keywords: Aging; Social Institution; Subjective wellbeing; PANAS.
A investigação sobre o envelhecimento tem evidenciado um interesse
particular no Bem-Estar Subjetivo (BES). A preocupação sobre o possível impacto
das alterações físicas, psicológicas e sociais que acompanham o processo de
envelhecimento no BES das pessoas idosas (Diener, Scollon, & Lucas, 2003), bem como o objetivo de promoção da saúde nesta
etapa do ciclo vital, poderão explicar este movimento. De acordo com Galinha e
Ribeiro (2005), o BES remete para uma dimensão positiva da saúde, associada a um
envelhecimento saudável (Diener, 2000; Guedea
et al., 2006), sendo a promoção desta dimensão nas pessoas idosas uma
estratégia de saúde pública nos países desenvolvidos (Jivraj, Nazroo, Vanhoutte, & Chandola, 2014).
Estudos recentes apontam para uma estabilidade do BES ao longo da
vida, sugerindo que a idade não é um preditor de BES, pois se as condições de
vida se mantiverem, se houver perceção de uma saúde e rede interpessoal
satisfatórias, os níveis de BES tendem a não decrescer (Diener & Lucas, 2000;
Isaacowitz, 2005; Lima et al., 2001;
Oliveira, Queiroz, & Costa, 2012; Sposito, Diogo,
Cintra, Neri, & Guariento, 2010). Uma alteração significativa nas condições de vida das pessoas
idosas poderá ser o recurso a instituições de apoio social. Por um lado, este
apoio poderá constituir-se como essencial no acesso a cuidados de saúde e apoio
social, no entanto, poderá também promover estados emocionais negativos, na
medida em que a pessoa poderá ver-se confrontada com algum grau de dependência
e fragilidade, sobretudo quando beneficiam da valência residencial. As
instituições de apoio social, nomeadamente no que respeita ao seu ambiente
físico, têm demonstrado influenciar a qualidade de vida e o bem-estar das
pessoas idosas (Burton & Sheehan, 2010). De acordo com a investigação, a perceção que a pessoa idosa tem
do seu estado de saúde bem como a satisfação com a instituição onde reside são
variáveis que interferem com o bem-estar e com a satisfação com a vida (Bockerman, Johansson, & Saarni, 2012; Donnenwerth & Petersen, 1992). Segundo Donnenwerth e Petersen (1992), a institucionalização terá um efeito positivo quando mediada
pela perceção do idoso face à saúde, ainda que tenha um efeito negativo quando
mediada pelo fator satisfação com a residência, o que implica um efeito
negativo da variável institucionalização face ao bem-estar da pessoa idosa. Por
outro lado, Bockerman et al. (2012) realizaram um estudo
com população idosa finlandesa em que concluíram que quem vive em instituições
apresenta maiores níveis satisfação com a vida. Desta forma e de acordo com Cardão (2009) a institucionalização nesta etapa do ciclo vital poderá
apresentar vantagens e inconvenientes para a pessoa idosa. Por um lado, a
institucionalização permite maior acessibilidade a serviços sociais e médicos
que poderão ter impacto positivo na qualidade de vida do indivíduo e, por
outro, implica a perda e a quebra dos laços familiares (Ferretti, Soccol, Albrecht, & Ferraz, 2014), que influenciarão a adaptação positiva ao novo contexto (Cardão, 2009; Runcan, 2012). O recurso a outras valências institucionais poderá, também, ser
um fator que influencia os níveis de BES uma vez que, por um lado, poderá pressupor
algum nível de dependência e fragilidade em termos de saúde, e por outro,
poderá fazer face a necessidades que de outra forma haveria maior dificuldade
em serem supridas. A forma como a pessoa experiencia o apoio institucional
parece assim ter impacto nos níveis de BES, legitimando a sua investigação com
esta população.
O BES refere-se à avaliação subjetiva que as pessoas fazem das
suas vidas, incluindo julgamentos cognitivos globais de satisfação e a
experiência de emoções positivas e negativas (Diener, 1984;
Diener et al., 2003). A investigação sobre o BES centra-se na forma como as pessoas
vivem e experienciam as suas vidas, quer do ponto de vista cognitivo (Diener, 1984), caracterizado pela satisfação com a vida em domínios específicos
(p. ex., a capacidade física e mental e os relacionamentos sociais), quer do
ponto de vista afetivo, caracterizado pelo equilíbrio entre emoções positivas e
negativas (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Diener, 2000; Diener,
Suh, Lucas, & Smith, 1999; Galinha &
Pais-Ribeiro, 2005). As emoções positivas estão relacionadas com experiências
agradáveis subjetivas, traduzindo-se num estado no qual se sente entusiasmo e
energia, das quais são exemplo a satisfação, a confiança e a felicidade (Crawford & Henry, 2004). Ao invés, as emoções negativas refletem sofrimento e
desconforto, caracterizando-se por vivências desagradáveis relativamente a
distintas atividades do dia-a-dia (Watson, Clark, & Tellegen, 1988), salientando-se, como exemplos, a tristeza e a culpa (Crawford & Henry, 2004).
Assim, o afeto positivo e negativo são dimensões da experiência
emocional e permitem diferenciar a ansiedade e a depressão. De acordo com o
modelo tripartido de Clark e Watson (1991), a ansiedade é caracterizada por níveis elevados de ativação
fisiológica, sendo a depressão caracterizada por diminuição do interesse, perda
de energia e lentificação psicomotora (Laurent et al., 1999). Assim e tendo em conta as dimensões do afeto, sujeitos com
ansiedade e depressão tendem a revelar níveis mais elevados de afeto negativo,
e os sujeitos somente com sintomatologia depressiva apresentam também baixos
níveis de afeto positivo.
As medidas de autorrelato são as mais utilizadas para avaliar os
constructos que compõem o BES. Essas medidas são rápidas, de fácil aplicação e
são sensíveis o suficiente para captar as diferentes componentes do bem-estar
com bons níveis de confiabilidade e validade. A Positive and Negative Affect
Schedule (PANAS; Watson et al., 1988) é um instrumento que permite avaliar as duas dimensões da
afetividade, constituindo-se como uma medida breve, de fácil administração e
válida que mede ambas as dimensões do afeto. Originalmente, a escala incluiu
vinte itens, dez dos quais correspondentes ao Afeto Positivo e os restantes dez
ao Afeto Negativo (Watson et al., 1988); a validação portuguesa da escala é constituída por vinte e dois
itens, onze dos quais correspondentes ao Afeto Positivo e os restantes onze ao Afeto
Negativo (Simões, 1993). Esta escala surgiu após estudos relativos à estrutura
bidimensional do afeto e com o objetivo de desenvolvimento de uma escala
reduzida, que fosse breve e de fácil administração, superando assim lacunas de
escalas anteriores no que respeita às propriedades psicométricas, as quais
tinham baixos valores de validade e fidedignidade (Watson et al., 1988).
Já no que respeita às versões portuguesas (Galinha & Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993), a PANAS foi validada tendo por base os mesmos pressupostos
metodológicos adotados pelos autores da versão original, ainda que tendo em
consideração as características peculiares que definem o afeto, bem como a
disparidades lexicais, diferenças de contexto e cultura (Costa, 2013; Galinha
& Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993). Desta forma, a escala portuguesa apresenta na sua generalidade
boas propriedades psicométricas (Costa, 2013; Galinha
& Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993) quando comparada com a validação da versão original americana,
apresentando 13 de 22 itens similares em ambas as escalas (Costa, 2013; Simões, 1993). A PANAS tem ainda sido alvo de validação para outros países e
amostras. O Quadro 1 sintetiza a revisão da literatura dos estudos de validação
da escala.
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Quadro 1 Revisão da Literatura |
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Autor(es) (Ano) |
Amostra |
Nº Itens |
Consistência interna |
Teste-reteste |
Análise Fatorial |
|
|
Watson et al. (1988) |
N = 663 Estudantes |
20 itens |
AP = 0,88 AN = 0,87 |
AP = 0,68 AN = 0,71 |
2 fatores (AFE) |
|
|
Kercher (1992) |
N = 804 Idosos |
10 itens |
AP = 0,75 AN = 0,81 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Simões (1993) |
N = 226 Estudantes |
22 itens |
AP = 0,82 AN = 0,85 |
— |
— |
|
|
Huebner & Dew (1995) |
N = 266 Adolescentes |
10 itens |
AP = 0,85 AN = 0,84 |
— |
2 fatores (AFE) |
|
|
Wilson Gullone, &
Moss (1998) |
N = 228 Crianças e adolescentes |
20 itens |
AP = 0,78 AN = 0,81 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Mackinnon et al. (1999) |
N = 2651 Comunidade |
10 itens |
AP = 0,78 AN = 0,87 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Laurent et al. |
N = 707 Crianças |
30 itens |
AP = 0,89 AN = 0,94 |
— |
2 fatores |
|
|
Sandín et al. (1999) |
N = 712 Estudantes |
20 itens |
AP = 0,87 AN = 0,89 |
— |
2 fatores |
|
|
DePaoli & Sweeney (2000) |
N = 69 Estudantes |
20 itens |
AP = 0,85 AN = 0,86 |
— |
— |
|
|
Crawford & Henry (2004) |
N = 1003 Adultos comunidade |
20 itens |
AP = 0,89 AN = 0,85 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Galinha &
Pais-Ribeiro (2005) |
N = 348 Estudantes |
20 itens |
AP = 0,86 AN = 0,89 |
— |
2 fatores (AFE) |
|
|
Thompson (2007) |
N = 407 Estudantes |
10 itens |
AP = 0,78 AN = 0,76 |
AP = 0,84 AN = 0,84 |
2 fatores (AFC) |
|
|
Lim, Yu, Kim, & Kim (2010) |
N = 218 Amostra clínica |
20 itens |
AP = 0,87 AN = 0,91 |
AP = 0,79 AN = 0,89 |
2 fatores (AFC) |
|
|
Gyollai, Köteles, &
Demetrovics (2011) |
N = 1629 Estudantes (E) e População clínica (PC) |
20 itens |
EAP = 0,73 EAN = 0,79 PCAP = 0,65 PCAP = 0,67 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Karim, Weisz, &
Rehman (2011) |
N = 423 Estudantes |
10 itens |
AP = 0,75 AN = 0,80 |
— |
2 fatores (AFC) |
|
|
Cotigã (2012) |
N = 120 Funcionários |
11 itens |
AP = 0,83 AN = 0,80 Total = 0,81 |
AP = 0,39 AN = 0,43 |
— |
|
|
Dufey & Fernandez (2012) |
N = 437 Estudantes |
20 itens |
AP = 0,71 AN = 0,82 |
AP = 0,65 AN = 0,77 |
2 fatores (AFE) |
|
|
Costa (2013)a |
N = 555 Idosos |
20 itens |
AP = 0,79 AN = 0,84 |
AP = 0,45 AN = 0,10 |
2 fatores (AFE) |
|
|
Carvalho et al. (2013) |
N = 3728 Comunidade |
20 itens |
AP = 0,88 AN = 0,87 |
— |
2 fatores (AFE) |
|
|
Galinha, Pereira, &
Esteves (2014) |
N = 836 Estudantes |
10 itens |
AP = 0,86 AN = 0,89 |
Invariância intemporal
x 2 |
2 fatores (AFC) |
|
|
Nolla, Queral, &
Miró (2014) |
N = 436 Idosos |
20 itens |
AP = 0,91 AN = 0,90 |
— |
2 fatores (AFE) |
|
|
Buz,
Pérez-Arechaederra, Fernández-Pulido, & Urchaga (2015) |
N = 585 Idosos |
20 itens |
AP = 0,93 AN = 0,83 |
— |
2 fatores (AFE) |
|
|
Sousa, Marques-Vieira,
Severino, Pozo Rosado, & José (2016) |
N = 171 Doença renal crónica |
20 itens |
AP = 0,87 AN = 0,88 |
Total = 0,91 |
2 fatores (AFE) |
|
|
Humboldt & Leal (2017) |
N = 1291 Idosos comunidade |
20 itens |
AP = 0,92 AN = 0,88 |
— |
2 fatores |
|
|
Nota. AP = Afeto
positivo; NA = Afeto Negativo; AFE
= Análise fatorial exploratória; AFC
= Análise fatorial confirmatória; EAP = Afeto Positivo na amostra de
estudantes; EAN = Afeto Negativo na amostra de estudantes; PCAP = Afeto
Positivo na amostra da população clínica; PCAN = Afeto Negativo na
amostra da população clínica. a Este estudo está inserido no
Projeto Trajetórias do Envelhecimento. |
|
Em suma, as pessoas idosas têm de lidar com desafios físicos,
mentais e sociais particulares. Um desses desafios é o apoio prestado por
instituições que surge frequentemente como resposta à solidão e às dificuldades
físicas, mentais ou neurocognitivas. A forma como a pessoa idosa experiencia o apoio
institucional poderá influenciar as dimensões do afeto positivo e negativo, as
componentes emocionais do BES. Assim, é de relevo que este segmento da
população seja estudado na sua dimensão afetiva.
A PANAS foi validada em várias populações e culturas e existe um
estudo preliminar com pessoas idosas sob resposta social realizado pelo nosso
grupo de investigação (Costa, 2013). No entanto, os estudos com pessoas idosas que
beneficiam de apoio institucional são limitados e havia que estender o estudo
prévio a amostras maiores. Adicionalmente, versões breves de questionários são
um aspeto importante para evitar sobrecarregar uma população idosa que
caracteristicamente apresenta baixa escolarização, presença de sintomatologia
mental, neurocognitiva e física e idade avançada (e.g., Daniel, Vicente, Guadalupe, Silva, &
Espirito-Santo, 2015; Espirito-Santo & Daniel, 2018; Fastame & Cavallini, 2011;
Fastame, Hitchcott, Penna, & Murino, 2016;
Figueiredo-Duarte, Espirito-Santo, Sério, Marques, & Daniel, 2019; Runcan, 2012; Vicente et
al., 2014).
Assim, o presente estudo teve como objetivos: 1) determinar a
estrutura fatorial da PANAS numa amostra de pessoas em resposta social de idade
avançada e verificar se é possível derivar dessa análise uma versão mais curta;
2) estudar as propriedades psicométricas da PANAS na mesma amostra (Estudo 1);
3) efetuar uma análise fatorial confirmatória noutra amostra de pessoas idosas
que beneficiam de apoio institucional (Estudo 2).
Participantes
A amostra utilizada na presente
investigação foi distinta consoante o estudo (Estudo 1 e Estudo 2). Contudo,
para ambos os estudos, a amostra foi selecionada de acordo com os seguintes
critérios: sujeitos com idade igual ou superior a 60 anos em resposta social,
tendo sido excluídos os sujeitos com dificuldades de compreensão e expressão
verbal (determinadas na entrevista inicial e confirmadas nos registos médicos
dos utentes). Após a seleção, os participantes foram divididos aleatoriamente
pelos dois grupos de cada estudo. Metade da amostra, utilizada no Estudo 1,
incluiu 389 idosos e a outra metade abrangeu 383 idosos incluídos no Estudo 2.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Com este questionário recolheu-se
informação sobre o sexo, idade, estado civil, profissão, nível de escolaridade,
área geográfica e tipo de resposta social.
Lista de Afetos Positivos e Negativos. A Positive
Affect and Negative Affect Schedule (PANAS, versão original de Watson et
al., 1988; versão portuguesa de Simões, 1993) é uma escala que permite avaliar a afetividade e o
bem-estar subjetivo, constituída por 22 itens, divididos em igual número quanto
pelas subescalas/fatores Afeto Positivo e Negativo. A PANAS compreende
um formato de resposta tipo Likert de cinco pontos, variando a sua pontuação
entre 11 e 55 pontos (nível mais alto de afeto) em cada subescala.
Escala de Depressão Geriátrica de 8 itens. A Geriatric
Depression Scale-8 (GDS, versão original de Yesavage et al., 1983; tradução para a
população portuguesa de Barreto, Leuschner, Santos, & Sobral, 2007; validação de Figueiredo-Duarte et al., 2019) é uma escala que objetiva o rastreio da
sintomatologia depressiva na população geriátrica institucionalizada (Figueiredo-Duarte
et al., 2019). Esta versão da GDS é constituída por
oito itens, variando a sua pontuação entre 0 e 8 (mais sintomas depressivos). O
valor de alfa de Cronbach da versão original foi de 0,94, tendo o valor da
população portuguesa sido de 0,87. No que respeita à presente investigação, o
valor de alfa de Cronbach encontrado foi de 0,85.
Escala de Satisfação com a Vida. A Satisfaction With Life Scale
(SWLS, versão original de Diener, Emmons,
Larsen e Griffin, 1985; versão portuguesa de Simões, 1992) avalia a
satisfação dos sujeitos com a vida, no que respeita ao bem-estar subjetivo dos
mesmos. A escala compreende cinco itens, com opção de resposta de cinco pontos
numa escala de Likert, variando a sua pontuação entre os 5 e os 25 pontos (Simões, 1992). O valor de
confiabilidade da versão portuguesa numa amostra prévia de pessoas idosas sob
resposta social do Projeto Trajetórias do Envelhecimento foi de 0,76 (Costa, 2013), tendo sido de
0,78 no presente estudo.
Procedimentos
A presente investigação está inserida no projeto Trajetórias do
Envelhecimento do Instituto Superior Miguel Torga, tendo para os devidos
efeitos sido elaborados pedidos de autorização aos autores das escalas
integrantes do protocolo, bem como às instituições e respetivos utentes através
de consentimento informado. O protocolo foi administrado por avaliadores
treinados de acordo com os objetivos do estudo, tendo integrado um questionário
sociodemográfico, a PANAS, a SWLS e a GDS-8. Para análise da estabilidade
temporal da escala o protocolo foi administrado num segundo momento a uma subamostra
de 120 pessoas (1,44 meses de intervalo). Todos os questionários foram lidos em
voz alta para padronizar a administração e minimizar eventuais dificuldades de
compreensão das questões.
Estudo 1: Análise Fatorial Exploratória
Participantes
A amostra incluiu 389 sujeitos, com
idades compreendidas entre os 61 e os 100 anos e uma média de idades de 81 anos
(DP = 7,48). Esta amostra foi constituída por 289 (74,3%) sujeitos do
sexo feminino e 100 (25,7%) do sexo masculino. No que respeita ao estado civil,
a amostra foi constituída por 43 (11,1%) sujeitos solteiros, 21 (5,4%) sujeitos
separados/ divorciados, 243 (62,5%) viúvos e 82 (21,1%) casados ou em união de
facto. De acordo com a ocupação prévia/profissão, 340 (88,1%) sujeitos tinham
uma profissão manual, tendo os restantes 46 (11,9%) uma profissão de índole
intelectual. Quanto ao nível de escolaridade, 118 (30,3%) sujeitos não eram
escolarizados, sendo que 49 (12,6%) dos sujeitos sabiam ler e escrever ainda
que não tivessem escolaridade; 168 (43,2%) completou o 1.º ciclo do ensino
básico; 30 (7,7%) concluiu o 2.º ciclo do ensino básico; tendo os restantes 24
(6,2%) concluído o ensino secundário. No que respeita à resposta social, dez
(2,6%) dos sujeitos frequentavam o centro de convívio; 211 (54,9%) estavam
inseridos em regime de centro de dia; 12 (3,1%) frequentavam o centro de noite;
147 (38,3%) residiam em estruturas residenciais para idosos; estando os
restantes 4 (1%) integrados no serviço de apoio domiciliário. A amostra deste
estudo contou com 152 (39,1%) de participantes provenientes de meio urbano,
sendo os restantes 237 (60,9%) provenientes de meio rural.
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Caracterização
Sociodemográfica da Amostra para o Estudo 1 (N = 389) |
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Variáveis
sociodemográficas |
|
n |
% |
|
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Sexo |
Feminino Masculino |
289 100 |
74,3 25,7 |
|
|
|
Faixa Etária (M = 81,00; DP = 7,48) |
61-70 71-80 81-90 91-100 |
36 129 191 33 |
9,3 33,2 49,1 8,5 |
|
|
|
Estado Civil |
Solteiro(a) Casado(a) Divorciado(a) Viúvo(a) |
43 82 21 243 |
11,1 21,1 5,4 62,5 |
|
|
|
Profissão |
Manual Intelectual |
340 46 |
88,1 11,9 |
|
|
|
Nível de Escolaridade |
Sem escolaridade Sabe ler e escrever 1º ciclo 2º ciclo Ensino secundário |
118 49 168 30 24 |
30,3 12,6 43,2 7,7 6,2 |
|
|
|
Resposta Social |
Centro de convívio Centro de dia Centro de noite Estrutural residencial Apoio domiciliário |
10 211 12 147 4 |
2,6 54,9 3,1 38,3 1,0 |
|
|
|
Área geográfica |
Rural Urbano |
237 152 |
60,9 39,1 |
|
|
|
Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão; n = Número
de sujeitos. |
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Análise Estatística
A análise estatística no Estudo 1 foi
realizada com recurso ao programa IBM SPSS Statistics (v.25), tendo sido
utilizada estatística paramétrica tendo em conta o critério proposto por Kim (2013), que, para amostras com mais de 300
participantes, propõe que valores absolutos de assimetria inferiores a 2 e de
curtose inferiores a 4 sejam indicadores de não desvio da normalidade. Inicialmente
realizou-se uma análise fatorial exploratória por forma a analisar a estrutura
fatorial da escala, bem como a adequabilidade dos seus constituintes. De
seguida, utilizou-se a análise paralela de Monte Carlo com o intuito de
confirmar a solução fatorial rodada (Varimax
e Quartimax) mais adequada.
Seguidamente foram inspecionados os valores de fidedignidade da escala através
do valor de alfa de Cronbach, bem como os valores de alfa se item excluído no
sentido de corroborar a estrutura fatorial que anteriormente se salientou. Para
finalizar, foi ainda importante verificar os valores da escala em estudo no que
respeita à sua validade convergente e divergente com outros instrumentos,
através dos valores de correlação de Pearson e do teste t de Student
para amostras emparelhadas.
Resultados
Análise fatorial
exploratória. A PANAS de 22 itens foi submetida a uma análise
fatorial exploratória de componentes principais não rodada e rodada com rotação
Varimax e Quartimax
por forma a verificar a sua estrutura após maximização das suas saturações. Em
consequência, a escala apresentou um total de quatro fatores com uma variância
total explicada de 49,56, bem como um valor de Keyser Meyer Olkin (KMO)
de 0,87 e um teste de esfericidade de Bartlett com significância estatística (p
< 0,001). Contudo, a análise paralela de Monte Carlo (22 itens x 389
sujeitos) indicou valores de critério para os eigenvalues que conduziram
à decisão de reter apenas dois fatores. Desta forma, a análise fatorial
exploratória foi novamente realizada forçada a dois fatores, tendo
apresentado uma variância total explicada de 38,89. Após a análise não rodada
ter obtido itens com saturações em ambos os fatores, aplicámos a rotação tanto Quartimax como Varimax. As soluções foram idênticas, verificando-se que os Itens 8
(Agressivo) e 13 (Envergonhado) apresentavam saturações muito
baixas no fator Afeto Negativo, pelo que este critério levou à exclusão
dos mesmos. Por forma a obter uma versão reduzida, mas que fosse balanceada
(mesmo número de itens positivos e negativos), tiveram de ser retidos somente
itens que tivessem um valor de saturação superior a 0,63 no respetivo fator
(saturações muito boas explicativas de 40% da variância; Hair, Anderson, Tatham, & Black, 1995;
Pearson & Hall, 1993). Desta forma, excluíram-se do fator Afeto
Positivo os Itens 1 (Interessado), 10 (Orgulhoso), 17 (Atencioso)
e 21 (Emocionado), e os Itens 4 (Aborrecido) e 6 (Culpado)
do fator Afeto Negativo. Por fim, repetida a análise com a exclusão dos
itens referidos, a PANAS-14 apresentou-se como uma escala bifatorial, com uma
variância total explicada de 48,64 (KMO = 0,85; Teste de esfericidade de
Bartlett: p < 0,001).
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Valores de
Saturação dos Itens da PANAS-14 nos Dois Fatores (Afeto Positivo e Afeto Negativo)
(N = 389) |
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Item (# versão
original) |
Afeto Positivo |
Afeto Negativo |
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1. Aflito (2) |
— |
0,67 |
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2. Estimulado
(animado) (3) |
0,70 |
— |
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3. Forte (5) |
0,65 |
— |
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4. Assustado (7) |
— |
0,77 |
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5. Entusiasmado
(arrebatado) (9) |
0,70 |
— |
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6. Irritável
(11) |
— |
0,73 |
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7. Atento (12) |
0,61 |
— |
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8. Inspirado
(14) |
0,67 |
— |
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9. Nervoso (15) |
— |
0,77 |
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10. Decidido
(16) |
0,63 |
— |
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11. Inquieto
(18) |
— |
0,71 |
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12. Ativo (19) |
0,67 |
— |
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13. Medroso (20) |
— |
0,64 |
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14. Magoado (22) |
— |
0,75 |
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Consistência interna.
Os valores de consistência interna
foram calculados através do valor de alfa de Cronbach para as subescalas do Afeto
Positivo e Negativo. No que respeita ao Afeto Positivo o
valor de alfa de Cronbach foi de 0,78, tendo o valor da subescala do Afeto
Negativo sido de 0,84. Quando inspecionados os valores de alfa-se-item-eliminado,
foi possível verificar que nenhum dos valores de alfa dos itens se sobrepunha
ao valor de alfa da escala total, o que corroborou a estrutura fatorial da
escala.
Validades convergente e
divergente. As validades convergente e divergente foram
calculadas através de correlações de Pearson com os totais das escalas GDS-8 e
SWLS. Quanto ao Afeto Positivo, no que respeita à validade convergente,
foi encontrado um valor de correlação de 0,44 (R2 x 100 = 19,4%; p
< 0,01) com a SWLS. No que respeita à validade divergente, as pontuações do Afeto
Positivo apresentaram um valor de correlação de -0,24 (R2 x 100 =
5,8%; p < 0,01) com a GDS-8 e de -0,17 (R2 x 100 = 2,9%; p
< 0,01) com subescala de Afeto Negativo. Relativamente ao Afeto
Negativo, no que respeita à validade convergente, foi encontrado um valor
de correlação de 0,61 (R2 x 100 = 37,2%; p < 0,01) com a GDS-8
e um valor de -0,34 (R2 x 100 = 11,6%; p < 0,01) com a SWLS no
que respeita à validade divergente.
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Tabela 3 Correlações de Pearson entre o Afeto Positivo,
Afeto Negativo da PANAS, GDS e SWLS (N = 389) |
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Instrumentos |
1 |
2 |
3 |
4 |
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1. Afeto Positivo |
— |
|
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2. Afeto Negativo |
- 0,17 ** |
— |
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3. GDS |
- 0,24 ** |
0,61 ** |
— |
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4. SWLS |
0,44 ** |
- 0,34 ** |
- 0,34 ** |
— |
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Nota. PANAS = Positive and Negative Affect Schedule; GDS = Geriatric Depression Scale; SWLS = Satisfaction With
Life Scale. * p <
0,05; **p < 0,01. |
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Estabilidade temporal. Quando analisados os resultados da análise t
de Student para amostras emparelhadas foi possível depreender que no que concerne
ao Afeto Positivo houve uma diminuição das pontuações entre os primeiro
(M = 19,08; DP = 4,79) e o segundo (M = 18,11; DP =
5,78) momentos de avaliação, ainda que esta diferença não fosse
estatisticamente significativa [t(65) = 1,49 ; p = 0,15]. Quanto ao
Afeto Negativo foi também possível depreender, através da mesma análise,
a diminuição das pontuações entre o primeiro (M = 17,64; DP =
6,79) e o segundo (M = 16,05; DP = 5,43) momentos, o que também
não foi estatisticamente significativo [t(65) = 1,81; p = 0,08]. Por fim, a PANAS-14 apresentou as
pontuações que se descrevem junto com a sua conversão numa escala uniforme de 0-100 baseada na percentagem do máximo possível (POMP)
de acordo com a fórmula de Cohen, Cohen, Aiken e West (2010): MPOMP =
[M - pontuação mínima possível (7)] /
[pontuação máxima possível (35) - pontuação mínima possível (7)] x 100. No Afeto
Positivo, a média foi de 19,66 (DP = 5,71; min = 7,00; máx = 35; MPOMP
= 45,2%) e no Afeto Negativo, a média foi de 16,75 (DP =
6,96; min = 7,00; máx = 35; MPOMP = 34,8%). Como se pode observar, a
percentagem da média foi superior para o Afeto Positivo.