Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 5 (2): 49-67

Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2019 Vol. 5 (2): 49-67

Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga

 

 

ARTIGO ORIGINAL

Validação da PANAS numa amostra portuguesa de pessoas idosas em resposta social

 

PANAS validation in a Portuguese sample of older adults supported by social institutions

 

 

Laura Lemos (1)

Helena Espírito-Santo (1,2)

Cristiana Duarte-Figueiredo (1)

Diana Santos (1)

Luís Cunha (1)

Fernanda Daniel (1,3)

(1) Centro Interdisciplinar de Investigação Psicossocial, Instituto Superior Miguel Torga, Portugal

(2) Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal

(3) Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, Portugal

 

Recebido: 12/11/2019; Revisto: 26/11/2019; Aceite: 27/11/2019.

https://doi.org/10.31211/rpics.2019.5.2.160

 

 

 

ÍNDICE

RESUMO | ABSTRACT

INTRODUÇÃO

MÉTODO

ESTUDO 1

ESTUDO 2

DISCUSSÃO

REFERÊNCIAS

 

 

 

Resumo

 

Contexto: O afeto positivo e negativo são duas dimensões psicobiológicas do bem-estar subjetivo (BES) relevantes para a forma como é experienciada a circunstância da recurso a apoio institucional na vida de muitas pessoas idosas. Objetivo: O objetivo do estudo foi validar, no contexto de resposta social, uma versão breve da Positive and Negative Affect Schedule (PANAS), um questionário que permite avaliar o afeto positivo e negativo. Métodos: Numa amostra de 389 idosos (61 – 100 anos; M = 80,89; DP = 7,48 anos), avaliados através da PANAS, da Satisfaction With Life Scale e da Geriatric Depression Scale-8, testaram-se as propriedades psicométricas e realizou-se uma análise fatorial exploratória da PANAS. Numa segunda amostra de 383 sujeitos (60 – 99 anos; M = 80,27; DP = 7,87 anos) efetuou-se uma análise fatorial confirmatória. Resultados: Obteve-se uma versão reduzida da PANAS, com 14 itens, estrutura bidimensional, adequadas consistências internas, validade convergente e divergente para o Afeto Positivo/AP e Afeto Negativo/AN. A estabilidade temporal (intervalo = 1,44 meses) foi igualmente adequada para o AP e para o AN (p < 0,001). A análise fatorial confirmatória revelou um ajustamento adequado para a estrutura bidimensional da PANAS-14 (AGFI = 0,91; CFI = 0,93; SRMR = 0,05; RMSEA = 0,06; PCLOSE = 0,12). Conclusão: A PANAS-14 é um instrumento breve psicometricamente adequado para a avaliação do PA e do NA em pessoas idosas em resposta social.

 

Palavras-Chave: Envelhecimento; Resposta Social; Bem-Estar Subjetivo; PANAS.

 

 

Abstract

 

Background: Positive and negative affect are two psychobiological dimensions of subjective wellbeing (BES) relevant to the way institutional support is experienced in the lives of many older people. Aim: The study aimed to validate, in the context of institutional support, a brief version of the Positive and Negative Affect Schedule (PANAS), a questionnaire that allows us to evaluate positive and negative affect. Methods: A sample of 389 old adults (61 – 100 years; M = 80.89; SD = 7.48 years) was assessed with the PANAS, Satisfaction With Life Scale, and Geriatric Depression Scale-8. In this sample, the psychometric properties of the PANAS were tested, and an exploratory factor analysis was performed. In a second sample of 383 subjects (60 – 99 years; M = 80.27; SD = 7.87 years), confirmatory factor analysis was executed. Results: A reduced version of PANAS was obtained, with 14 items, a two-dimensional structure, adequate internal consistency, convergent, and divergent validity for the Positive Affect/PA and Negative Affect/NA. Temporal stability (interval = 1.44 months) was equally adequate for PA and NA (p < 0.001). Confirmatory factor analysis revealed an adequate adjustment for the two-dimensional structure of PANAS-14 (AGFI = 0.91; CFI = 0.93; SRMR = 0.05; RMSEA = 0.06; PCLOSE = 0.12). Conclusions: The PANAS-14 is a brief psychometrically suitable tool for the assessment of PA and NA in institutionalized older adults supported by social institutions.

 

Keywords: Aging; Social Institution; Subjective wellbeing; PANAS.

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Introdução

 

A investigação sobre o envelhecimento tem evidenciado um interesse particular no Bem-Estar Subjetivo (BES). A preocupação sobre o possível impacto das alterações físicas, psicológicas e sociais que acompanham o processo de envelhecimento no BES das pessoas idosas (Diener, Scollon, & Lucas, 2003), bem como o objetivo de promoção da saúde nesta etapa do ciclo vital, poderão explicar este movimento. De acordo com Galinha e Ribeiro (2005), o BES remete para uma dimensão positiva da saúde, associada a um envelhecimento saudável (Diener, 2000; Guedea et al., 2006), sendo a promoção desta dimensão nas pessoas idosas uma estratégia de saúde pública nos países desenvolvidos (Jivraj, Nazroo, Vanhoutte, & Chandola, 2014).

 

Estudos recentes apontam para uma estabilidade do BES ao longo da vida, sugerindo que a idade não é um preditor de BES, pois se as condições de vida se mantiverem, se houver perceção de uma saúde e rede interpessoal satisfatórias, os níveis de BES tendem a não decrescer (Diener & Lucas, 2000; Isaacowitz, 2005; Lima et al., 2001; Oliveira, Queiroz, & Costa, 2012; Sposito, Diogo, Cintra, Neri, & Guariento, 2010). Uma alteração significativa nas condições de vida das pessoas idosas poderá ser o recurso a instituições de apoio social. Por um lado, este apoio poderá constituir-se como essencial no acesso a cuidados de saúde e apoio social, no entanto, poderá também promover estados emocionais negativos, na medida em que a pessoa poderá ver-se confrontada com algum grau de dependência e fragilidade, sobretudo quando beneficiam da valência residencial. As instituições de apoio social, nomeadamente no que respeita ao seu ambiente físico, têm demonstrado influenciar a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas idosas (Burton & Sheehan, 2010). De acordo com a investigação, a perceção que a pessoa idosa tem do seu estado de saúde bem como a satisfação com a instituição onde reside são variáveis que interferem com o bem-estar e com a satisfação com a vida (Bockerman, Johansson, & Saarni, 2012; Donnenwerth & Petersen, 1992). Segundo Donnenwerth e Petersen (1992), a institucionalização terá um efeito positivo quando mediada pela perceção do idoso face à saúde, ainda que tenha um efeito negativo quando mediada pelo fator satisfação com a residência, o que implica um efeito negativo da variável institucionalização face ao bem-estar da pessoa idosa. Por outro lado, Bockerman et al. (2012) realizaram um estudo com população idosa finlandesa em que concluíram que quem vive em instituições apresenta maiores níveis satisfação com a vida. Desta forma e de acordo com Cardão (2009) a institucionalização nesta etapa do ciclo vital poderá apresentar vantagens e inconvenientes para a pessoa idosa. Por um lado, a institucionalização permite maior acessibilidade a serviços sociais e médicos que poderão ter impacto positivo na qualidade de vida do indivíduo e, por outro, implica a perda e a quebra dos laços familiares (Ferretti, Soccol, Albrecht, & Ferraz, 2014), que influenciarão a adaptação positiva ao novo contexto (Cardão, 2009; Runcan, 2012). O recurso a outras valências institucionais poderá, também, ser um fator que influencia os níveis de BES uma vez que, por um lado, poderá pressupor algum nível de dependência e fragilidade em termos de saúde, e por outro, poderá fazer face a necessidades que de outra forma haveria maior dificuldade em serem supridas. A forma como a pessoa experiencia o apoio institucional parece assim ter impacto nos níveis de BES, legitimando a sua investigação com esta população.

O BES refere-se à avaliação subjetiva que as pessoas fazem das suas vidas, incluindo julgamentos cognitivos globais de satisfação e a experiência de emoções positivas e negativas (Diener, 1984; Diener et al., 2003). A investigação sobre o BES centra-se na forma como as pessoas vivem e experienciam as suas vidas, quer do ponto de vista cognitivo (Diener, 1984), caracterizado pela satisfação com a vida em domínios específicos (p. ex., a capacidade física e mental e os relacionamentos sociais), quer do ponto de vista afetivo, caracterizado pelo equilíbrio entre emoções positivas e negativas (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Diener, 2000; Diener, Suh, Lucas, & Smith, 1999; Galinha & Pais-Ribeiro, 2005). As emoções positivas estão relacionadas com experiências agradáveis subjetivas, traduzindo-se num estado no qual se sente entusiasmo e energia, das quais são exemplo a satisfação, a confiança e a felicidade (Crawford & Henry, 2004). Ao invés, as emoções negativas refletem sofrimento e desconforto, caracterizando-se por vivências desagradáveis relativamente a distintas atividades do dia-a-dia (Watson, Clark, & Tellegen, 1988), salientando-se, como exemplos, a tristeza e a culpa (Crawford & Henry, 2004).

 

Assim, o afeto positivo e negativo são dimensões da experiência emocional e permitem diferenciar a ansiedade e a depressão. De acordo com o modelo tripartido de Clark e Watson (1991), a ansiedade é caracterizada por níveis elevados de ativação fisiológica, sendo a depressão caracterizada por diminuição do interesse, perda de energia e lentificação psicomotora (Laurent et al., 1999). Assim e tendo em conta as dimensões do afeto, sujeitos com ansiedade e depressão tendem a revelar níveis mais elevados de afeto negativo, e os sujeitos somente com sintomatologia depressiva apresentam também baixos níveis de afeto positivo.

As medidas de autorrelato são as mais utilizadas para avaliar os constructos que compõem o BES. Essas medidas são rápidas, de fácil aplicação e são sensíveis o suficiente para captar as diferentes componentes do bem-estar com bons níveis de confiabilidade e validade. A Positive and Negative Affect Schedule (PANAS; Watson et al., 1988) é um instrumento que permite avaliar as duas dimensões da afetividade, constituindo-se como uma medida breve, de fácil administração e válida que mede ambas as dimensões do afeto. Originalmente, a escala incluiu vinte itens, dez dos quais correspondentes ao Afeto Positivo e os restantes dez ao Afeto Negativo (Watson et al., 1988); a validação portuguesa da escala é constituída por vinte e dois itens, onze dos quais correspondentes ao Afeto Positivo e os restantes onze ao Afeto Negativo (Simões, 1993). Esta escala surgiu após estudos relativos à estrutura bidimensional do afeto e com o objetivo de desenvolvimento de uma escala reduzida, que fosse breve e de fácil administração, superando assim lacunas de escalas anteriores no que respeita às propriedades psicométricas, as quais tinham baixos valores de validade e fidedignidade (Watson et al., 1988).

 

Já no que respeita às versões portuguesas (Galinha & Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993), a PANAS foi validada tendo por base os mesmos pressupostos metodológicos adotados pelos autores da versão original, ainda que tendo em consideração as características peculiares que definem o afeto, bem como a disparidades lexicais, diferenças de contexto e cultura (Costa, 2013; Galinha & Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993). Desta forma, a escala portuguesa apresenta na sua generalidade boas propriedades psicométricas (Costa, 2013; Galinha & Pais-Ribeiro, 2005; Simões, 1993) quando comparada com a validação da versão original americana, apresentando 13 de 22 itens similares em ambas as escalas (Costa, 2013; Simões, 1993). A PANAS tem ainda sido alvo de validação para outros países e amostras. O Quadro 1 sintetiza a revisão da literatura dos estudos de validação da escala.

 

 

 

Quadro 1

Revisão da Literatura

 

 

Autor(es)

(Ano)

Amostra

Nº Itens

Consistência interna

Teste-reteste

Análise Fatorial

 

 

Watson et al.

(1988)

N = 663

Estudantes

20 itens

AP = 0,88

AN = 0,87

AP = 0,68

AN = 0,71

2 fatores

(AFE)

 

 

Kercher

(1992)

N = 804

Idosos

10 itens

AP = 0,75

AN = 0,81

2 fatores

(AFC)

 

 

Simões

(1993)

N = 226

Estudantes

22 itens

AP = 0,82

AN = 0,85

 

 

Huebner & Dew

(1995)

N = 266

Adolescentes

10 itens

AP = 0,85

AN = 0,84

2 fatores

(AFE)

 

 

Wilson Gullone, & Moss

(1998)

N = 228

Crianças e adolescentes

20 itens

AP = 0,78

AN = 0,81

2 fatores

(AFC)

 

 

Mackinnon et al.

(1999)

N = 2651

Comunidade

10 itens

AP = 0,78

AN = 0,87

2 fatores

(AFC)

 

 

Laurent et al.
(1999)

N = 707

Crianças

30 itens

AP = 0,89

AN = 0,94

2 fatores

 

 

Sandín et al.

(1999)

N = 712

Estudantes

20 itens

AP = 0,87

AN = 0,89

2 fatores

 

 

DePaoli & Sweeney

(2000)

N = 69

Estudantes

20 itens

AP = 0,85

AN = 0,86

 

 

Crawford & Henry

(2004)

N = 1003

Adultos comunidade

20 itens

AP = 0,89

AN = 0,85

2 fatores

(AFC)

 

 

Galinha & Pais-Ribeiro

(2005)

N = 348

Estudantes

20 itens

AP = 0,86

AN = 0,89

2 fatores

(AFE)

 

 

Thompson

(2007)

N = 407

Estudantes

10 itens

AP = 0,78

AN = 0,76

AP = 0,84

AN = 0,84

2 fatores

(AFC)

 

 

Lim, Yu, Kim, & Kim

(2010)

N = 218

Amostra clínica

20 itens

AP = 0,87

AN = 0,91

AP = 0,79

AN = 0,89

2 fatores

(AFC)

 

 

Gyollai, Köteles, & Demetrovics

(2011)

N = 1629

Estudantes (E) e

População clínica (PC)

20 itens

EAP = 0,73

EAN = 0,79

PCAP = 0,65

PCAP = 0,67

2 fatores

(AFC)

 

 

Karim, Weisz, & Rehman (2011)

N = 423

Estudantes

10 itens

AP = 0,75

AN = 0,80

2 fatores

(AFC)

 

 

Cotigã

(2012)

N = 120

Funcionários

11 itens

AP = 0,83

AN = 0,80

Total = 0,81

AP = 0,39

AN = 0,43

 

 

Dufey & Fernandez

(2012)

N = 437

Estudantes

20 itens

AP = 0,71

AN = 0,82

AP = 0,65

AN = 0,77

2 fatores

(AFE)

 

 

Costa

(2013)a

N = 555

Idosos

20 itens

AP = 0,79

AN = 0,84

AP = 0,45

AN = 0,10

2 fatores

(AFE)

 

 

Carvalho et al.

(2013)

N = 3728

Comunidade

20 itens

AP = 0,88

AN = 0,87

2 fatores

(AFE)

 

 

Galinha, Pereira, & Esteves

(2014)

N = 836

Estudantes

10 itens

AP = 0,86

AN = 0,89

Invariância intemporal x 2

2 fatores

(AFC)

 

 

Nolla, Queral, & Miró

(2014)

N = 436

Idosos

20 itens

AP = 0,91

AN = 0,90

2 fatores

(AFE)

 

 

Buz, Pérez-Arechaederra, Fernández-Pulido, & Urchaga

(2015)

N = 585

Idosos

20 itens

AP = 0,93

AN = 0,83

2 fatores

(AFE)

 

 

Sousa, Marques-Vieira, Severino, Pozo Rosado, & José

(2016)

N = 171

Doença renal crónica

20 itens

AP = 0,87

AN = 0,88

Total = 0,91

2 fatores

(AFE)

 

 

Humboldt & Leal

(2017)

N = 1291

Idosos comunidade

20 itens

AP = 0,92

AN = 0,88

2 fatores

 

 

Nota. AP = Afeto positivo; NA = Afeto Negativo; AFE = Análise fatorial exploratória; AFC = Análise fatorial confirmatória; EAP = Afeto Positivo na amostra de estudantes; EAN = Afeto Negativo na amostra de estudantes; PCAP = Afeto Positivo na amostra da população clínica; PCAN = Afeto Negativo na amostra da população clínica. a Este estudo está inserido no Projeto Trajetórias do Envelhecimento.

 

 

 

 

Em suma, as pessoas idosas têm de lidar com desafios físicos, mentais e sociais particulares. Um desses desafios é o apoio prestado por instituições que surge frequentemente como resposta à solidão e às dificuldades físicas, mentais ou neurocognitivas. A forma como a pessoa idosa experiencia o apoio institucional poderá influenciar as dimensões do afeto positivo e negativo, as componentes emocionais do BES. Assim, é de relevo que este segmento da população seja estudado na sua dimensão afetiva.

A PANAS foi validada em várias populações e culturas e existe um estudo preliminar com pessoas idosas sob resposta social realizado pelo nosso grupo de investigação (Costa, 2013). No entanto, os estudos com pessoas idosas que beneficiam de apoio institucional são limitados e havia que estender o estudo prévio a amostras maiores. Adicionalmente, versões breves de questionários são um aspeto importante para evitar sobrecarregar uma população idosa que caracteristicamente apresenta baixa escolarização, presença de sintomatologia mental, neurocognitiva e física e idade avançada (e.g., Daniel, Vicente, Guadalupe, Silva, & Espirito-Santo, 2015; Espirito-Santo & Daniel, 2018; Fastame & Cavallini, 2011; Fastame, Hitchcott, Penna, & Murino, 2016; Figueiredo-Duarte, Espirito-Santo, Sério, Marques, & Daniel, 2019; Runcan, 2012; Vicente et al., 2014).

Assim, o presente estudo teve como objetivos: 1) determinar a estrutura fatorial da PANAS numa amostra de pessoas em resposta social de idade avançada e verificar se é possível derivar dessa análise uma versão mais curta; 2) estudar as propriedades psicométricas da PANAS na mesma amostra (Estudo 1); 3) efetuar uma análise fatorial confirmatória noutra amostra de pessoas idosas que beneficiam de apoio institucional (Estudo 2).

 

 

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Métodos

 

Participantes

A amostra utilizada na presente investigação foi distinta consoante o estudo (Estudo 1 e Estudo 2). Contudo, para ambos os estudos, a amostra foi selecionada de acordo com os seguintes critérios: sujeitos com idade igual ou superior a 60 anos em resposta social, tendo sido excluídos os sujeitos com dificuldades de compreensão e expressão verbal (determinadas na entrevista inicial e confirmadas nos registos médicos dos utentes). Após a seleção, os participantes foram divididos aleatoriamente pelos dois grupos de cada estudo. Metade da amostra, utilizada no Estudo 1, incluiu 389 idosos e a outra metade abrangeu 383 idosos incluídos no Estudo 2.

 

Instrumentos

Questionário sociodemográfico. Com este questionário recolheu-se informação sobre o sexo, idade, estado civil, profissão, nível de escolaridade, área geográfica e tipo de resposta social.

Lista de Afetos Positivos e Negativos. A Positive Affect and Negative Affect Schedule (PANAS, versão original de Watson et al., 1988; versão portuguesa de Simões, 1993) é uma escala que permite avaliar a afetividade e o bem-estar subjetivo, constituída por 22 itens, divididos em igual número quanto pelas subescalas/fatores Afeto Positivo e Negativo. A PANAS compreende um formato de resposta tipo Likert de cinco pontos, variando a sua pontuação entre 11 e 55 pontos (nível mais alto de afeto) em cada subescala.

Escala de Depressão Geriátrica de 8 itens. A Geriatric Depression Scale-8 (GDS, versão original de Yesavage et al., 1983; tradução para a população portuguesa de Barreto, Leuschner, Santos, & Sobral, 2007; validação de Figueiredo-Duarte et al., 2019) é uma escala que objetiva o rastreio da sintomatologia depressiva na população geriátrica institucionalizada (Figueiredo-Duarte et al., 2019). Esta versão da GDS é constituída por oito itens, variando a sua pontuação entre 0 e 8 (mais sintomas depressivos). O valor de alfa de Cronbach da versão original foi de 0,94, tendo o valor da população portuguesa sido de 0,87. No que respeita à presente investigação, o valor de alfa de Cronbach encontrado foi de 0,85.

Escala de Satisfação com a Vida. A Satisfaction With Life Scale (SWLS, versão original de Diener, Emmons, Larsen e Griffin, 1985; versão portuguesa de Simões, 1992) avalia a satisfação dos sujeitos com a vida, no que respeita ao bem-estar subjetivo dos mesmos. A escala compreende cinco itens, com opção de resposta de cinco pontos numa escala de Likert, variando a sua pontuação entre os 5 e os 25 pontos (Simões, 1992). O valor de confiabilidade da versão portuguesa numa amostra prévia de pessoas idosas sob resposta social do Projeto Trajetórias do Envelhecimento foi de 0,76 (Costa, 2013), tendo sido de 0,78 no presente estudo.

 

Procedimentos

A presente investigação está inserida no projeto Trajetórias do Envelhecimento do Instituto Superior Miguel Torga, tendo para os devidos efeitos sido elaborados pedidos de autorização aos autores das escalas integrantes do protocolo, bem como às instituições e respetivos utentes através de consentimento informado. O protocolo foi administrado por avaliadores treinados de acordo com os objetivos do estudo, tendo integrado um questionário sociodemográfico, a PANAS, a SWLS e a GDS-8. Para análise da estabilidade temporal da escala o protocolo foi administrado num segundo momento a uma subamostra de 120 pessoas (1,44 meses de intervalo). Todos os questionários foram lidos em voz alta para padronizar a administração e minimizar eventuais dificuldades de compreensão das questões.

 

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Estudo 1: Análise Fatorial Exploratória

Participantes

A amostra incluiu 389 sujeitos, com idades compreendidas entre os 61 e os 100 anos e uma média de idades de 81 anos (DP = 7,48). Esta amostra foi constituída por 289 (74,3%) sujeitos do sexo feminino e 100 (25,7%) do sexo masculino. No que respeita ao estado civil, a amostra foi constituída por 43 (11,1%) sujeitos solteiros, 21 (5,4%) sujeitos separados/ divorciados, 243 (62,5%) viúvos e 82 (21,1%) casados ou em união de facto. De acordo com a ocupação prévia/profissão, 340 (88,1%) sujeitos tinham uma profissão manual, tendo os restantes 46 (11,9%) uma profissão de índole intelectual. Quanto ao nível de escolaridade, 118 (30,3%) sujeitos não eram escolarizados, sendo que 49 (12,6%) dos sujeitos sabiam ler e escrever ainda que não tivessem escolaridade; 168 (43,2%) completou o 1.º ciclo do ensino básico; 30 (7,7%) concluiu o 2.º ciclo do ensino básico; tendo os restantes 24 (6,2%) concluído o ensino secundário. No que respeita à resposta social, dez (2,6%) dos sujeitos frequentavam o centro de convívio; 211 (54,9%) estavam inseridos em regime de centro de dia; 12 (3,1%) frequentavam o centro de noite; 147 (38,3%) residiam em estruturas residenciais para idosos; estando os restantes 4 (1%) integrados no serviço de apoio domiciliário. A amostra deste estudo contou com 152 (39,1%) de participantes provenientes de meio urbano, sendo os restantes 237 (60,9%) provenientes de meio rural.

 

 

 

 

Tabela 1

Caracterização Sociodemográfica da Amostra para o Estudo 1 (N = 389)

 

 

Variáveis sociodemográficas

 

n

%

 

 

Sexo

Feminino

Masculino

289

100

74,3

25,7

 

 

Faixa Etária

(M = 81,00;

DP = 7,48)

61-70

71-80

81-90

91-100

36

129

191

33

9,3

33,2

49,1

8,5

 

 

Estado Civil

Solteiro(a)

Casado(a)

Divorciado(a)

Viúvo(a)

43

82

21

243

11,1

21,1

5,4

62,5

 

 

Profissão

Manual

Intelectual

340

46

88,1

11,9

 

 

Nível de

Escolaridade

Sem escolaridade

Sabe ler e escrever

1º ciclo

2º ciclo

Ensino secundário

118

49

168

30

24

30,3

12,6

43,2

7,7

6,2

 

 

Resposta

Social

Centro de convívio

Centro de dia

Centro de noite

Estrutural residencial

Apoio domiciliário

10

211

12

147

4

2,6

54,9

3,1

38,3

1,0

 

 

Área geográfica

Rural

Urbano

237

152

60,9

39,1

 

 

Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão; n = Número de sujeitos.

 

 

 

 

Análise Estatística

A análise estatística no Estudo 1 foi realizada com recurso ao programa IBM SPSS Statistics (v.25), tendo sido utilizada estatística paramétrica tendo em conta o critério proposto por Kim (2013), que, para amostras com mais de 300 participantes, propõe que valores absolutos de assimetria inferiores a 2 e de curtose inferiores a 4 sejam indicadores de não desvio da normalidade. Inicialmente realizou-se uma análise fatorial exploratória por forma a analisar a estrutura fatorial da escala, bem como a adequabilidade dos seus constituintes. De seguida, utilizou-se a análise paralela de Monte Carlo com o intuito de confirmar a solução fatorial rodada (Varimax e Quartimax) mais adequada. Seguidamente foram inspecionados os valores de fidedignidade da escala através do valor de alfa de Cronbach, bem como os valores de alfa se item excluído no sentido de corroborar a estrutura fatorial que anteriormente se salientou. Para finalizar, foi ainda importante verificar os valores da escala em estudo no que respeita à sua validade convergente e divergente com outros instrumentos, através dos valores de correlação de Pearson e do teste t de Student para amostras emparelhadas.

 

Resultados

Análise fatorial exploratória. A PANAS de 22 itens foi submetida a uma análise fatorial exploratória de componentes principais não rodada e rodada com rotação Varimax e Quartimax por forma a verificar a sua estrutura após maximização das suas saturações. Em consequência, a escala apresentou um total de quatro fatores com uma variância total explicada de 49,56, bem como um valor de Keyser Meyer Olkin (KMO) de 0,87 e um teste de esfericidade de Bartlett com significância estatística (p < 0,001). Contudo, a análise paralela de Monte Carlo (22 itens x 389 sujeitos) indicou valores de critério para os eigenvalues que conduziram à decisão de reter apenas dois fatores. Desta forma, a análise fatorial exploratória foi novamente realizada forçada a dois fatores, tendo apresentado uma variância total explicada de 38,89. Após a análise não rodada ter obtido itens com saturações em ambos os fatores, aplicámos a rotação tanto Quartimax como Varimax. As soluções foram idênticas, verificando-se que os Itens 8 (Agressivo) e 13 (Envergonhado) apresentavam saturações muito baixas no fator Afeto Negativo, pelo que este critério levou à exclusão dos mesmos. Por forma a obter uma versão reduzida, mas que fosse balanceada (mesmo número de itens positivos e negativos), tiveram de ser retidos somente itens que tivessem um valor de saturação superior a 0,63 no respetivo fator (saturações muito boas explicativas de 40% da variância; Hair, Anderson, Tatham, & Black, 1995; Pearson & Hall, 1993). Desta forma, excluíram-se do fator Afeto Positivo os Itens 1 (Interessado), 10 (Orgulhoso), 17 (Atencioso) e 21 (Emocionado), e os Itens 4 (Aborrecido) e 6 (Culpado) do fator Afeto Negativo. Por fim, repetida a análise com a exclusão dos itens referidos, a PANAS-14 apresentou-se como uma escala bifatorial, com uma variância total explicada de 48,64 (KMO = 0,85; Teste de esfericidade de Bartlett: p < 0,001).

 

 

 

Tabela 2

Valores de Saturação dos Itens da PANAS-14 nos Dois Fatores (Afeto Positivo e Afeto Negativo) (N = 389)

 

 

Item (# versão original)

Afeto Positivo

Afeto Negativo

 

 

1. Aflito (2)

0,67

 

 

2. Estimulado (animado) (3)

0,70

 

 

3. Forte (5)

0,65

 

 

4. Assustado (7)

0,77

 

 

5. Entusiasmado (arrebatado) (9)

0,70

 

 

6. Irritável (11)

0,73

 

 

7. Atento (12)

0,61

 

 

8. Inspirado (14)

0,67

 

 

9. Nervoso (15)

0,77

 

 

10. Decidido (16)

0,63

 

 

11. Inquieto (18)

0,71

 

 

12. Ativo (19)

0,67

 

 

13. Medroso (20)

0,64

 

 

14. Magoado (22)

0,75

 

 

 

Consistência interna. Os valores de consistência interna foram calculados através do valor de alfa de Cronbach para as subescalas do Afeto Positivo e Negativo. No que respeita ao Afeto Positivo o valor de alfa de Cronbach foi de 0,78, tendo o valor da subescala do Afeto Negativo sido de 0,84. Quando inspecionados os valores de alfa-se-item-eliminado, foi possível verificar que nenhum dos valores de alfa dos itens se sobrepunha ao valor de alfa da escala total, o que corroborou a estrutura fatorial da escala.

Validades convergente e divergente. As validades convergente e divergente foram calculadas através de correlações de Pearson com os totais das escalas GDS-8 e SWLS. Quanto ao Afeto Positivo, no que respeita à validade convergente, foi encontrado um valor de correlação de 0,44 (R2 x 100 = 19,4%; p < 0,01) com a SWLS. No que respeita à validade divergente, as pontuações do Afeto Positivo apresentaram um valor de correlação de -0,24 (R2 x 100 = 5,8%; p < 0,01) com a GDS-8 e de -0,17 (R2 x 100 = 2,9%; p < 0,01) com subescala de Afeto Negativo. Relativamente ao Afeto Negativo, no que respeita à validade convergente, foi encontrado um valor de correlação de 0,61 (R2 x 100 = 37,2%; p < 0,01) com a GDS-8 e um valor de -0,34 (R2 x 100 = 11,6%; p < 0,01) com a SWLS no que respeita à validade divergente.

 

 

 

Tabela 3

Correlações de Pearson entre o Afeto Positivo, Afeto Negativo da PANAS, GDS e SWLS (N = 389)

 

 

Instrumentos

1

2

3

4

 

 

1. Afeto Positivo

 

 

 

 

 

2. Afeto Negativo

- 0,17 **

 

 

 

 

3. GDS

- 0,24 **

0,61 **

 

 

 

4. SWLS

0,44 **

- 0,34 **

- 0,34 **

 

 

Nota. PANAS = Positive and Negative Affect Schedule; GDS = Geriatric Depression Scale; SWLS = Satisfaction With Life Scale.

 * p < 0,05; **p < 0,01.

 

 

 

 

Estabilidade temporal. Quando analisados os resultados da análise t de Student para amostras emparelhadas foi possível depreender que no que concerne ao Afeto Positivo houve uma diminuição das pontuações entre os primeiro (M = 19,08; DP = 4,79) e o segundo (M = 18,11; DP = 5,78) momentos de avaliação, ainda que esta diferença não fosse estatisticamente significativa [t(65) = 1,49 ; p = 0,15]. Quanto ao Afeto Negativo foi também possível depreender, através da mesma análise, a diminuição das pontuações entre o primeiro (M = 17,64; DP = 6,79) e o segundo (M = 16,05; DP = 5,43) momentos, o que também não foi estatisticamente significativo [t(65) = 1,81; p = 0,08]. Por fim, a PANAS-14 apresentou as pontuações que se descrevem junto com a sua conversão numa escala uniforme de 0-100 baseada na percentagem do máximo possível (POMP) de acordo com a fórmula de Cohen, Cohen, Aiken e West (2010): MPOMP = [M - pontuação mínima possível (7)] / [pontuação máxima possível (35) - pontuação mínima possível (7)] x 100. No Afeto Positivo, a média foi de 19,66 (DP = 5,71; min = 7,00; máx = 35; MPOMP = 45,2%) e no Afeto Negativo, a média foi de 16,75 (DP = 6,96; min = 7,00; máx = 35; MPOMP = 34,8%). Como se pode observar, a percentagem da média foi superior para o Afeto Positivo.