2015, Vol. 1(2): 46-57
Validação
da versão portuguesa da Center for Epidemiologic Studies Depression Scale
for Children (CES-DC)
Artigo Original
Camila Carvalho i, Marina Cunha i ✉, Sónia Cherpe i, Ana Galhardo i, Margarida Couto i
https://doi.org/ 10.7342/ismt.rpics.2015.1.2.21
Recebido
01 abril 2015
Aceite
16 setembro 2015
Objetivos: A depressão na infância
e na adolescência, tal como na população adulta, é uma das perturbações mentais
mais comuns. Uma vez que o seu aparecimento nestas faixas etárias se associa a
consequências graves na idade adulta, é fundamental identificar os sintomas
depressivos precocemente. Desta forma, os instrumentos de autorrelato têm um
papel fundamental, uma vez que permitem com facilidade, de forma fidedigna e válida,
ter acesso a formas de pensar, sentir e agir dos sujeitos. O objetivo do
presente trabalho é avaliar as propriedades psicométricas (fidedignidade e
validade) da tradução portuguesa da Center for Epidemiological Studies
Depression Scale for Children (CES-DC).
Métodos: A amostra é constituída
por 417 adolescentes, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos (M
= 15,20, DP = 1,72). Foi utilizado o método translate – translate
back na obtenção da versão na língua portuguesa. Para o estudo da validade
convergente e divergente da CES-DC, foram utilizadas as versões portuguesas da Depression
Anxiety Stress Scales (DASS 21), do Children's Depresssion Inventory
(CDI) e da Students' Life Satisfaction Scale (SLSS) que avaliam,
respetivamente, os estados emocionais negativos (depressão, ansiedade e stress),
a sintomatologia depressiva e a satisfação global com a vida.
Resultados: A análise fatorial
exploratória apontou uma solução de três fatores (fator humor, fator
interpessoal e fator felicidade) que explicam 54% da variância. Os resultados
obtidos mostram que a escala possui uma excelente consistência interna (α = 0,90), uma boa
estabilidade temporal (r = 0,72), assim como uma validade convergente e
divergente adequada. O sexo e a idade mostraram influenciar os valores médios
dos sintomas depressivos.
Conclusões: Não obstante
poderem ser apontadas algumas limitações ao presente estudo, os resultados
confirmam a adequação e robustez da CES-DC na população portuguesa, sugerindo,
constituir um questionário útil na avaliação de sintomas depressivos nos
adolescentes.
Palavras chave: Adolescentes;
Avaliação; CES-DC; Depressão; Estudo instrumental
A adolescência é um período crítico do
desenvolvimento da capacidade de regulação das emoções e de lidar com o stress
(Compas, Jaser, & Benson, 2008; Hammen, 2009). É neste período que há um
aumento da autonomia na capacidade de regular o comportamento, a emoção, a
cognição e o relacionamento que se estabelece com o meio social. Paralelamente
a estes progressos nas capacidades de coping e de regulação das emoções,
a adolescência é, também, um período marcado pelo aumento da vulnerabilidade
desse mesmo processo de regulação e aumento dos acontecimentos de stress que
criam emoções instáveis e que dificultam a resposta do adolescente perante
determinados acontecimentos de vida (Compas et al., 2008). Desta forma, e
porque diversos estudos têm vindo a mostrar que o aparecimento do primeiro episódio
depressivo ocorre entre os 11 e os 14 anos de idade (Hammen, Brennan, & Keenan-Miller,
2008; Merikangas & Knight, 2008), é importante centrar a atenção neste período
do ciclo de vida.
A depressão é um problema de saúde pública
complexo, sendo considerada uma das perturbações de humor mais significativas
na atualidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que no ano de 2020, a
depressão seja das doenças com maior prevalência na população geral (Bahls,
2002).
Entendida como uma perturbação de humor,
a depressão manifesta-se em diversas áreas da vida do indivíduo: emocional,
cognitiva, motivacional, comportamental, vegetativa e relacional. Os
sentimentos de tristeza e a perda de prazer em todas, ou quase todas, as
atividades são, muitas vezes, apresentados como o núcleo central que a define,
afetando toda a vida psíquica do indivíduo, e estando também associados a alterações
de energia, sono, apetite e concentração (Marujo, 2000; Cook, Peterson, & Sheldon,
2009).
É importante ter-se em conta que nos
adolescentes existem alguns sintomas que são apontados como sendo mais característicos
desta faixa etária, sendo eles, isolamento social, irritabilidade, letargia,
lentidão/agitação psicomotora, aparência triste, ideação suicida e tentativas
de suicídio, insatisfação com a imagem corporal (mais frequente no sexo feminino),
sentimentos de culpa, desesperança e desânimo, hipersónia, dificuldades de
concentração, reatividade à rejeição e aumento de apetite (em especial hidratos
de carbono) (Bahls, 2002; Rudolph, Hammen, & Daley, 2006; Cook et al.,
2009).
Com o intuito de diminuir a
possibilidade de “patologização” de reações normais e de uma sobrestimativa do
número de casos de perturbação bipolar em crianças/adolescentes, a última edição
do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5)
integrou no grupo das Perturbações Depressivas novas condições nosológicas. A
Perturbação Disruptiva de Desregulação do Humor é um novo diagnóstico
caracterizado por um temperamento explosivo com graves e recorrentes manifestações
verbais ou físicas de agressividade, desproporcionadas, em intensidade ou duração,
à situação ou provocação. Os sintomas devem manifestar-se, pelo menos, três
vezes por semana, em dois ou mais ambientes, persistir, pelo menos, durante um
ano e a perturbação deve ser primeiramente identificada entre os seis e os
dezoito anos de idade. No caso dos sujeitos mais novos, é realçada a
necessidade de uma avaliação detalhada e cuidadosa deste quadro clínico para
impedir que o diagnóstico seja aplicado a crianças saudáveis com comportamentos
de birra (APA, 2014).
A depressão, apesar de frequentemente
subdiagnosticada, é um quadro clínico de elevada prevalência na população
geral. A sintomatologia depressiva tem um impacto negativo na qualidade de vida
dos indivíduos, independentemente da presença ou ausência do diagnóstico de uma
perturbação de humor (Gameiro et al., 2008). Em Portugal, a prevalência de
sintomas depressivos entre a população adolescente é de cerca de 11% (Cardoso, Rodrigues,
& Vilar, 2004). Tendo em conta os dados apresentados, é essencial que
existam instrumentos de rastreio da depressão especificamente orientados para a
população adolescente.
No caso particular de crianças e
adolescentes existem algumas medidas de autorresposta que determinam o tipo, a
duração e a distribuição dos sintomas depressivos (Sharp & Lipsky, 2002;
Barkmann, Erhart, & Schulte-Markwort, 2008). As mais utilizadas são: Children's
Depression Inventory (CDI), Center for Epidemiological Studies-Depression
Scale for Children (CES-DC), Reynolds Child Depression Scale e Reynolds
Adolescent Depression Scale (Sharp & Lipsky, 2002). Do nosso
conhecimento o CDI e a Reynolds Child Depression Scale possuem versões
portuguesas, sendo o CDI um dos mais utilizados.
Neste contexto, o presente estudo teve
como principal objetivo a tradução, análise das qualidades psicométricas e
validação de um novo instrumento de medição dos sintomas depressivos para
adolescentes, designado por Center for Epidemiological Studies-Depression
Scale for Children (CES-DC). A opção por este instrumento é justificada
pela sua disseminação internacional, pela sua abordagem multidimensional,
revelando a versão original ser um instrumento fidedigno e de fácil aplicação
em amostras de crianças e adolescentes com idades entre os 6 e os 17 anos
(Barkmann et al., 2008; Weissman, Orvaschel, & Padian 1980).
A Center for Epidemiological Studies
Depression Scale for Children (CES-DC), desenvolvida por Weismann,
Orvaschel e Padian (1980), é um instrumento de triagem de estados depressivos
constituída por 20 itens, correspondendo cada um deles a afirmações curtas e
simples, na primeira pessoa, acerca de componentes emocionais, cognitivos e
comportamentais da sintomatologia depressiva. É pedido aos participantes que
indiquem, numa escala de 0 a 3 (0 = Nunca e 3 = Muitas vezes), o número que
melhor explica o que possam ter sentido ou como agiram na última semana.
Pode ser administrado individualmente ou
em grupo e, em média, demora cinco minutos a ser preenchido.
A sintomatologia depressiva é calculada
através da soma de todos os itens. A pontuação varia de 0 a 60, sendo que
pontuações mais altas indicam maior sintomatologia depressiva. Contudo,
salienta-se a existência de quatro itens (4, 8, 12 e 16) que, devido à sua
formulação, devem ser cotados de forma inversa.
A CES-DC foi construída a partir da
modificação da Center for Epidemiological Studies Depression Scale for
Adults (CES-D) de forma a torná-la mais compreensível e relevante para as
crianças e adolescentes (Faulstich, Carey, Ruggiero, Enyart, & Gresham,
1986). Na versão para adultos (CES-D), constituída por 20 itens, foram
identificados 4 fatores (depressivo, somático, positivo e interpessoal). As
componentes depressivas são as encontradas na literatura e incluem humor
depressivo, sentimentos de culpa e desvalorização, sentimentos de desamparo e
desespero, lentificação psicomotora, perda de apetite e perturbações do sono
(Radloff, 1977). Diversos estudos foram realizados para analisar as qualidades
psicométricas da CES-DC em crianças e adolescentes. No Quadro 1 são
apresentadas as principais características destes estudos.
|
Dados Psicométricos
de Estudos com a CES-DC |
|
|||||
|
Amostra (N) |
Idades |
Estrutura Fatorial |
Consistência Interna |
Validade Convergente |
|
|
|
Fendrich et al.,
1990 |
166 (clínica) |
6 - 23 |
ACP 4
Fatores |
— |
r = 0,43 (autoestima) |
|
|
Olsson e Von
Knorring, 1997 |
2,272 (comunitária) |
16-17 |
ACP 3
Fatores |
0,61-0,88 |
r = 0,81 (BDI) |
|
|
Faulstich et al.,
1986 |
148 (clínica) |
8-17 |
ACP 3
Fatores |
0,84 |
r = 0,44 r = 0,58 (CDI) |
|
|
Aebi et al., 2009 |
140 (clínica) |
M = 15,5 |
— |
0,83 |
— |
|
|
Betancourt et al.,
2012 |
367 (comunitária) |
10-17 |
ACP 4
Fatores |
0,86 |
— |
|
|
Barkmann et al.,
2008 |
2863 (comunitária) |
7-17 |
ACP 4
Fatores |
— |
— |
|
|
Cuijpers et al.,
2008 |
1392 (comunitária) |
14-16 |
— |
0,93 |
— |
|
|
Thrane et al., 2004 |
213 (comunitária) |
9-16 |
— |
0,80 |
— |
|
|
Yang et al., 2004 |
2440 |
12-16 |
— |
0,90 |
— |
|
|
Garrison et al.,
1991 |
1231 |
12-14 |
— |
0,81 |
— |
|
|
Nota. ACP = Análise de Componentes
Principais; CDI = Children Depression Inventory; BDI = Beck
Depression Inventory. |
|
Na
globalidade, os estudos concluíram que a CES-DC é um instrumento adequado de
triagem para a identificação de sintomas depressivos em crianças e
adolescentes.
O presente estudo procura alargar as investigações
anteriores através da aplicação da CES-DC à população Portuguesa de
adolescentes, analisando as suas qualidades psicométricas.
Participantes
A amostra é constituída por 417 adolescentes, 201 do
sexo masculino (48,20%) e 216 do sexo feminino (51,80%), com idades
compreendidas entre os 12 e os 18 anos (M = 15,20, DP = 1,72), não
se verificando uma diferença estatisticamente significativa entre rapazes e
raparigas relativamente à idade [t(403,32) = -1,45, p = 0,149]. Quando
observada a distribuição de rapazes e raparigas por idade, esta é homogénea (χ2 =
7,36; p = 0,289).
Ao nível dos anos de escolaridade, os
sujeitos distribuem-se entre o 7º e o 12º ano dos Ensinos Básico e Secundário,
(n = 220 e n = 197, respetivamente) de três escolas situadas nos
distritos de Leira e Coimbra. Apresentam uma média de anos de escolaridade de
9,46 (DP = 1,57), com as raparigas a apresentarem significativamente
mais anos de escolaridade (M = 9,63, DP = 1,59), comparativamente
aos rapazes (M = 9,28, DP = 1,53), [t(415) = -2,33, p
= 0,021]. De acrescentar que se verificaram diferenças estatisticamente
significativas na distribuição de rapazes e raparigas por ano de escolaridade (χ2 =
12,41; p = 0,006). Face a este dado foi explorada a existência de
correlações entre os anos de escolaridade e os resultados obtidos por rapazes e
raparigas na CES-DC. Na referida análise os valores de correlação não se
mostraram significativos (rapazes: r = 0,09; p = 0,222;
raparigas: r = 0,09; p = 0,196).
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes
instrumentos: 1) o questionário sociodemográfico (para recolha da idade, do sexo
e do ano de escolaridade; 2) a Center for Epidemiological Studies Depression
Scale for Children (CES-DC); 3) para o estudo da validade da CES-DC, foram
utilizados a Depression Anxiety Stress Scales (DASS 21), a Students'
Life Satisfaction Scale (SLSS) e o Children's Depresssion Inventory
(CDI), que medem, respetivamente, os estados emocionais negativos (depressão,
ansiedade e stress), a satisfação global com a vida e a sintomatologia
depressiva.
No que diz respeito aos procedimentos de
desenvolvimento da versão portuguesa da CES-DC (Weismann, Orvaschel e Padian,
1980), o processo iniciou-se com o pedido de autorização aos autores da versão
original. Seguiu-se a utilização do método translate – translate back
(Hill e Hill, 2002), de modo a obter uma versão dos itens na língua Portuguesa.
Neste sentido, dois investigadores fluentes
na língua Inglesa efetuaram a tradução dos itens da versão original para
Português. As versões traduzidas foram depois submetidas a retroversão por um
nativo da língua Inglesa com sólidos conhecimentos e fluência na língua
Portuguesa. As duas versões apresentaram elevado grau de semelhança,
confirmando-se a equivalência entre as versões original e traduzida (Hambleton,
Merenda e Spielberger, 2005; International Test Commission, 2010). Foi ainda
realizado um teste piloto que consistiu na administração da escala a um grupo
de 10 adolescentes com o objetivo de confirmar a compreensibilidade da mesma (não
tendo sofrido qualquer alteração).
Escala
de Ansiedade Depressão e Stress (DASS 21 — Depression Anxiety Stress Scales;
Lovibond e Lovibond, 1995; versão portuguesa: Pais-Ribeiro, Honrado e Leal,
2004). Este instrumento organiza-se
em três escalas — depressão, ansiedade e stress — incluindo cada uma
delas sete itens, no total de 21 itens. Os sujeitos avaliam a extensão em que
experienciaram cada sintoma durante a última semana, numa escala de 4 pontos de
gravidade ou frequência: “não se aplicou nada a mim”, “aplicou-se a
mim algumas vezes”, “aplicou-se a mim muitas vezes”, “aplicou-se a mim a maior
parte das vezes”. Esta escala permite avaliar a depressão, a ansiedade e o stress
(Pais-Ribeiro et al., 2004).
No que diz respeito à consistência
interna obtida na versão original, esta foi favorável, com valores de alfa de
Cronbach de 0,81 para a depressão, de 0,83 para a ansiedade e de 0,81 para o stress
(Lovibond & Lovibond, 1995).
A escala apresenta uma boa consistência
interna para a versão portuguesa com valores de alfa de Cronbach de
0,85 para a escala de depressão, 0,74 para a de ansiedade e de 0,81 para a de stress
(Pais-Ribeiro et al., 2004).
Na nossa amostra, a DASS 21 evidenciou
uma adequada fidedignidade com valores de alfa de Cronbach de 0,87 para
a escala de depressão, 0,79 para a de ansiedade e de 0,84 para a de stress.
Escala
de Satisfação com a Vida para Estudantes (SLSS — Students' Life Satisfaction
Scale; Huebner, 1991; versão portuguesa de Marques, Pais-Ribeiro, & Lopez,
2007). Este instrumento é formado
por sete itens que permitem avaliar a satisfação global com a vida. Os itens são
respondidos com base numa escala de seis possibilidades de resposta, desde 1 = discordo
completamente a 6 = concordo completamente. A soma dos sete itens
determina a satisfação global com a vida, sendo que valores mais elevados
correspondem a níveis mais elevados de satisfação global com a vida (Marques et
al., 2007).
A escala apresenta uma boa consistência
interna para a versão original (α = 0,82) e, também, para a versão portuguesa (α =
0,89).
Na amostra do presente estudo, a SLSS
revelou uma boa consistência interna com valor de alfa de Cronbach igual
a 0,82.
Inventário
de Depressão para Crianças (CDI — Children's Depresssion Inventory;
Kovacs, 1985, 1992; Marujo, 1994). Este
instrumento permite estabelecer uma definição empírica de sintomatologia
depressiva. Trata-se de um questionário de autorresposta, constituído por 27
itens, com três hipóteses de resposta cada, que varia entre 0 (ausência de
problema) e 2 (problema grave), sendo que as pontuações mais elevadas
correspondem a níveis mais elevados de sintomas depressivos. Abrange um
conjunto vasto de sintomas, que incluem: disforia, pessimismo, autoestima,
anedonia, preocupações mórbidas, ideação suicida, sentir que não tem valor,
isolamento social, tendências ruminativas, desempenho escolar, conduta social e
sintomas vegetativos. Quanto às suas dimensões, o CDI engloba humor
negativo, problemas interpessoais, ineficácia, anedonia e autoestima negativa
(Kovacs, 1992; Marujo, 1994).
Kovacs (1992) encontrou uma boa consistência
interna para este inventário, comprovada com coeficientes alfa de Cronbach
que oscilavam entre 0,70 e 0,86.
A versão portuguesa deste inventário
também tem revelado uma boa precisão e valores elevados de consistência
interna, com coeficientes alfa de Cronbach de 0,80 (Marujo, 1994).
Na amostra da presente investigação, o
CDI revelou uma boa consistência interna (α = 0,86).
Procedimentos
Antes dos procedimentos necessários para
a recolha de amostra, o estudo foi submetido à avaliação da Direção Geral da
Educação (DGE), tendo sido aprovado. Seguiu-se a recolha de autorizações das
Direções das escolas onde os questionários foram administrados, e ainda a dos
alunos e respetivos encarregados de educação.
Os questionários foram administrados em
grupo, no contexto de sala de aula. Antes de cada administração, os alunos
foram informados por uma das investigadoras acerca da natureza do estudo, bem
como foram respondidas todas as questões e esclarecidas as dúvidas expostas.
Para além do consentimento informado, foi também assegurado o caráter voluntário
da participação, o anonimato e a confidencialidade dos dados, assim como a
liberdade de desistência a qualquer momento. Na sequência destes procedimentos
não se verificou nenhum caso de recusa por parte dos adolescentes. Com o
objetivo de analisar a estabilidade temporal três semanas após a primeira
administração, a CES-DC foi novamente aplicada a uma amostra de 81 adolescentes
recolhidos por conveniência. Ainda assim foi assegurada a representatividade de
ambos os sexos (33 rapazes e 48 raparigas), e médias de idades (M =
15,54; DP = 1,55) e de anos de escolaridade (M = 9,96; DP =
1,53) idênticas.
Análise estatística
No que diz respeito ao tratamento dos
dados, utilizou-se o programa de análise de dados estatísticos SPSS (Statistical
Package for the Social Sciences), versão 21.0.
Para analisar o efeito de idade e sexo
nas variáveis em estudo, procedeu-se a uma ANOVA com 2 fatores. Os pressupostos
da independência das observações, da normalidade da distribuição e da
homogeneidade das variâncias foram validados (em relação às variáveis em que as
variâncias se revelaram heterogéneas utilizou-se a correção disponibilizada
pelo software). Considerou-se o nível de significância p ≤ 0,05 como indicativo da existência
de diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos dois grupos.
Para medir a dimensão do efeito (i.e., da magnitude das diferenças encontradas
entre os grupos em comparação) calculou-se o Eta2 (Eta squared)
interpretado de acordo com as diretrizes de Cohen (1992). No sentido de
explorar as associações entre as variáveis em estudo procedeu-se ao cálculo das
correlações produto-momento de Pearson.
O estudo da consistência interna e
qualidade dos itens foi feito com recurso à determinação do alfa de Cronbach.
Na análise da estrutura dimensional subjacente aos
20 itens, realizou-se uma análise fatorial exploratória (AFE), uma vez que esta
técnica estatística permite descrever e agrupar variáveis que estejam
amplamente intercorrelacionadas em fatores latentes, procurando igualmente que
os fatores latentes obtidos sejam relativamente independentes entre si (Tabachnick
& Fidell, 2007). Assim, com o objetivo de realizar uma AFE sobre a matriz
das correlações observadas, os 20 itens que compõem a escala foram submetidos a
uma análise de componentes principais (ACP), dado ser este o método de extração
de fatores mais amplamente utilizado em ciências sociais (Marôco, 2010;
Tabachnick & Fidell, 2007). Num primeiro momento, averiguou-se a adequação
dos dados a este tipo de procedimento estatístico, considerando-se o tamanho da
amostra e a força da relação entre os itens. Para determinar o número de
componentes principais a reter analisaram-se os critérios de Kaiser e do scree
plot de Cattell. A aplicação destes critérios teve como objetivo obter uma
indicação do número mínimo de fatores latentes a reter, que fossem capazes de,
apropriadamente, resumir a informação presente nos 20 itens (o padrão de
correlações obtido na matriz de correlações) e, consequentemente, que
explicassem uma proporção considerável da variância total.
Consistência interna
Com o objetivo de se
determinar a consistência interna, calculou-se o alfa de Cronbach para a
totalidade dos itens do questionário, CES-DC, revelando esta escala uma boa
consistência interna com valor de α = 0,90 (no estudo da escala original o valor de α = 0,84).
As médias,
desvios-padrão e correlações item-total para cada item da escala CES-DC são
apresentados na Tabela 1.
|
Médias, Desvios-Padrão, Correlações
Corrigidas Item-Total e Alfas de Cronbach Quando Eliminado o Item (N = 417) |
|
||||
|
CES-DC/
itens |
M |
DP |
Item-total R |
α |
|
|
1.Senti-me
aborrecido (a)/incomodado(a) com coisas que normalmente não me aborrecem ou
incomodam. |
0,95 |
0,90 |
0,56 |
0,89 |
|
|
2. Não tive vontade
de comer, não tive muita fome. |
0,72 |
0,93 |
0,46 |
0,90 |
|
|
3. Não consegui
sentir-me feliz, mesmo quando a minha família ou amigos tentaram “animar-me”. |
0,71 |
0,93 |
0,65 |
0,89 |
|
|
4. Senti que era tão
bom (boa) quanto os (as) outros (as) colegas. |
1,36 |
1,10 |
0,11 |
0,91 |
|
|
5. Senti que não
conseguia prestar atenção ao que estava a fazer. |
1,42 |
0,97 |
0,47 |
0,90 |
|
|
6. Senti-me “em
baixo” e infeliz. |
0,99 |
0,01 |
0,77 |
0,89 |
|
|
7. Senti-me muito
cansado(a) para fazer as minhas coisas. |
1,47 |
0,99 |
0,53 |
0,90 |
|
|
8. Senti que alguma
coisa boa estava para acontecer. |
1,65 |
1,02 |
0,12 |
0,91 |
|
|
9. Senti que as
coisas que eu fiz no passado falharam. |
1,17 |
0,06 |
0,58 |
0,89 |
|
|
10. Senti-me com
medo. |
0,76 |
0,98 |
0,64 |
0,89 |
|
|
11. Não dormi tão
bem como costumo dormir. |
0,93 |
1,05 |
0,45 |
0,90 |
|
|
12. Senti-me feliz. |
0,75 |
0,86 |
0,59 |
0,89 |
|
|
13. Estive mais
parado(a) do que o habitual. |
0,93 |
0,91 |
0,38 |
0,90 |
|
|
14. Senti-me
sozinho(a), como se não tivesse nenhum amigo. |
0,58 |
0,90 |
0,69 |
0,89 |
|
|
15. Senti que os
meus colegas não eram meus amigos ou que não queriam estar comigo. |
0,49 |
0,85 |
0,55 |
0,89 |
|
|
16. Diverti-me. |
0,64 |
0,79 |
0,53 |
0,90 |
|
|
17. Tive vontade de
chorar. |
0,94 |
1,10 |
0,68 |
0,89 |
|
|
18. Senti-me triste. |
1,05 |
0,97 |
0,78 |
0,89 |
|
|
19. Senti que as
pessoas não gostavam de mim. |
0,56 |
0,87 |
0,66 |
0,89 |
|
|
20. Foi difícil começar
a fazer as coisas. |
0,89 |
0,89 |
0,51 |
0,90 |
|
|
Total |
18,95 |
11,21 |
1,00 |
|
|
|
Nota. M
= Média; DP = Desvio padrão; r = correlação; α = Alfa de Cronbach. |
|
Como se pode verificar, todos os itens
mostram correlações item-total superiores a 0,30 exceto o Item 4 (“Senti que
era tão bom (boa) quanto os (as) outros (as) colegas”), e o Item 8 (“Senti que
alguma coisa boa estava para acontecer”), que apresentam correlações item-total
de 0,11 e 0,12, respetivamente. Embora estes itens não atinjam o critério
previamente estabelecido de correlação item-escala superior a 0,30 (Marôco,
2010), foram mantidos, porque a eliminação destes dois itens não aumentava a
consistência interna da escala, bem como pela sua relevância clínica.
Estabilidade temporal (fidedignidade teste-reteste)
Para analisar a estabilidade temporal,
administrou-se novamente, 3 semanas mais tarde, o CES-DC a um grupo de 81
adolescentes da amostra inicial (N = 417). Obteve-se uma correlação
positiva elevada (r = 0,72), o que sugere uma boa estabilidade temporal
deste instrumento.
Validade convergente e divergente
Para a análise da validade convergente,
calculou-se a correlação da CES-DC com as subescalas de depressão, ansiedade e stress
que compõem a DASS 21 e também com o CDI. A CES-DC apresenta uma correlação
positiva elevada com os instrumentos referidos, verificando-se a associação
mais elevada com as medidas de sintomas depressivos (r = 0,79 e r
= 0,77), explicada, possivelmente, pela semelhança de constructos (Tabela 2).
Como seria de esperar, encontrou-se uma
associação negativa moderada entre a CES-DC e a SLSS, que avalia a satisfação
global com a vida.
|
Correlações de Pearson entre a CES-DC e as Restantes Escalas |
|
|
|
|
CES-DC |
|
|
TOTAL |
|
|
|
CDI |
0,79** |
|
|
DASS 21 (subescala depressão) |
0,77** |
|
|
DASS 21 (subescala ansiedade) |
0,74** |
|
|
DASS 21 (subescala stress) |
0,71** |
|
|
Nota. **p <
0,001; CDI = Children's Depression Inventory; DASS = The Depression Anxiety Stress
Scales; SLSS = Students' Life Satisfaction Scale. |
|
Valores médios dos
instrumentos de sintomas depressivos em função do sexo e idade
Com o objetivo de averiguar a influência
do sexo e dos grupos de idade nos resultados médios obtidos nas escalas de
sintomas depressivos, foi realizada uma ANOVA com 2 fatores (sexo e idade). Na Tabela 3,
são apresentados os valores médios obtidos nos instrumentos de avaliação da
sintomatologia depressiva para o total da amostra e em função do sexo e dos
grupos de idade.
|
|
Valores Médios
Obtidos nos Instrumentos de Avaliação da Sintomatologia Depressiva para o
Total da Amostra e em Função do Sexo e dos Grupos de Idade |
|
|
|||||||
|
|
|
CES-DC |
CDI |
DASS (depressão) |
|
|
||||
|
|
|
M |
DP |
M |
DP |
M |
DP |
|
|
|
|
|
Total |
|
18, 95 |
11,21 |
12,36 |
7,12 |
4,49 |
4,61 |
|
|
|
|
Sexo |
Masculino |
16,66 |
11,01 |
11,56 |
7,51 |
3,67 |
4,31 |
|
|
|
|
Feminino |
21,08 |
11,00 |
13,12 |
6,66 |
4,85 |
4,28 |
|
|
|
|
|
Idade |
12-14 (n
=167) |
16,34 |
10,11 |
11,28 |
6,67 |
3,98 |
3,75 |
|
|
|
|
15-16 (n
=132) |
21,20 |
11,48 |
13,39 |
7,11 |
4,88 |
4,88 |
|
|
|
|
|
17- 18 (n
=118) |
20,14 |
11,73 |
12,75 |
7,57 |
4,03 |
4,42 |
|
|
|
|
|
Nota. CES-DC
= Center for Epidemiological Studies Depression Scale for Children;
CDI = Children's Depression Inventory; DASS = The Depression
Anxiety Stress Scales; SLSS= Students' Life Satisfaction Scale. |
|
|
Os resultados
mostram que existem diferenças significativas entre sexos para todas as escalas
de avaliação [CES-DC: F(1, 415) = 14,51; p < 0,001; Eta2 = 0,03; CDI: F(1, 415) = 4,26;
p = 0,040; Eta2 = 0,01; DASS (depressão): F(1, 415) =
8,07; p = 0,005; Eta2 = 0,02] . As raparigas exibem valores
mais elevados de sintomatologia depressiva, comparativamente aos rapazes. No
que diz respeito à idade foram apenas observadas diferenças significativas na
CES-DC e no CDI [CES-DC: F(2, 414) = 7,10; p = 0,001; Eta2 =
0,03; CDI: F(2, 414) = 3,08; p = 0,047; Eta2 = 0,02].
O efeito de interação entre o sexo e a idade não se revelou significativo na análise
de cada uma das escalas consideradas. Ao avaliar a magnitude das diferenças
encontradas entre as médias, através do cálculo do Eta2 e de acordo
com os valores de referência reportados por Cohen (1992), o tamanho do efeito
encontrado é classificado como “pequeno”.
Quanto à idade,
verificam-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos no que
respeita à CES-DC F[(2, 414) = 8,12, p > 0,001] e ao CDI [F(2,
414) = 3,56, p = 0,029]. Para a localização das diferenças, foram
utilizados os testes Post-hoc de Tukey. No caso da CES-DC, o grupo de
12-14 anos distingue-se significativamente dos outros grupos de idade (p
< 0,005), evidenciando valores mais baixos de sintomas depressivos. Os
grupos de 15-16 e 17-18 anos de idade não se diferenciam entre si.
Relativamente ao CDI, apenas se verifica uma diferença estatisticamente
significativa entre os grupos de 12-14 e 15-16 anos, com o grupo dos mais novos
a revelar valores mais baixos de sintomatologia depressiva. No caso da existência
de diferenças significativas, verificou-se um efeito pequeno, com valores de
Eta2 de 0,038 para a CESD-DEC e de 0,017 para o CDI.
Análise fatorial
exploratória dos itens
À semelhança do
procedimento estatístico utilizado no estudo da escala original (Faulstich et
al., 1986), procedeu-se a uma análise fatorial exploratória para analisar a
estrutura dimensional da CES-DC.
Neste estudo, a
indicação da utilização do modelo fatorial na análise da CES-DC foi reforçada
por um KMO de 0,920 (quanto mais próximo de 1, maior a adequação de uma
análise fatorial) e por um teste de Bartlett com um nível de significância
inferior a 0,001. Este último leva à rejeição da hipótese da matriz das correlações
na população ser a matriz de identidade, mostrando que a correlação que existe é
entre as variáveis (Pestana & Gageiro, 2008).
Desta forma, no
sentido de perceber quais as contribuições de cada item para cada fator e de
verificar qual a estrutura em componentes da CES-DC, procedeu-se a uma análise
fatorial exploratória através da utilização do método de componentes
principais.
A análise fatorial
exploratória permitiu, inicialmente, obter 4 fatores com eigenvalues
superiores a 1 a explicarem cumulativamente 58% da variância.
Os resultados
obtidos não foram idênticos aos do estudo da escala original, nem a nenhum
outro estudo. Não existiu concordância dos itens pertencentes aos fatores e,
num dos fatores saturaram apenas 2 itens, sendo que uma componente não pode ser
constituída apenas por dois itens (Costello & Osborne, 2005).
Consequentemente foi repetida a análise, pedindo a identificação de três
componentes, através da rotação varimax com normalização de Kaiser.
O KMO e o teste Bartlett indicaram
a adequação do mesmo, sendo a variância explicada de 54%.
Para a análise dos
dados, foi considerado um valor de saturação fatorial dos itens superior a
0,30, a não existência de saturações duplas (crossloadings) e a
constituição de cada fator pelo mínimo de três itens (Costello & Osborne,
2005).
Através da análise
das comunalidades, verificou-se que todos os itens apresentam uma carga
fatorial superior a 0,30, com exceção do item 13 (“Estive mais parado(a) do que
o habitual”), que saturou com o valor de 0,20. Este item já tinha revelado
valores baixos de correlação com o total da escala no estudo da consistência
interna. Por esse motivo, o item foi excluído da matriz, repetindo-se,
seguidamente, o mesmo procedimento estatístico.
A análise fatorial forçada a 3 fatores e sem o item 13,
foi reforçada por um KMO de 0,920 e por um teste de Bartlett com um nível de
significância < 0,001. Desta forma, a melhor solução fatorial compreendeu
estes três fatores que explicam 54 % da variância total dos resultados, sendo
designado o primeiro fator como Fator Humor, o segundo como Fator
Interpessoal e o terceiro, como Fator Felicidade (Tabela 4). Todos
os itens que constituem cada fator apresentaram comunalidades acima de 0,35.
|
Carga Fatorial e Comunalidades dos Itens por Fator
(Rotação Varimax Forçada 3 Componentes) |
|
||||
|
CES-DC/ itens |
1.Fator Humor |
2.Fator Interpessoal |
3.Fator Felicidade |
Comunalidade |
|
|
CES-DC1 |
0,63 |
0,47 |
|
||
|
CES-DC 2 |
0,52 |
0,37 |
|
||
|
CES-DC 3 |
0,69 |
0,57 |
|
||
|
CES-DC 4 |
0,52 |
0,41 |
|
||
|
CES-DC 5 |
0,68 |
0,55 |
|
||
|
CES-DC 6 |
0,71 |
0,78 |
|
||
|
CES-DC 7 |
0,60 |
|
|
0,55 |
|
|
CES-DC 8 |
|
|
0,64 |
0,65 |
|
|
CES-DC 9 |
0,64 |
|
|
0,47 |
|
|
CES-DC 10 |
0,60 |
0,51 |
|
||
|
CES-DC 11 |
0,60 |
0,89 |
|
||
|
CES-DC 12 |
0,71 |
0,71 |
|
||
|
CES-DC 14 |
0,73 |
0,75 |
|
||
|
CES-DC 15 |
0,87 |
0,82 |
|
||
|
CES-DC 16 |
0,64 |
0,60 |
|
||
|
CES-DC 17 |
0,58 |
0,65 |
|
||
|
CES-DC 18 |
0,65 |
0,74 |
|
||
|
CES-DC 19 |
0,79 |
0,77 |
|
||
|
CES-DC 20 |
0,52 |
0,62 |
|
||
|
CES-DC1 |
7,45 |
1,61 |
1,23 |
|
|
|
Valores próprios |
39,19 |
8,49 |
6,46 |
|
|
|
% da variância explicada |
0,63 |
|
|
0,47 |
|
|
|
|
Assim, no primeiro componente agrupam-se
12 itens que avaliam o Humor (Itens 1, 2, 3, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 17, 18, 20). O
segundo componente é formado por 3 itens relacionados com questões
interpessoais (Itens 14, 15, 19). E, por fim, o terceiro componente é formado
por 4 itens relacionados com a felicidade (Itens 4, 8, 12, 16).
O alfa de Cronbach para o total da
escala sem o Item 13 manteve-se, tendo um valor de 0,90. No que diz respeito
aos três fatores encontrados na escala, humor, interpessoal e felicidade,
apresentaram valores de alfa de Cronbach de 0,90, 0,87 e 0,57 respetivamente.
Embora o fator felicidade não atinja o critério previamente estabelecido, de
alfa de Cronbach superior a 0,70 (Nunnally, 1978), o fator foi mantido pela sua
coerência teórica. De notar ainda que, segundo DeVellis (1991), valores de
consistência interna abaixo de 0,70 podem ser aceitáveis em alguns casos nas ciências
sociais.
O presente estudo teve como principal
objetivo estudar a CES-DC em adolescentes portugueses, relativamente à sua
validade, fidedignidade e dimensionalidade.
Os resultados obtidos mostram que a
escala possui uma excelente consistência interna, uma boa estabilidade
temporal, assim como validade convergente e divergente adequada.
Quanto às variáveis sexo e a idade,
estas mostraram influenciar os valores médios dos sintomas depressivos.
Tendo em conta a literatura (Reinherz et
al., 2006), seria de esperar que as raparigas apresentassem valores mais
elevados de sintomatologia depressiva, o que se confirmou no presente estudo,
mesmo quando os referidos sintomas foram avaliados por diferentes instrumentos.
Quanto à idade, verificou-se que os mais
novos (12-14 anos) apresentaram menos sintomas depressivos, comparativamente
aos outros grupos de idade. Estes dados vão ao encontro de estudos realizados
nos Estados Unidos da América, que mostraram que a probabilidade da existência
de episódios depressivos na adolescência aumenta com a idade, justificando,
assim, uma maior percentagem destes episódios (11,5%) na idade de 16 e 17 anos
(Anderson, 2012).
O estudo da dimensionalidade da CES-DC
apontou para a existência de 3 fatores (Humor, Interpessoal e Felicidade) que
explicam 54% da variância total dos dados. Os resultados desta investigação estão
em consonância com os da versão original (Faulstich et al., 1986), onde foram
igualmente apurados 3 fatores a explicar 44% da variância total. Nesta versão
americana, os fatores identificados foram designados por fator comportamental,
cognitivo e felicidade. No que diz respeito à distribuição dos itens pelos
fatores, apenas no último fator, felicidade, os itens coincidem integralmente
nos dois estudos. Outras pesquisas da estrutura fatorial da CES-DC encontraram
soluções de 4 fatores: somático, depressivo, interpessoal e felicidade (Olsson &
von Knorring, 1977; Barkmann et al., 2008; Li et al., 2010). Na população
portuguesa, chegou-se a estes 3 fatores a partir de uma decisão conceptual
quanto aos sintomas da depressão e ao conteúdo dos itens. Comparativamente aos
modelos de 4 fatores, a solução de 3 fatores resulta da junção do fator somático
e do fator depressivo, passando este fator a ser designado por humor. Esta foi
a solução arranjada de forma a agrupar corretamente os itens. Por exemplo, o
Item 1, que se refere a aborrecimento (“Senti-me aborrecido(a) /incomodado(a) com
coisas que normalmente não me aborrecem ou incomodam”) e o Item 2, que se
refere a apetite (“Não tive vontade de comer, não tive muita fome”) são
considerados somáticos no modelo de 4 fatores. No nosso estudo, estes itens
encontram-se no fator denominado humor. Os dois fatores, Felicidade e
Interpessoal, mantiveram-se iguais aos dos estudos anteriores, à exceção do
Item 14 (“Senti-me sozinho(a), como se não tivesse nenhum amigo”), que pertencia ao fator depressivo e, neste
estudo, considerou-se como fazendo parte do fator interpessoal.
Estudos realizados com adultos
(utilizando a CES-D) também chegaram a soluções de 3 fatores, geralmente
combinando itens dos fatores “afeto depressivo”
e “somático ou lentificação motora” num único fator (Ying, 1988; Guarnaccia, Angel, &
Worobey, 1989; Ghubash, Daradkeh, Al Naseri, Al Bloushi, & Al Daheris,
2000; Fountoulakis et al., 2001). Mesmo nas análises em que foi mantida a
estrutura de 4 fatores, os autores recorreram também ao agrupamento de sintomas
depressivos e somáticos num único fator (Kuo, 1984; Foley, Reed, Mutran, & DeVellis,
2002). Este conjunto de dados suporta, assim, conceptualmente, a nossa opção
pela estrutura tridimensional apresentada anteriormente.
Algumas limitações podem ser apontadas a
este estudo. A utilidade do questionário deve ser verificada em outras faixas
etárias, principalmente em idades inferiores a 12 anos, já que poucos
instrumentos são testados com crianças mais novas, podendo estes estar a ser
utilizados de forma incorreta. O estudo de Brooks e Kutcher (2001) concluiu
que, cerca de um terço dos instrumentos utilizados em adolescentes, foram
criados para avaliação em adultos, não estando aferidos para a população
juvenil (Brooks & Kutcher, 2001).
Seria importante, uma vez que estes
dados são retirados de uma amostra da comunidade, replicar este estudo numa
amostra clínica com o objetivo de estudar o comportamento da escala na população
referida. Seria também relevante a realização de um estudo futuro sobre o
desenvolvimento de uma forma reduzida da escala, à semelhança do que foi feito
na versão para adultos, justificado ainda pela análise da qualidade dos itens e
análise fatorial exploratória do presente estudo.
O Item 13 (“Estive mais parado(a) do que
o habitual“) deverá ser objeto de análise em futuros estudos de modo a perceber
se os dados obtidos se devem a especificidades da população estudada. Futuramente,
uma Análise Fatorial Confirmatória poderá originar a versão definitiva da
CES-DC para a população portuguesa. Efetivamente a eliminação do Item 13 não
altera a consistência interna da escala, pelo que se optou no presente estudo
por manter este item, seguindo um procedimento mais conservador.
No processo de avaliação clínica, os
instrumentos de autorrelato têm um papel fundamental uma vez que permitem com
facilidade, de forma fidedigna e válida, ter acesso a formas de pensar, sentir
e agir dos sujeitos. Desta forma, espera-se que a CES-DC possa ser um bom
instrumento de rastreio da população portuguesa, contribuindo para o campo da avaliação psicológica de
crianças/adolescentes.
No seu conjunto, a CES-DC revela ser um
instrumento com boas caraterísticas psicométricas, esperando-se que possa ser
um instrumento útil na prática e investigação
clínica, inclusive em procedimentos de rastreio de sintomas depressivos em
crianças e adolescentes Portugueses.
A
disponibilização de uma versão portuguesa permitirá ainda a avaliação
multicultural e comparação dos sintomas depressivos visados.
Conflito
de interesses: Nenhum.
Fontes
de financiamento: Nenhuma.
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