Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2022 Vol. 8 (1): 1-15
Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2022 Vol. 8 (1): 1-15
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga


ARTIGO ORIGINAL

Perfil das adolescentes grávidas atendidas no Centro de Saúde Materno-Infantil da Mineira (Huambo, Angola)

Profile of pregnant adolescents attended at the Mineira Maternal and Child Health Center (Huambo, Angola)

Hermenegildo Osvaldo Chitumba 1

Victor Nhime Nungulo 1

Cezaltina Nanduva Kahuli 1

(1) Universidade José Eduardo dos Santos, Faculdade de Medicina, Huambo, Angola


Recebido: 23/10/2021; Revisto: 28/01/2022; Aceite: 02/04/2022.


https://doi.org/10.31211/rpics.2022.8.1.226


Resumo

Objetivo: A pesquisa objetivou descrever o perfil das adolescentes grávidas atendidas no Centro de Saúde Materno-Infantil da Mineira (Huambo, Angola). Métodos: Tratou-se de um estudo do tipo descritivo, tendo os dados sido submetidos a uma análise univariada. Foram inquiridas, de forma aleatória, 170 adolescentes grávidas, entre os 14 e 19 anos, em um dos maiores centros de atendimento materno-infantil da cidade do Huambo em Angola, durante o período de julho a dezembro de 2019. Resultados: A idade média das adolescentes foi de 17,53 (DP = 1,28) anos de idade, a maioria era solteira (85,0%), havia concluído o primeiro ciclo do ensino primário (59,0%), não trabalhava (92,4%), vivia (50,6%) e cresceu (56,5%) com os pais, tendo o catolicismo como confissão religiosa (47,1%). Os dados obstétricos deram conta de que a maioria das adolescentes era nulípara (84,1%), não tinha tido complicações decorrentes do parto (84,7%), nem aborto anterior (91,2%). A maioria das adolescentes teve a primeira relação sexual entre os 16–19 anos de idade (68,2%), com o namorado (77,1%) e consentida (91,2%). A maior parte dos parceiros tinha entre 20 a 22 anos de idade (47,0%), trabalhava (57,0%) e assumiu a paternidade (89,0%). Conclusão: Os resultados indiciaram a presença de múltiplos fatores que poderão influir na gravidez na adolescência e mostram haver a necessidade de repensar de forma profunda as políticas públicas de saúde sobre a adolescência.

Palavras-Chave: Adolescência; Angola; Gravidez; Estudo Descritivo.


Abstract

Aim : The research aimed to describe the profile of pregnant adolescents assisted at the Mineira Maternal and Child Health Center (Huambo, Angola). Method: This was a descriptive study, where the data was submitted to a univariate analysis. A total of 170 pregnant adolescents between 14 and 19 years old were randomly surveyed in one of the largest maternal and child care centres in Huambo in Angola from July to December 2019. Results: The average age of the adolescents was 17.53 years old (SD = 1.28); most were single (85%), had completed the first cycle of primary education (59.0%), did not work (92.4%), lived (50.6%) and grew up (56.5%) with their parents, with the majority having the Catholicism as their religious confession (47.1%). The obstetric data reported that most of the adolescents were nulliparous (84.1%), had had no complications from childbirth (84.7%), and had no previous abortion (91.2%). The majority of the adolescents had their first sexual intercourse between 16–19 years (68.2%) with their boyfriend (77.1%), and it was consensual (91.2%). The majority of the partners were aged between 20–22 years, were working (57.0%) and had assumed paternity (89.0%). Conclusion: The results indicated the presence of multiple factors that may influence adolescent pregnancy and showed a need for a profound rethinking of public health policies regarding adolescence.

Keywords: Adolescence; Angola; Pregnancy; Descriptive study.

Introdução

Nos últimos anos, a prevalência da gravidez na adolescência vem decrescendo significativamente a nível mundial. Em 2019 reportou-se uma taxa de 41,6 nascimentos por 1000 adolescentes com as idades compreendidas entre os 15–19 anos, uma diferença de 48,4% em relação aos dados do ano de 1960 (World Bank, 2020). Ainda assim, a gravidez na adolescência é um tema relevante na realidade angolana, devido entre outros fatores, a existência de políticas de saúde insuficientes sobre a adolescência, deficiente acessibilidade aos serviços de saúde por conta do mau estado de algumas vias de acesso e o insuficiente número de unidades sanitárias ao serviço da população (Tavares, 2011).

A adolescência predispõe à exploração e experimentação, incluindo a sexual, contribuindo para o risco de gravidez "precoce" (Ayoola et al., 2006; Yakubu & Salisu, 2018). Existem distintas causas que justificam o aumento da prevalência da gravidez na adolescência, que pode variar nos diferentes países. Há evidências que o relacionam a fatores sociais e económicos (e.g., pobreza, pressão pelos pares, avanços indesejados de homens, atitudes positivas em relação ao início sexual precoce) e baixo índice de escolaridade (Ayoola et al., 2006;Bareiro, 2005;Cerqueira-Santos et al., 2010;Fleming et al., 2013;Ujah et al., 2005; Yakubu & Salisu, 2018). Quanto a consequências, o fenómeno da gravidez na adolescência contribui para dificultar ou impedir o acesso à educação, sendo um potencial fator para o atraso do crescimento e desenvolvimento, incluindo a educação das gerações seguintes (Browne & Barrett, 1991;Yakubu & Salisu, 2018), doenças (Briggs et al., 2007;Naz, 2014) e morte (Ujah et al., 2005).

Apesar de haver maior facilidade de acesso à informação, a gravidez na adolescência continua a ser uma problemática atual (Ayoola et al., 2006), especialmente em algumas regiões da América do Sul e África subsariana (Ratlabala et al., 2007;Ujah et al., 2005;Vieira et al., 2017;Ximenes-Neto et al., 2007; Willan, 2013). A América Latina e as Caraíbas têm a segunda taxa mais alta do mundo, estimada em 66,5 nascimentos por cada 1000 adolescentes grávidas, superadas apenas pela África subsariana (Pan American Health Organization et al., 2017). Segundo a busca feita na base de dados do Banco Mundial (World Bank, 2022), a 28 de fevereiro de 2022, Angola possuía a quinta maior taxa global (145/1000) de gravidez na adolescência entre raparigas dos 15–19 anos, estando abaixo apenas de Níger (180/1000), Mali (165/1000), Chade (155/1000), Guiné Equatorial (151/1000).

Tem sido um dos objetivos de desenvolvimento sustentável a redução da gravidez na adolescência. Embora de forma drástica tenha diminuído na maioria dos países desenvolvidos, ainda constitui um problema a ser resolvido nos países em via de desenvolvimento (Naz, 2014;Ratlabala et al., 2007;Ujah et al., 2005;Vieira et al., 2017;Ximenes-Neto et al., 2007; Willan, 2013). Em África a não priorização das mulheres para a educação está a desaparecer, e é expectável que haja um crescimento na educação do género feminino (Organização das Nações Unidas, 2019). No entanto, em algumas localidades de Angola, ao longo dos anos, as adolescentes entre os 12 e os 14 anos são consideradas aptas para o casamento. Por isso, na eventualidade de não casarem nesta faixa etária, seria problemático para os pais, atendendo que, após esta idade, há a ideia de senso comum de que começam a tornar-se velhas para procriar (Human Rights Committee, 2019). Acresce que em Angola se verifica escassez de informação referente à caracterização da gravidez na adolescente, sendo tímida a produção científica sobre esta problemática (Chipalanga, 2014; Tavares, 2011).

Neste sentido, a presente pesquisa teve como objetivo descrever o perfil das adolescentes grávidas atendidas no Centro de Saúde Materno-Infantil da Mineira (Huambo, Angola), tendo em consideração os aspetos sociodemográficos, características clínico-obstétricas e psicossociais das adolescentes, fonte de esclarecimentos sobre sexualidade, conhecimento de anticoncecionais e de aspetos relacionados com o pai do bebé.

Método

De acordo com a classificação proposta por Candori (2015), o presente estudo foi do tipo observacional, descritivo, prospetivo e transversal.

Participantes

Para a seleção da amostra, teve-se em consideração a população de adolescentes grávidas atendidas no principal e maior Centro de Saúde de atendimento Materno-Infantil da província do Huambo (Angola), denominado “Centro de Saúde Materno Infantil da Mineira”, nos últimos 3 semestres do ano de 2019. Como critérios de inclusão na amostra, teve-se em consideração todas as adolescentes grávidas, com idades entre os 10 aos 19 anos atendidas no Centro de Saúde durante o período de estudo. Foram excluídas todas as grávidas adolescentes fora do período de estudo, assim como as jovens/mulheres grávidas menores de 10 e maiores de 19 anos de idade.

Usando o método de amostragem não-probabilístico, foram inquiridas 170 adolescentes grávidas atendidas no referido Centro, com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos, conforme o corte etário usado pela WHO (1986). Para o cálculo do tamanho da amostra teve-se em consideração a média da população atendida no referido Centro nos últimos três semestres (N = 390), considerando o valor do erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95% para populações finitas (Daniel, 2009).

Instrumento

As adolescentes foram questionadas através de um inquérito por questionário, de elaboração própria, tendo em consideração modelos de inquéritos de estudos relevantes encontrados na literatura pesquisada (Diniz & Koller, 2012; Tavares, 2011). Para o questionário foram usadas perguntas fechadas. O mesmo foi dividido em duas secções, sendo a primeira reservada ao preenchimento de aspetos sociodemográficos como a idade, estado civil, escolaridade, situação laboral, religião e com quem vivia. A segunda secção ficou reservada para as questões específicas da pesquisa. A primeira das subsecções, com vista à caracterização clínico-obstétrica das adolescentes, conteve as seguintes questões: trimestre da gestação, número anterior de partos, aborto anterior, tipo de parto anterior (caso das multíparas), complicação decorrente da gravidez atual, idade da primeira relação sexual e com quem foi a primeira relação sexual. Com vista a caracterizar aspetos biopsicossociais, o questionário incluiu questões como: qual foi a reação da família ante a notícia da gravidez, qual foi o seu sentimento após ter descoberto que está grávida e por último se tem pretensão de ter outros filhos. Na terceira das subsecções procurou saber-se se as adolescentes conversavam com os familiares sobre sexualidade e se conheciam os principais métodos anticoncecionais. Por fim, caracterizaram-se os parceiros com três questões gerais: idade do pai do bebé, situação laboral, e se assumiu a paternidade.

Uma prova piloto antes da aplicação do questionário foi realizada para certificação da compreensibilidade do questionário.

Procedimentos e Estratégia Analítica

A aplicação do instrumento apenas foi feita após aprovação e validação do mesmo e do protocolo pelo Comité de Ética do Hospital Geral do Huambo e a autorização da Diretora do referido Centro. Participaram do estudo apenas as adolescentes que anuíram ao termo de consentimento informado que acompanhou cada questionário, tendo-se cumprido os pressupostos definidos na Declaração de Helsínquia.

Para garantir melhor cobertura da amostra, os dados foram colhidos semanalmente de forma alternada. A recolha de dados teve lugar no período de julho a dezembro de 2019.

A análise foi feita com recurso ao Software R-Studio, versão 1.2.1335 de 2019. Os dados foram submetidos a análise de frequências.

Resultados

O valor médio da idade das 170 adolescentes participantes do estudo (Tabela 1) correspondeu a 17,53 (DP = 1,28) anos, com a idade mínima de 14 e a máxima de 19 anos, sendo esta última a idade apresentada com maior percentagem (50,0%). Ainda no que concerne à idade, observou-se que a maioria das participantes do estudo (77,6%, n = 132), encontrava-se na faixa etária entre os 17 e os 19 anos de idade.

A maioria das adolescentes (85,3%; n = 145) era solteira, tinha como nível de escolaridade o ensino primário (34,7%; n = 59) e o primeiro ciclo do ensino secundário (34,1%; n = 58). Apesar de a maioria (93,8%; 159) ter idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos, apenas 29,4% (n = 50) possuía como nível de escolaridade o segundo ciclo[1]. Neste estudo foi observado que 92,0% (n = 157) das adolescentes não trabalhava. O catolicismo como religião professada foi o mais frequente (47,1%;n = 80). A maior parte das adolescentes vivia com os pais 50,6% (n = 86). Apurou-se ainda que 56,5% (n = 96) revelou que cresceu com os pais, 22,9% (n = 39) apenas com a mãe, 3,6% (n = 6) com os avós maternos e paternos, ficando por revelar com quem viviam, ou seja, sem dados 18,8%.

Tabela 1

Caracterização Sociodemográfica de uma Amostra de Adolescentes Grávidas

Variáveis

n

%

Idade

14

3

1,8

15

8

4,7

16

27

15,9

17

40

23,5

18

42

24,7

19

50

29,4

Estado civil

Solteiro

145

85,3

Casado

12

7,1

Divorciado

2

1,2

Separado

8

4,7

União de facto

3

1,8

Nível de

Escolaridade

Primeiro Ciclo Primário

59

34,7

Primeiro Ciclo Secundário

58

34,1

Segundo Ciclo

50

29,4

Ensino Superior

3

1,8

Situação laboral (Trabalha?)

Não

157

92,4

Sim

13

7,6

Religião

Católica

80

47,1

Protestante

1

0,6

Baptista

10

5,9

Universal

1

0,6

Adventista

17

10

Outra

59

34,7

Não professa

2

1,2

Com quem vive?

Pai

7

4,1

Mãe

39

22,9

Pai e Mãe

86

50,6

Avô

3

1,8

Avó

3

1,8

Outro

33

18,9

Nota. N = 170.

Pode observar-se na Tabela 2 que 59,5% das adolescentes estava entre os quatro a seis meses de gestação no momento da inquirição. A maioria era primigesta (84,1%; n = 143), tendo 14,0% (n = 24) reportado ter tido partos anteriores. Já 8,8% (n = 15) revelou ter tido uma gravidez anterior interrompida, não especificando se se tratava de gravidez interrompida provocada ou espontânea. Vinte seis (15,3%) reportaram ter alguma complicação durante a gestação.

A maioria das adolescentes começou a sua atividade sexual entre os 16 a 19 anos de idade (68,2 %; n = 116). A primeira relação sexual foi com o namorado (77,1%; n = 131) e foi consentida (91,2%; n = 155).

Tabela 2

Caracterização Clínico-Obstétrica de uma Amostra de Adolescentes Grávidas

Variáveis

n

%

Trimestre da

gestação

1.º trimestre

22

12,9

2.º trimestre

31

59,5

3.º trimestre

47

27,6

Número anterior

de partos

Nulípara

143

84,1

Primípara

3

1,8

Multípara

24

14,1

Aborto anterior

Sim

15

8,8

Não

155

91,2

Tipo de parto anterior

(Caso das Multíparas)

Vaginal

21

12,4

Cesariana

3

1,8

Nulípara

146

85,8

Complicação decorrente da gravidez atual

Sim

26

15,3

Não

144

84,7

Idade da primeira relação sexual

12–15

54

31,8

16–19

116

68,2

Com quem foi a primeira

relação sexual

Namorado

131

77,1

Amigo

11

6,5

Outro

28

16,5

Nota. N = 170.

No que respeita aos fatores que motivaram relações sexuais em idades precoces, os resultados revelaram que a iniciativa própria e a curiosidade foram as principais motivações (42,9%; n = 73, respetivamente) (Tabela 3).

Apesar das consequências advindas da gravidez nesta fase da vida, os resultados revelaram que houve aceitação por esta condição em 80,6% (n = 137). A maioria das adolescentes ante a notícia da gravidez sentiu-se normal (72,9%; 124), e pretendia ter outros filhos (84,7%; n = 144).

A maioria das participantes reportou que a primeira relação sexual foi consentida (91,2%; n = 155).

Tabela 3

Caracterização Psicossocial de uma Amostra de Adolescentes Grávidas

Variáveis

n

%

Reação da família

Aceitação

137

80,6

Não aceitação

9

5,3

Deceção

1

0,6

Tristeza

23

13,5

Sentimento da adolescente

Normal

124

72,9

Envergonhada

20

11,8

Arrependida

26

15,3

Pretensão de ter outros filhos

Sim

144

84,7

Não

26

15,3

Motivo da primeira relação sexual

Problema no seio familiar

9

5,3

Curiosidade

73

42,9

Alguém para custear-me

2

1,2

Por influência das amigas

13

7,6

Por iniciativa própria

73

42,9

Idade da primeira relação sexual

12–15

54

31,8

16–19

116

68,2

Como foi a primeira relação sexual

Consentida

155

91,2

Forçada

15

8,8

Nota. N = 170.

Quanto à fonte de esclarecimentos sobre a sexualidade, os dados obtidos evidenciaram um equilíbrio percentual entre as adolescentes que conversavam sobre sexualidade com as pessoas com quem habitavam e as que não conversavam. Destas últimas, foi questionado “Com quem é que conversavam, se não conversavam com a família?”, tendo a maior parte (20,0%; n = 34) referido que conversava com o namorado (Tabela 4). Apenas uma adolescente referiu ter ouvido falar de aspetos ligados à sexualidade, aquando de uma das suas consultas pré-natais.

Relativamente ao conhecimento de métodos contracetivos, a maioria das adolescentes (62,9%; 107), não conhecia qualquer método. Da menor percentagem que conhecia, procurou-se saber porque não usou. A maior parte (33,3%; n = 21) considerou “que não haveria de engravidar” (sic), enquanto que 31,8% (n = 20) reportou que não usou porque pretendia ficar grávida.

Tabela 4

Fonte de Esclarecimentos sobre Sexualidade e Conhecimento de Métodos Anticoncecionais numa Amostra de Adolescentes Grávidas

Variáveis

n

%

Fonte de esclarecimentos sobre sexualidade

Família

100

58,8

Amigas

8

4,7

Escola

26

15,3

Hospital

1

0,6

Familiar (irmã)

1

0,6

Namorado

34

20,0

Conhecimento sobre métodos anticoncecionais

Sim

63

37,1

Não

107

62,9

Motivo para o não-uso de métodos anticoncecionais (entre as que tinham

conhecimento)

Não pensou que ia engravidar

21

33,3

Não queria usar

15

23,8

Queria engravidar

20

31,8

Não deu tempo para usar

7

11,1

Nota. N = 170.

Relativamente aos parceiros sexuais e pais dos bebés (Tabela 5), os resultados demonstraram que as gravidezes ocorreram com rapazes que tinham idades compreendidas entre os 20 e os 22 anos de idade (47,1%; n = 80), sendo que 57,0% (n = 96) das adolescentes referiu que o pai do bebé trabalhava e 89,4% relatou que assumiu a paternidade.

Tabela 5

Caracterização do Pai do Bebé numa Amostra de Adolescentes Grávidas

Variáveis

n

%

Idade

14-16

3

1,8

17-19

32

18,8

20-22

80

47,1

23-25

40

23,5

26-28

14

8,2

≥ 29

1

0,6

Trabalha?

Sim

96

56,5

Não

74

43,5

Assumiu a paternidade?

Sim

152

89,4

Não

18

10,6

Nota. N = 170.

Discussão

Menos de metade das 170 adolescentes do estudo possuem menos de 16 anos, com idades entre os 14 e 19 anos; a maioria é solteira, não trabalha, frequenta os primeiros ciclos do ensino primário e secundário, professa a religiosa católica e vive com o pai e a mãe.

Comparado com outros estudos, a média da idade de gravidez é similar ou um pouco mais alta (Abate et al., 2020: média 16.5; Ayoola et al., 2006: percentagem mais alta entre os 15–17; Bareiro, 2005: percentagem mais alta nos 17 anos; Belo & Silva, 2004: média 16,1;Briggs et al., 2007: média 17,5;Chipalanga, 2014: média 16,12;Diniz & Koller, 2012: média 16,86; Figueiró, 2002: percentagem mais alta entre os 15–19; Fossa et al., 2015: média 15,4;Hernández-Ávila et al., 2017: média 17,4;Ratlabala et al., 2007: mediana de 17 anos; Santos et al., 2014: percentagem mais alta entre os 17–19; Tavares, 2011: variação 15–17).

O facto de a maioria das adolescentes ser solteira vai ao encontro dos resultados encontrados por Chipalanga (2014) em Benguela (Angola); Belo e Silva (2004), Diniz e Koller (2012), Fossa et al. (2015) e Santos et al. (2014) no Brasil e por Yakubu e Salisu (2018) relativo a estudos com adolescentes pertencentes à Africa subsariana. Resultados divergentes foram encontrados por Hernández-Ávila et al. (2017) e Tavares (2011); nestes, a maioria das adolescentes vivia em união de facto. Noutros dois estudos (Brasil:Belo & Silva, 2004; Colômbia: Hernández-Ávila et al., 2017), por seu turno, encontrou-se equilíbrio percentual entre o estado civil de solteiro e união de facto.

A gravidez na adolescência é um dos principais fatores de abandono ou interrupção escolar entre os adolescentes (Bareiro, 2005; Willan, 2013), tal como é atestado nos vários estudos revistos (Belo & Silva, 2004;Figueiró, 2002; Tavares, 2011). Além disso, a gravidez precoce dificultará a inserção da adolescente no mercado de trabalho (Belo & Silva, 2004; Moreira et al., 2008), afirmação sustentada pela nossa pesquisa atendendo que a maioria das participantes do estudo não trabalha, tal como acontece noutros estudos (Figueiró, 2002), o que as coloca numa situação de potencial vulnerabilidade social. Acresce que a dificuldade de inserção no mercado de trabalho poderá ser mais premente dada a baixa escolaridade por nós encontrada aquando da gravidez, tal como é também verificado noutros estudos (Figueiró, 2002;Fossa et al., 2015;Hernández-Ávila et al., 2017;Verona & Dias Júnior, 2012; Yakubu & Salisu, 2018).

Entende-se que a educação religiosa se tende a constituir como fator protetor para a gravidez na adolescência. Segundo Coutinho e Miranda-Ribeiro (2014) esta questão tem sido investigada pela literatura internacional, afirmando que a religião vem ganhando importância enquanto variável de interesse demográfico com impacto no comportamento sexual. No entanto, no nosso estudo, à exceção de duas adolescentes, todas professam algum tipo de religião, indiciando-se que a religião não será um fator determinante na prevenção da gravidez entre adolescentes desta região de Angola. O mesmo se verificou no estudo de Belo e Silva (2004) no Brasil, com 80,8% das adolescentes indicando ter alguma religião. Estes dados apontam para a relevância de outras variáveis como potenciais fatores de explicação para a gravidez na adolescência, incluindo os fatores socioeconómicos referidos anteriormente (e.g., pobreza; Ayola et al., 2006;Bareiro, 2005;Belo & Silva, 2004;Fleming et al., 2013;Ujah et al., 2005; Yakubu & Salisu, 2018). Ainda assim, esta hipótese não é totalmente suportada: Ogland et al. (2012) verificaram menor probabilidade de ter um filho na adolescência entre jovens com afiliação religiosa protestante e pentecostal, constatando-se o mesmo na pesquisa realizada por Verona e Dias Júnior (2012). Acresce que, como notam Verona e Dias Júnior (2012), o risco de engravidar reduz-se quando existe envolvimento religioso, especialmente protestante e pentecostal, mesmo entre grupos menos favorecidos. No nosso estudo, somente uma adolescente pertence a esta afiliação religiosa, pelo que não podemos retirar mais ilações. Estes dados remetem para análise mais aprofundada da temática religião-gravidez na adolescência.

A família organiza-se de tal forma que constitui uma rede de produção e transformação do indivíduo muito significativa. O seio familiar define, em parte, os membros a coabitar nele em relação aos valores e condutas de outros membros, afetando o comportamento de cada indivíduo (Minuchin et al., 1999). Ainda assim, conforme evidenciado nos resultados, o facto de a maioria das adolescentes estar a viver e ter crescido com ambos os pais, não terá sido motivo suficiente para prevenir a gravidez na adolescência. O mesmo se verificou noutros estudos (Belo & Silva, 2004; Diniz & Koller, 2012). No entanto, o estudo realizado por Figueiró (2002) constatou uma associação positiva entre o tipo de família e o número de adolescentes grávidas, indicando uma menor prevalência de gravidezes nas adolescentes que residiam com famílias do tipo nuclear. Estes resultados sinalizam fortemente a necessidade de estudos mais aprofundados concernentes a esta temática, no sentido de evidenciar detalhadamente e de forma mais sistematizada a influência das relações familiares. De facto, o estudo de revisão de Yakubu e Salisu (2018) aponta a falta de aconselhamento parental e disfunção familiar com negligência parental como fatores de relevo e o de Diniz e Koller (2012) indicam as piores relações familiares.

No que diz respeito aos dados clínico-obstétricos, sabe-se que é muito alta a frequência de abortos provocados entre adolescentes como também os inúmeros problemas daí advindos (Ratlabala et al., 2007). Uma das razões porque algumas adolescentes optam pelo aborto é o evitamento da gravidez (Braga et al., 2008;Ramakuela et al., 2016; Ratlabala et al., 2007). De facto, o presente estudo evidencia uma percentagem não negligenciável das adolescentes com uma gravidez interrompida. A cesariana também é reportada por muitos autores como um dos desfechos ou fator de risco da gravidez precoce, tal como reportado por Santos et al. (2014).

A maior parte das adolescentes relatou que a idade da primeira relação foi entre os 16 aos 19 anos. Resultados diferentes foram encontrados por Spinola et al. (2017), na pesquisa realizada em Porto Alegre/RS (Brasil), pois, das 427 adolescentes estudadas, 270 (63,2%) tiveram iniciação sexual com até 14 anos de idade. Tavares (2011) também encontrou resultados diferentes, já que a maior parte das adolescentes nesse estudo teve a sua primeira relação sexual antes dos 15 anos de idade este estudo assemelha-se aos dados encontrados por Abate et al. (2020) na Etiópia, em que a média de idade das adolescentes gravidas foi de 16,5 anos. Ainda na pesquisa realizada por Spinola et al. (2017), reportou-se que a primeira atividade ou experiência de relação sexual da adolescente foi com o namorado/marido.

A maioria das gravidezes é reportada como desejada e apenas 1% das adolescentes aludiu alguma complicação. O relato das adolescentes no nosso estudo não vai ao encontro do verificado por Tavares (2011) e Creatsas et al. (1991) de que, ao engravidar, a adolescente poderá apresentar problemas de crescimento e de desenvolvimento, distúrbios emocionais e comportamentais, educacionais e de aprendizagem, além de complicações na gravidez e problemas inerentes ao parto.

No meio familiar, a gravidez nesta fase muitas vezes representa uma situação problemática a ser enfrentada, não apenas pela adolescente, mas sim em todo o meio onde ela está inserida (d a Silva et al. 2014). Ainda assim, no nosso estudo, a reação maioritária da família é de aceitação e em contraste, por exemplo, com o estudo brasileiro de Moreira et al. (2008) onde a gravidez é vista como um problema indesejado pela família e que, por esse motivo, as jovens grávidas temem comunicar.

Apesar de a gravidez nesta fase ser encarada como uma limitação do futuro de uma adolescente (Diniz & Koller, 2012), e além das possíveis consequências biopsicossociais (da Silva Duarte et al., 2018), a maioria das adolescentes deste estudo após a sua descoberta sentiu-se “normal”, e mostrou a pretensão de ter outro filho.

Segundo East et al. (2006), uma das características associadas ao elevado número de gravidezes na adolescência é a iniciação sexual precoce. Desta feita, salienta-se o número considerável de adolescentes no nosso estudo com a primeira relação sexual com idades entre os 12–15 anos de idade. Os problemas pessoais e familiares enfrentados pelas adolescentes são tidos como um dos principais fatores que podem concorrer para relações sexuais na adolescência e daí resultar uma gravidez (Bareiro, 2005; Júnior et al., 2004). O que não aconteceu na nossa pesquisa. À semelhança de outros estudos (Ayoola et al., 2006; Yakubu e Salisu, 2018), a curiosidade apresentou-se como sendo a maior motivação para a primeira relação sexual. No entanto, em contraste com os mesmos estudos, a pressão dos pares não apresentou a mesma relevância.

Por fim, no que diz respeito à fonte de recolha de informação sobre sexualidade, os dados obtidos no presente estudo evidenciam um certo equilíbrio percentual entre as adolescentes que conversavam ou não sobre sexualidade com quem habitavam. Apesar do acesso a informação no século XXI estar de algum modo facilitado por meio do acesso a internet e aos meios de comunicação em massa como a rádio, a televisão e os jornais, a maioria das adolescentes desta pesquisa não tinha conhecimento sobre os métodos anticoncecionais. De facto, Abate et al. (2020), no seu estudo na Etiópia, verificaram que a maioria das adolescentes com relações sexuais precoces eram as que menos usavam a internet. Por outro lado constatou-se nesta pesquisa que a maioria das adolescentes nunca ouviu falar de sexualidade por qualquer um dos profissionais de saúde durante as consultas pré-natais ou em qualquer outra atividade. Do total de adolescentes com conhecimento de algum método anticoncecional, verificou-se uma aproximação de valores entre aquelas que pensaram que não haveriam de engravidar e as queriam engravidar. Estes resultados unidos a outros fatores, podem justificar o número elevado de gravidezes nesta fase. Pois, como apontado por da Silva Duarte et al. (2018), a causa é multifatorial. Acresce que Belo e Silva (2004) defendem que o conhecimento das adolescentes grávidas sobre os métodos anticoncecionais é elevado, e acrescenta que uma das razões que podia justificar o elevado número de gravidezes nesta etapa seria a imaturidade psicoemocional. Não são raras as vezes em que a gravidez nesta fase é fruto de uma violação e/ou relação sexual incestuosa. No entanto, a maioria das participantes reporta que a primeira relação sexual foi consentida.

Relativamente à caracterização dos parceiros, importa salientar que a idade da maioria destes, encontrava-se na faixa etária dos 20–22 anos de idade, trabalhava e assumiu a paternidade. Um pouco diferente do reportado, por exemplo, por Fossa et al. (2015), onde, na sua maioria, eram adolescentes e jovens até 24 anos. Apesar de não ser indicado de onde deriva o apoio financeiro, de certa forma o nosso resultado vai ao encontro do verificado no estudo de Diniz e Koller (2012), onde o principal provedor era o marido/companheiro.

Limitações

Como limitações do estudo podemos mencionar a não abrangência dos demais municípios da província, o que impede a generalização dos resultados. De facto, tendo em conta a heterogeneidade cultural, visto que a pesquisa foi realizada num Centro de Saúde Materno-infantil localizado na capital da província, deve-se ter algum cuidado na interpretação e na extrapolação dos resultados para as outras localidades. Outra limitação prende-se com o número reduzido de investigações prévias sobre a temática, especialmente em Angola, dificultando a comparação de resultados. Seria relevante que estudos futuros analisassem, não só o perfil de adolescentes de outras regiões do país, mas que incluíssem outras variáveis analisadas que se mostraram relevantes noutros estudos. Entre essas variáveis contam-se fatores socioculturais e económicos (e.g., tipo de recursos materiais durante o desenvolvimento, relações desiguais de poder associadas ao género, idade de casamento [Abate et al., 2020;Diniz & Koller, 2012; Yakubu & Salisu, 2018]), fatores familiares (e.g., ocupação e tipo de emprego dos pais, aconselhamento e acompanhamento parental [Figueiró, 2002;Fossa et al., 2015; Yakubu & Salisu, 2018]) e fatores individuais (e.g., relação com a escola, autoestima, crenças sobre o futuro [Diniz & Koller, 2012; Yakubu & Salisu, 2018]).

Conclusão

São múltiplos os fatores em combinação que podem influir na gravidez durante a fase da adolescência. No entanto, estudos de caracterização deste fenómeno podem ajudar a reunir ferramentas para a perceção minuciosa e apoio na prevenção das elevadas prevalências em Angola. É assim, nossa expetativa que o nosso estudo incentive futuramente pesquisadores a interessar-se por esta temática nas mais distintas províncias e nos mais variados contextos angolanos.

Os dados da presente pesquisa evidenciam a necessidade de repensar de forma profunda as políticas públicas de saúde nesta tão delicada fase da vida, bem como a necessidade de melhorar a atuação dos pais/tutores, famílias e comunidades diante dos fatores culturais relacionados com a gravidez na adolescência. Campanhas de sensibilização e educação para saúde sexual e reprodutiva das comunidades e famílias sobre as consequências da iniciação sexual precoce, políticas que garantam que as raparigas permanecem nas escolas e o reforço nas escolas da educação para a saúde a todos os níveis, com maior ênfase na educação sexual para as adolescentes, e aprimoramento nas mesmas de prestação de serviços de saúde poderiam reduzir os números de gravidezes na adolescência (Spinola et al., 2017; Yakubu & Salisu, 2018 ).



[1] No sistema de ensino angolano, o ensino primário inclui a primeira até à quarta classe; o primeiro ciclo do ensino secundário contempla entre a quinta até à nona classe e o segundo ciclo entre a décima à 12.ª classe.

Agradecimentos | Acknowledgements: Os autores agradecem ao seu amigo Nascimento Domingos (In memorian), que foi bastante crucial na recolha de dados para que esta pesquisa se tornasse um facto, e a quem dedicam esta pesquisa.
Conflito de interesses | Conflict of interest: nenhum | none.
Fontes de financiamento | Funding sources: nenhuma | none.
Contributos: Os três autores participaram igualmente na elaboração e aprovação do manuscrito.

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