Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2022 Vol. 8 (1): 1-15
Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2022 Vol. 8 (1): 1-15
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga


ARTIGO ORIGINAL

Potencialidades do software na procura de consensos no ensino superior em contexto pandémico: o método Delphi

Software capabilities in the search for consensus in higher education in a pandemic context: The Delphi method

Joana Gomes de Almeida 1

Paulo Peixoto 2

Cristina Pinto Albuquerque 3

(1) Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), Coimbra, Portugal
(2) Universidade de Coimbra, Faculdade de Economia, Centro de Estudos Sociais (CES), Coimbra, Portugal
(3) Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), Coimbra, Portugal


Recebido: 20/10/2021; Revisto: 22/11/2021; Aceite: 24/11/2021.


https://doi.org/10.31211/rpics.2022.8.1.232


Resumo

Contexto e Objetivo : De que modo o software se pode constituir como instrumento da facilitação metodológica perante restrições à pesquisa de campo durante uma pandemia? Porque é importante buscar consensos em momentos de exacerbação e de radicalização de opiniões e de comportamentos? Estas duas questões foram o ponto de partida para argumentarmos que o software potencia e acelera a investigação em contextos de confinamento e que ajuda a formar consensos em momentos de rutura, permitindo identificar desafios e propor soluções para problemas fraturantes. Para tal, utiliza-se o exemplo de um estudo que está em curso na Universidade de Coimbra (UC) que visa produzir recomendações que a UC poderá adotar para estruturar modelos educativos que respondam aos desafios de uma sociedade pós-COVID. Método: O estudo adotou o princípio da auscultação de “testemunhos privilegiados”, selecionando como objeto empírico estudantes, diretores (ou subdiretores) das Unidades Orgânicas, e docentes de todas as áreas científicas da UC. O estudo apostou numa metodologia intensiva, que conseguisse recolher informação qualitativa detalhada que potenciasse não apenas o debate, mas também a modelação de propostas e soluções inovadoras — o método Delphi. Resultados: O método Delphi apresentou-se como um método vantajoso face ao cenário atual de provável intermitência pandémica. A grande vantagem da utilização do método Delphi (usando o software Welphi) foi permitir colocar agentes geograficamente dispersos em diálogo, reforçando os mecanismos de governança democrática na futura conceção de recomendações que afetam toda a comunidade académica. Conclusão: O software facilita bastante a análise, especialmente a nível quantitativo. No entanto, quando se está perante um grupo heterogéneo, é necessário assegurar que as áreas minoritárias não são desvalorizadas. Para tal, é importante assegurar que o primeiro questionário seja de resposta livre e que os comentários sejam cuidadosamente analisados.

Palavras-Chave: Consenso; Debate; Delphi; Ensino superior; Software.


Abstract

Background and Aim : How can software become an instrument of methodological facilitation in the face of restrictions to field research such as those brought about by the pandemic? Why is it important to seek consensus in times of exacerbation and radicalization of opinions and behaviors? These two questions were the starting point for arguing that software powers and accelerates research in contexts of confinement, and it helps to form consensus in moments of rupture, allowing challenges to be identified and solutions to fracturing problems to be proposed. To this end, it uses the example of a study currently being carried out at the University of Coimbra (UC), aiming to produce recommendations that the UC could adopt to structure educational models that respond to the challenges of a post- COVID society. Method: The study adopted the principle of listening to “privileged testimonies,” selecting as empirical object students, directors (or sub-directors) of faculties, and teachers from all scientific areas in UC. The study invested in an intensive methodology that could collect detailed qualitative information to enhance the debate and shape innovative proposals and solutions — the Delphi method. Results: The Delphi method appeared to be an advantageous method in view of the current scenario of probable pandemic intermittency. The great advantage of using the Delphi method (and the Welphi software) is that it allowed geographically dispersed agents to engage in dialogue, reinforcing the mechanisms of democratic governance in the future design of recommendations affecting the entire academic community. Conclusion: The software facilitates analysis considerably, especially at the quantitative level; however, when faced with a heterogeneous group, it is necessary to ensure that minority areas are not devalued. To this end, it is important to ensure that the first questionnaire of the methodology assumes a free-response form and that comments are carefully analyzed.

Keywords: Consensus; Debate; Delphi; Higher Education; Software.

Introdução

O Consenso em Tempos de Pandemia

O consenso sempre assumiu uma importância fundamental na construção das sociedades. No entanto, as limitações do Estado democrático são conhecidas relativamente ao efetivo envolvimento e participação dos cidadãos, de tal forma que fenómenos como o surgimento de posições extremadas não serão alheias ao descrédito de que as instituições democráticas são alvo. A desresponsabilização dos decisores políticos pelas medidas que implementam e a falta de transparência são fatores que levam, por um lado, à alienação (Cruz, 1985) ou, por outro lado, ao surgimento de novos atores iliberais nacionalistas que se munem de argumentos como o estabelecimento de uma suposta “verdadeira democracia” “em nome do povo” (Rensmann, 2018, p. 29). Este discurso encontra ressonância na era da pós-verdade, no contexto da qual os factos se tornam irrelevantes face às emoções e crenças pessoais, manipuláveis para obter vantagem política (Horne, 2021).

Historicamente, perante uma crise, seja ela de origem económica, política, ou, neste caso, de saúde pública, a tendência humana oscila entre a vitimização e a procura de “culpados”. Especialmente quando a informação é limitada. Nesta procura de “bodes expiatórios” e, simultaneamente, de “soluções”, é frequente surgirem posições extremadas, numa lógica demagógica que visa a dominação de uns pelos outros (Lialiouti & Bithymitris, 2017).

A suspensão de todas as atividades letivas presenciais em março de 2020 em Portugal colocou toda a comunidade académica num cenário de incerteza que exacerbou dissimilitudes anteriores à pandemia. Tratando-se de uma crise de saúde pública pandémica, em relação à qual ainda não se conhecem bem as circunstâncias e as origens, a desinformação floresceu em todas as redes sociais digitais. Acresce que o anonimato que a Internet e as redes sociais digitais conferem aos seus utilizadores e aos criadores de fake news facilitam ainda mais esta postura exoneratória que não visa soluções, mas sim a busca de culpados (Giachanou & Rosso, 2020).

Num contexto em que o extremismo se torna cada vez mais atrativo, o valor ético do consenso enquanto processo democrático de envolvimento dos interessados numa determinada temática e na construção de soluções partilhadas assume-se de imperial importância. Não obstante a cisão existente entre representantes e representados[1] (Miguel, 2017), formar consensos em momentos de rutura social e identificar desafios para propor soluções para problemas fraturantes é de premente importância. No entanto, o processo colaborativo é moroso, pois implica tempo e disponibilidade para ouvir o Outro. O consenso implica, necessariamente, abdicar de algo em prol do bem-comum, já que qualquer proposta é incapaz de abranger todas as necessidades e interesses individuais. Trabalhar em conjunto para definir aquilo que deve ser priorizado no sentido de responder às necessidades de forma equitativa requer uma atitude de abertura às diferentes perspetivas (Andranovich, 1995). Este processo exige uma cultura democrática de participação ativa que assenta na presença de dois fatores — integração e informação. O grau ou força destes dois fatores é influenciado pelo interesse e mobilização dos participantes na questão em causa. Se não existir informação ou integração suficiente, existe o risco de apatia e/ou alienação (Cruz, 1985), o que compromete o processo participativo e o envolvimento dos interessados. Tendo em consideração o nível de desinformação veiculada pelas fake news, e a ausência de respostas e acolhimento das classes sub-representadas na sociedade em geral, facilmente se percebe que a participação ativa encara sérios desafios na atualidade. Um aspeto essencial que catapulta a participação é o sentimento de pertença. Segundo Lasswell e Kaplan (1969, como citado em Cruz, 1985, p. 1074), “o grau de participação de uma pessoa num grupo é a amplitude e a intensidade da sua solidariedade e da sua cooperação com o grupo”. Neste sentido, o sentimento de pertença assume um papel muito importante quando é necessário definir propostas organizacionais baseadas em consensos. Infelizmente, tal como referem Butler e Rothstein (1987), a competição está impregnada nas sociedades ocidentais, de tal forma que é mais valorizado ganhar uma discussão do que chegar a um entendimento. Neste contexto, de uma forma geral, a cooperação, enquanto responsabilidade partilhada na procura de soluções, não encontra terreno fértil para florescer na atualidade. Os autores (Butler & Rothstein, 1987) identificam alguns constrangimentos na procura de consensos, tais como conflitos não resolvidos relativos a experiências anteriores, agendas ocultas de participantes que pretendem intensionalmente manipular ou enviesar um processo que deve ser democrático e produtivo.

Para exemplificar a importância da adoção de metodologias de pesquisa que fomentem o debate para enfrentar os desafios que a pandemia revelou, trazemos como exemplo um estudo que está em curso e foi promovido pela Provedoria do Estudante da Universidade de Coimbra (UC). A Provedoria, tendo-se deparado com várias dificuldades reportadas pelos estudantes relativamente aos sistemas de ensino e avaliação remotos implementados a partir de março de 2020, propôs-se realizar um estudo capaz de informar a produção de recomendações na estruturação de modelos educativos que respondam aos desafios de uma sociedade pós-COVID. O encerramento abrupto de todas as atividades letivas presenciais e a migração para um sistema totalmente remoto de ensino e avaliação colocou inúmeros desafios à comunidade académica, especialmente a instituições como a UC, que nos seus 730 anos de existência sempre privilegiou o ensino presencial.

O relatório da Associação Internacional de Universidades (Marinoni et al., 2020) sobre os impactos globais da COVID-19 no ensino superior mostra que a mudança do ensino presencial para o “ensino a distância” não ocorreu sem desafios, sendo os principais o acesso a infraestruturas técnicas, as competências e as pedagogias para o ensino a distância e as contingências impostas por requisitos de áreas específicas de ensino e aprendizagem. Mas destaca também que a mudança forçada para o ensino e a aprendizagem à distância oferece importantes oportunidades para que se possam equacionar possibilidades de aprendizagem mais flexíveis, para explorar aprendizagens híbridas e para combinar a aprendizagem síncrona com a aprendizagem assíncrona (Marinoni et al., 2020).

Em pleno estado de calamidade [2], a Direção Geral do Ensino Superior (2020, p. 1), em Portugal, em articulação com as Instituições de Ensino Superior (IES), emitiu um comunicado em que reforçava a importância das IES promoverem práticas inovadoras de ensino e aprendizagem […] adaptadas a um sistema de ensino misto e diferenciado, apostando na diversificação das metodologias pedagógicas, em particular as metodologias ativas […], adaptando as horas de contacto com estudantes […] e lançou a iniciativa “Skills 4 pós-COVID – Competências para o futuro”, um consórcio que envolve IES e empregadores públicos e privados e que visa estimular, entre outras, práticas de inovação pedagógica nas universidades que consigam ir ao encontro das exigências da sociedade pós-COVID.

Neste sentido, o estudo centrou-se na confluência destes desafios e ensejos, procurando identificar obstáculos, boas práticas e oportunidades que permitam ao ensino superior presencial acompanhar e aproximar-se das agendas da transição digital e da educação 4.0, que têm vindo a ser acolhidas no planeamento estratégico de várias universidades. Procurámos, em última instância, saber em que medida o contexto pandémico é suscetível de gerar novas modalidades de ensinar, de aprender e de avaliar. De igual forma, em que medida essas novas modalidades lidam com a aceitação social das tecnologias digitais quando aplicadas ao ensino e à aprendizagem.

O estudo pretendeu explorar de que modo é possível assegurar um sistema híbrido de ensino e de aprendizagem que seja capaz de manter uma relação pedagógica profícua e inovadora, mas também de assegurar níveis elevados de sucesso académico. Para tal, é fundamental conhecer, a partir das experiências vividas, que condições de base são necessárias à implementação deste tipo de práticas de ensino e de aprendizagem, mitigando os riscos de aprofundamento das desigualdades sociais, sentimentos de insatisfação e/ou de frustração, assim como sintomas de desconfiança, sobretudo por parte dos professores e dos estudantes. A partir dos resultados recolhidos, a equipa do projeto pretendeu problematizar as virtualidades e as limitações das tecnologias digitais enquanto inibidor ou facilitador das interações críticas em que se funda a relação pedagógica, produzindo recomendações que a UC poderá levar em consideração no futuro próximo.

Tendo o presente estudo como pano de fundo, o objetivo do artigo é problematizar em que medida o software se pode constituir como instrumento da facilitação metodológica perante restrições à pesquisa de campo como as trazidas pela pandemia. Pretendeu-se ainda analisar como o método Delphi pode ajudar as investigações a procurarem consensos em momentos de exacerbação e de radicalização de opiniões e de comportamentos.

Método

A Escolha do Método

A importância de que se reveste o consenso em situações em que é necessário manter a coesão social e tomar decisões de qualidade podem, equivocadamente, levar à subvalorização do conflito. No entanto, o conflito contém em si a força motriz que leva ao envolvimento das partes interessadas no processo de negociação. Tal como refere Butler e Rothstein (1987), o conflito não violento motiva a colaboração na procura de consensos. O desafio na negociação é a criação de uma base de entendimento em que todos os que participam encarem as opiniões divergentes como expectáveis e atendíveis. De facto, é a própria diversidade de posicionamentos e de experiências que dá qualidade às soluções, já que são analisadas sob diversos prismas. Este processo exige tempo e disponibilidade dos participantes para reconhecer a alteridade e a diferença. Neste sentido, é importante criar um ambiente em que o desacordo ou opiniões potencialmente menos bem aceites possam ser expressas sem receios. O consenso saudável é obtido através do diálogo aberto e é isso que torna as propostas democráticas.

Perante os objetivos do estudo e atendendo ao contexto pandémico, era necessário adotar uma metodologia que assegurasse, simultaneamente, que a investigação não ficasse comprometida pela eventual adoção de medidas mais restritivas de confinamento e que fosse capaz de informar adequadamente a futura tomada de decisões, envolvendo o máximo de intervenientes que são parte interessada na questão em análise (Marques & Freitas, 2018). Uma vez que o estudo procurou produzir informação detalhada que permitisse promover o debate e a emergência de soluções inovadoras, recorremos a atores que ocupam posições privilegiadas no sistema de ensino e de aprendizagem da UC e que representam diferentes pontos de vista. Esta opção foi ao encontro do princípio da governança democrática, que privilegia o envolvimento das partes interessadas na tomada de decisões. Deste modo, o estudo adotou o princípio da auscultação de “testemunhos privilegiados”, selecionando como objeto empírico os representantes dos núcleos de estudantes da Associação Académica de Coimbra, os diretores (ou subdiretores) das Unidades Orgânicas (UO), e os docentes que representavam o espectro das áreas científicas de ensino no seio da UC. O estudo apostou numa metodologia intensiva, que conseguisse recolher informação qualitativa detalhada que potenciasse não apenas o debate, mas também a modelação de propostas e de soluções inovadoras. Por isso, mas também por ser uma técnica ajustada às contingências de confinamento e de isolamento, recorremos ao método Delphi.

Segundo Linstone e Turoff (2002), a escolha pelo método Delphi é determinada pelas circunstâncias que rodeiam o processo de comunicação de grupo. Os autores referem que o método Delphi é geralmente utilizado quando um ou mais dos seguintes aspetos estão presentes: é necessário fazer interagir eficazmente mais pessoas do que aquelas que é possível num contexto presencial; o problema a analisar beneficia de perspetivas subjetivas coletivas; existem constrangimentos temporais, logísticos ou financeiros para reunir os grupos de forma presencial e/ou frequente; a heterogeneidade das perspetivas dos participantes deve ser preservada; isto é, deve evitar a monopolização nas interações devido à quantidade de participantes, por tipos de personalidade mais assertivas, e/ou o risco de se verificar o bandwagon effect; entre outros. O método Delphi é especialmente útil quando é necessário definir prioridades na definição, por exemplo de políticas ou medidas e conhecer (ou predizer) cenários futuros (Keeney et al., 2011).

Método Delphi: Características, Pressupostos e Recurso ao Software

O método Delphi é uma abordagem pragmática fundada nos princípios filosóficos de John Dewey, que postula que a investigação em ciências sociais deve informar a prática e a tomada de decisões (Kirk & Reid, 2002 como citado em Brady, 2015, p. 1). O método Delphi, sendo uma técnica que “procura consensos” (Facione, 1990, p. 54) junto de um grupo de “especialistas” com o objetivo de procurar soluções, de facilitar a tomada de decisões relativamente a determinada temática e de contribuir para a melhoria da qualidade das decisões, é aquele que melhor se adequa à ação combinada dos objetivos e do contexto de execução do estudo.

Este método pode assumir múltiplas definições, já que pode privilegiar diferentes perspetivas e ser aplicado a vários contextos. Ainda assim, Linstone e Turoff (2002, p. 3), num esforço para sistematizar uma definição generalista referem que o método Delphi “[…] pode ser caracterizado como um método para estruturar um processo de comunicação de grupo para que o processo seja eficaz no sentido de permitir a um grupo de indivíduos, como um todo, lidar com um problema complexo”. [3] Para atingir essa “comunicação estruturada” é necessário assegurar: o feedback das contribuições individuais através do posicionamento do grupo; a oportunidade de os indivíduos reverem os seus pontos de vista; o anonimato relativamente à identidade dos participantes.

O método Delphi pode assumir duas formas: o tradicional, em forma de papel e lápis; e a mais recente, que recorre a um software para enviar e analisar as respostas dos participantes. Em qualquer uma das formas, os procedimentos são os mesmos. A grande diferença é que na versão digital, o software consegue tornar a análise e síntese dos resultados quantitativos em cada ronda muito mais rápida, uma vez que o software está adaptado para fazer a compilação dos resultados e, por esse motivo, torna o processo mais célere (Linstone & Turoff, 2002). No presente caso utilizámos o software Welphi.

O processo implica a construção de um conjunto de questionários que são enviados aos “especialistas” de forma sequencial. Os participantes respondem aos questionários sem saberem quem são os outros inquiridos. No entanto, quando recebem a segunda e a terceira ronda do questionário, têm acesso ao posicionamento dos demais participantes. As respostas são analisadas e sintetizadas pela equipa de investigação e são devolvidas aos participantes de forma individualizada. Deste modo, de cada vez que os participantes recebem um novo questionário e as respostas do grupo, a sua visão do fenómeno é confrontada com outras perspetivas, resultando numa espécie de diálogo que fomenta a reflexividade (Marques & Freitas, 2018), tal como acontece nos grupos focais, mas sem a componente presencial. Desta forma, os participantes têm a oportunidade de rever o seu posicionamento relativamente aos demais e, desse modo, as tendências ficarão gradualmente mais visíveis.

O anonimato assume neste método um papel importante, já que permite evitar fenómenos como a capacidade de persuasão de uns participantes sobre outros ou a relutância em exprimir posicionamentos socialmente menos bem aceites ou minoritários (Marques & Freitas, 2018).

Tendo em consideração o objeto do estudo em causa, era importante promover a obtenção de algum nível de consenso, pois daí decorrem oportunidades para melhorar as decisões. No entanto, a procura de respostas consensuais não significa o esbatimento de especificidades que se previam encontrar entre os diversos agentes, áreas de conhecimento e lógicas organizacionais da UC. O que se procurou com este método foi esclarecer o que de positivo e de negativo ocorreu com as experiências de ensino, de aprendizagem e de avaliação remotas na UC. Desta forma, pretendeu-se identificar aspetos que devem ser acautelados em intervenções institucionais que visem inovar e criar modelos de ensino, de aprendizagem e de avaliação, sem comprometerem os níveis de confiança que sustentam a relação pedagógica.

Processo de Implementação e de Análise dos Dados com Recurso ao Software

A seleção dos participantes “especialistas” é uma fase importante do processo, pois irá determinar a qualidade dos resultados obtidos. Se, por um lado, os “especialistas” a selecionar devem conhecer profundamente a temática a estudar, deve ser assegurado que o grupo tem potencial para dar perspetivas diferentes sobre o tema a debater. Deste modo, a heterogeneidade é um fator essencial para assegurar a qualidade das propostas. Neste estudo a heterogeneidade foi garantida através da seleção e auscultação de diversos agentes — estudantes, professores e dirigentes — que experienciaram na primeira pessoa os períodos de ensino implementados durante a pandemia. Estes “especialistas”, para além de representarem os principais intervenientes do processo pedagógico, provêm de dinâmicas organizacionais distintas (e de diferentes áreas científicas), o que é relevante para assegurar a heterogeneidade necessária à validade deste método e a pertinência dos resultados a alcançar. Em relação ao grupo dos estudantes, foram contactados todos os núcleos de estudantes da Associação Académica de Coimbra (n = 26). Também convidámos um órgão associativo de estudantes com o pelouro da pedagogia. Dos 27 convites, na primeira ronda, participaram 26 participantes — 25 núcleos de estudantes e um núcleo com o pelouro da pedagogia. A mobilização destes representantes foi maciça, tendo-se mantido ao longo das três rondas. Os questionários (três rondas para cada grupo) foram enviados entre outubro de 2020 e agosto de 2021.

No que respeita ao grupo dos docentes, foram contactados 28 professores de todas as Unidades Orgânicas (UO), de forma a fazer representar todas as áreas de conhecimento. A técnica de amostragem utilizada foi intencional (não probabilística). O critério utilizado para selecionar os participantes foi privilegiar docentes que à partida tivessem maior interesse/conhecimento sobre a temática do estudo. Neste sentido, recorremos aos docentes da UC que participaram como oradores na iniciativa UC-DocênciaLABS, um programa que pretendia estimular a atualização e aperfeiçoamento de competências pedagógicas, estratégicas e metodologias inovadoras entre os professores da universidade. Tendo em consideração que estes docentes não representavam todas as áreas científicas ministradas na UC, enriquecemos a amostra selecionando docentes que se destacaram nas suas áreas de conhecimento e demostraram algum interesse em questões pedagógicas (e.g., faziam parte de Conselhos Pedagógicos ou grupos de trabalho dedicados a questões pedagógicas). No final das três rondas, no grupo dos docentes, à exceção da Faculdade de Medicina, todas as UO ficaram representadas. Dos 28 docentes contactados, responderam 16. Na segunda ronda, desistiu um docente, tendo deixado o questionário por completar. Na terceira ronda desistiram dois, o que significa que ficámos com um total de 13 docentes.

Finalmente, quanto ao grupo dos dirigentes das UO, foram contactados todos os diretores das UO, no entanto, apenas dois participantes completaram a primeira ronda e um deixou o questionário incompleto. Por este motivo, decidimos não contemplar este grupo no presente relatório, já que as informações recolhidas foram insuficientes.

Os requisitos a assegurar na escolha dos “especialistas” no método Delphi exigem que estes tenham um conhecimento e/ou experiência sobre as questões a abordar no estudo, vontade e tempo para participar e que a problemática seja importante para eles, caso contrário, irão preencher o questionário de forma displicente, afetando a validade dos resultados (Keeney et al., 2011). Procurámos cumprir este desígnio metodológico. Deste modo, foram constituídos três grupos: estudantes, professores e diretores de UO. Para cada um deles foram construídos três questionários. Os questionários foram adaptados a cada um dos grupos, embora focando as mesmas temáticas: dificuldades sentidas durante o período de ensino remoto e misto no domínio do ensino/aprendizagem; avaliação; relação pedagógica, motivação e competências pedagógicas/digitais; estratégias de superação implementadas durante o “ensino remoto de emergência”; obstáculos enfrentados para superar as dificuldades; condições essenciais à implementação de um sistema híbrido de ensino na UC; aspetos positivos da experiência de “ensino remoto de emergência”; papel das novas tecnologias no processo de aprendizagem (facilitador ou inibidor); implicações da crescente utilização de tecnologias no sistema de aprendizagem na UC (a nível da aprendizagem/ensino, avaliação e relação pedagógica); abertura para a adoção de métodos híbridos de aprendizagem: vantagens e desvantagens; sugestões.

O primeiro questionário era composto por perguntas abertas e genéricas, de modo a que os participantes se conseguissem exprimir de forma livre, permitindo que os temas emergissem e visando evitar o potencial enviesamento das respostas pela equipa de investigadores (Marques & Freitas, 2018; Powell, 2003). Deste modo, o método Delphi é muito versátil, pois permite aos investigadores adotarem uma lógica indutiva ou dedutiva, conforme os objetivos do estudo. Neste caso, por se tratar de um fenómeno marcado por uma situação sobre a qual ainda pouco se sabe, foi importante escutar as preocupações de todos os intervenientes e, a partir daí, construir o segundo questionário, no qual estão plasmadas as hipóteses avançadas pelos próprios participantes sob a forma de afirmações. Assim, o software permite a construção de perguntas com resposta aberta, mas não realiza qualquer análise qualitativa. Esta análise categorial é realizada pela equipa de investigação que a partir daí formula hipóteses numa lógica indutiva (Bardin, 2018).

O segundo questionário assumiu a forma de afirmações específicas a partir das respostas ao primeiro questionário. Esta estrutura manteve-se da primeira à última ronda. Isto é, através da análise categorial das respostas ao primeiro questionário foram criadas dimensões analíticas e afirmações em relação às quais foi pedido aos participantes que se posicionassem através de escala de importância (escala de Likert), sendo, no entanto, assegurada a possibilidade de os participantes comentarem e fundamentarem as suas respostas. Foi igualmente reservado um espaço no questionário para que os participantes pudessem propor alterações. O software utilizado está desenhado de forma a facilitar o diálogo, já que à frente de cada afirmação existe um espaço onde os participantes podem colocar comentários. Esta opção enriquece a visão do fenómeno, já que permite identificar as diferentes nuances associadas a cada afirmação. As afirmações mantiveram a sua forma original até ao final das rondas. No entanto, no relatório final, a equipa de investigação tem em consideração os comentários para enriquecer as conclusões a retirar, conseguindo, desta forma, produzir propostas mais informadas.

Depois dos participantes responderem ao segundo questionário já é possível identificar os consensos e dissensos. Não existe na literatura uma definição universal quanto ao grau de consenso adequado ou ideal. O consenso dependerá sempre do contexto. As recomendações variam entre 51% a 80% (Keeney et al., 2011). Acresce que dentro da opção “concordo/discordo parcialmente” existem muitas nuances que só é possível examinar através dos comentários (quando existem). Deste modo, a equipa de investigação decidiu que existia consenso quando uma afirmação reunia no mínimo 75% de concordância na escala 1 e 2 (“discordo totalmente” e “discordo parcialmente”) ou 4 e 5 (“concordo parcialmente” e “concordo totalmente”). Ou seja, quando cerca de dois terços dos participantes se posicionavam num destes dois polos, podemos dizer com segurança que atingimos o consenso relativamente a uma afirmação. Por esse motivo essas afirmações são retiradas e já não são colocadas na terceira ronda. Analisar quantitativamente as respostas dos respondentes é muito fácil porque o software já nos apresenta, de modo intuitivo, a forma como os participantes se posicionam na escala.

No entanto, é necessário chamar a atenção que o papel da equipa de investigação é essencial nesta análise. Apesar do software facilitar muito a análise, especialmente a nível quantitativo, quando estamos perante um grupo heterogéneo, de áreas científicas diferentes, é necessário assegurar que as áreas minoritárias não são desvalorizadas na análise. Uma forma de minorar esse fenómeno foi criar a Opção 6 (“Não sei/não se aplica”) e alertar os participantes para selecionarem essa opção quando a afirmação não se aplicava à sua área de conhecimento. Esta foi uma forma de assegurar que as especificidades associadas a cada área não perdiam força na análise estatística das tendências. Este alerta surgia em todas as páginas do questionário para reforçar a sua importância.

Quando os resultados se distribuem de forma relativamente uniforme ou semelhante entre os dois polos estamos perante um dissenso. São essas as afirmações que seguem para a terceira ronda (Hsu & Sandford, 2007). Deste modo, no terceiro questionário os participantes voltaram a posicionar-se relativamente às afirmações sobre as quais não existiu um consenso tão evidente. Ao preencher o questionário, os participantes conseguiam ver qual foi a sua resposta na ronda anterior, como a maioria dos participantes se posicionou (percentagens) e ainda tiveram acesso a todos os comentários que os outros participantes colocaram relativamente a cada afirmação. Na posse desses resultados, os participantes puderam escolher alterar as suas respostas, visando o consenso grupal ou, pelo contrário, manter as suas respostas. É nesta ronda que se verifica o diálogo entre os participantes, já que podem contra-argumentar as posições dos restantes participantes.

Tal como refere Facione (1990), é suposto que os participantes partilhem os seus raciocínios e argumentos e não apenas as suas conclusões. A partilha dos argumentos entre os participantes é muito importante para que estes se consigam posicionar relativamente às demais opiniões. Este princípio aplica-se a todas as opiniões, inclusivamente às opiniões minoritárias.

Depois de receber as respostas da terceira ronda, a equipa voltou a procurar tendências e consensos. Seguiu-se uma análise estatística e categorial aprofundada das afirmações que reuniram maior consenso e de todos os comentários, a fim de se chegar a uma visão o mais completa possível do fenómeno. A partir dessa análise foi elaborado um relatório e foram realizadas propostas.

Relativamente ao nível de consenso alcançado, no grupo de estudantes, da segunda para a terceira ronda alcançou-se um consenso de cerca de 52%, já que, de 281 afirmações, 136 atingiram consenso, aplicando o critério de ≥ 75% de concordância. As afirmações que atingiram este nível de consenso na segunda ronda não passaram para a terceira ronda.

Quanto à taxa de convergência, na terceira ronda, das 136 afirmações, 12 passaram a ter um nível de consenso (≥ 75%); ou seja, 9%.

No grupo de docentes, verificou-se uma maior heterogeneidade. Quando aplicámos o critério para um consenso de ≥ 75%, verificámos que a taxa de consenso na segunda ronda foi apenas de 34%; isto é, das 270 afirmações da segunda ronda, apenas 92 reuniram consenso. Assim, foi evidente que em comparação com o grupo de estudantes, o consenso era menor entre os docentes. Tendo em consideração a heterogeneidade do grupo e a consciência de que passar 180 afirmações para a terceira ronda era excessivo (considerando o feedback recebido), decidimos aplicar o critério de ≥ 51% para atingir o consenso. Acresce que quando se tratava de afirmações factuais, tais como “disponibilizei os vídeos completos das aulas”, e que não reuniram consenso, estas também não seguiram para a terceira ronda, já que não se previa uma mudança de opinião para este tipo de afirmações. Assim, para a terceira ronda passaram 47 afirmações. Desta forma, o questionário não se tornou longo e diminuímos a probabilidade de desistência dos docentes. Na terceira ronda, das 47 afirmações, 18 atingiram o consenso (≥ 51%); ou seja, cerca de 38% de convergência.

Birko et al. (2015) referem que o interesse à volta do dissenso ou desacordo tem crescido. As opiniões minoritárias, em alguns casos, podem ser as que têm maior potencial para serem trabalhadas. Apesar do método Delphi assegurar a confidencialidade dos participantes, o perigo dos falsos consensos continua a existir, por exemplo, se o grupo de especialistas não for suficientemente heterogéneo ou se os participantes não se sentirem suficientemente motivados para participar no processo.

No caso dos dissensos poder-se-á dizer que existem grupos minoritários de consenso. Estes são pequenos grupos com opiniões dissidentes, com perspetivas diferentes da questão em análise. O trabalho do investigador é tentar compreender porquê. Como já foi referido, o método Delphi, para ser rico em termos de conclusões, deve ser constituído por “especialistas” heterogéneos. É essa heterogeneidade que confere qualidade às decisões. No caso do estudo em apreço, não foram utilizadas perguntas em que os participantes tivessem de hierarquizar indicadores – um tipo de questões recorrentemente utilizado neste método. A escala de respostas usada foi a de Likert, logo, tal como foi referido, a resposta “parcialmente” contém em si grande diversidade. Sendo um estudo qualitativo, que seguiu uma lógica indutiva, o investigador deve ter a capacidade de olhar para todos os prismas. Essa visão periférica inclui olhar para esses pequenos grupos, sub-representados, mas que podem ter grande potencial no desenho de propostas (Birko et al., 2015).

Resultados e Discussão

No que concerne aos resultados do estudo, os dados recolhidos até à data são de extrema riqueza. Tendo em consideração que este foi um estudo preliminar, destacamos apenas que os dados revelaram que estudantes e professores se debateram com várias dificuldades, principalmente relacionadas com o facto de as aulas presenciais terem sido subitamente suspensas. Tal facto significou que não houve tempo para adaptar cuidadosamente os conteúdos e os métodos de avaliação aos princípios pedagógicos do e-learning e/ou blended-learning. Para além disso, este tipo de ensino foi-lhes imposto, tendo abalado expectativas, tanto de estudantes, como de professores. Estas dificuldades afetaram a forma como estudantes e docentes percecionam a tecnologia no ensino e a potencial adoção do ensino híbrido na universidade. Ambos são particularmente críticos relativamente à dimensão avaliativa e relação pedagógica. Este tipo de ensino (ensino remoto) foi-lhes imposto, tendo abalado expectativas de estudantes e professores. E, se por um lado, o cenário pandémico revelou numerosas fragilidades sociais e académicas. Por outro lado, obrigou toda a comunidade académica a refletir sobre os pressupostos em que assentam o ensino e a aprendizagem no ensino superior. Deste modo, as dificuldades sentidas podem ser uma oportunidade para refletir sobre a tríade ensino, aprendizagem e relação pedagógica na Universidade.

Assumindo as palavras do economista Paul Romer: “a crisis is a terrible thing to waste” (2004, como citado em Rosenthal, 2009), e apesar das enormes incertezas em relação ao futuro, a Provedoria do Estudante da UC acredita que esta é a oportunidade de questionar o atual modelo pedagógico e equacionar mudanças que preparem as IES para enfrentar cenários de contingência num contexto pandémico. Isto significa que o estudo não pretendeu apenas alcançar resultados que permitam responder à crise, mas sobretudo usar a crise para encontrar soluções para problemas que já existiam antes dela e com as quais a Provedoria lida desde 2009.

Quanto ao recurso ao método Delphi, este revelou-se de extrema utilidade. A importância de que se reveste a procura de soluções baseadas no diálogo é essencial. Como podemos verificar, a tecnologia pode e deve ser utilizada para facilitar a aplicação dos métodos e deixar mais tempo aos investigadores para se dedicaram à análise e reflexão. Sem a reflexividade do investigador todos os métodos ou softwares são “cegos”. Seria fácil o investigador “escudar-se” atrás do consenso, especialmente quando se trata de temas fraturantes. Tal como alertam Birko et al. (2015, p. 12), o largo consenso pode traduzir posições em que os especialistas já estão “entrincheirados” nas suas opiniões e, nesse sentido, é pouco provável que estejam abertos a rever as suas posições. Nesse sentido, é igualmente importante avaliar as questões que não reuniram consenso pois aí pode residir algum potencial de diálogo sobre questões difíceis. No estudo em apreço verificamos consensos marcados por uma situação emergencial que colocou muitas dificuldades à comunidade académica, que tem a sua raiz num ensino presencial. A título de exemplo, a larga maioria dos estudantes referiu que prefere exames presenciais (35% concordam parcialmente + 54% concordam totalmente = 89%). No entanto também referiram que as novas tecnologias têm o potencial de trazer vantagens ao processo de avaliação na UC (42% concordam parcialmente + 42% concordam totalmente = 84%). Deste modo, é possível ver que a maioria se declarou resistente à potencial introdução de tecnologias no ensino superior, apesar de terem demostrado um grande desconhecimento sobre o mesmo. As circunstâncias que envolveram a implementação de métodos de ensino e avaliação remotos na UC afetaram a relação dos estudante e professores com a tecnologia, o que se traduz numa desconfiança generalizada relativamente ao papel das mesmas no ensino universitário. Deste modo, vale a pena o investigador olhar para os “dissensos” e para os argumentos dos participantes porque pode existir aí uma maior margem de espaço para a mudança. Estes pequenos grupos de consenso, encontrados no grupo dos docentes, são compostos por uma minoria mais experiente em métodos pedagógicos a distância. Os comentários ajudam-nos a compreender os argumentos que subjazem aos dissensos e até às contradições (ou seja, com frequência, a mesma percentagem de participantes concorda com duas afirmações que se contrariam entre si).

A título de exemplo:

Neste sentido, o método Delphi, indo para além do posicionamento face a uma afirmação (escala de Likert), em que os participantes têm a possibilidade de fazer comentários sobre as afirmações do questionário e os cometários dos outros participantes, fornece informação muito importante à equipa de investigação para perceber o que motiva os consensos e dissensos e como estes se podem encontrar num meio termo em prol de propostas informadas.

Quanto às limitações, nenhum método está isento. Entre elas, a própria subjetividade em que estão imersos os “especialistas” que, tendo experienciado em primeira mão as dificuldades do caso em estudo, podem estar pouco recetivos ao diálogo e/ou reflexão. De facto, o método Delphi assenta nessa subjetividade, sendo ela um critério importante da escolha da própria técnica. No entanto, as circunstâncias do estudo e a escolha dos “especialistas” vai afetar a qualidade das propostas e estas são questões que não dependem totalmente das escolhas do investigador. Não obstante, esta é uma limitação que se aplica a qualquer metodologia de investigação em ciências sociais e humanas. Outra questão, já abordada, é a questão do consenso. Nem sempre o consenso confortável pode ser a melhor resposta ao problema. Múltiplos fatores contribuem para o falso consenso. O facto de a maioria concordar com algo não significa que seja a melhor opção. Por esse motivo, as tendências (consensos e dissensos) devem ser analisados no seu conjunto e confrontados com os comentários e as especificidades que cada participante traz para a discussão. Finalmente, outra limitação, tal como foi referido, foi a não adesão do grupo dos dirigentes das unidades orgânicas.

Conclusão

Retomando as perguntas de partida do artigo, o método Delphi provou ser uma ferramenta útil no contexto em que os contactos presenciais estão limitados e se torna necessário colocar diferentes agentes em diálogo.

O facto de os participantes poderem ver como se posicionam os colegas relativamente a determinada afirmação e terem acesso aos comentários, permitiu identificar de forma mais clara as questões que eram fonte de dissenso. Os comentários nestes casos foram fundamentais para compreender os argumentos de ambas as partes. Através dessa análise foi possível ir para além do consenso e fazer propostas que tenham igualmente em consideração os argumentos utilizados pelos grupos minoritários, de modo a chegar a um meio-termo, ou, pelo menos, compreender melhor os obstáculos que as propostas irão encontrar na sua potencial implementação.

A experiência da pandemia desafiou estudantes e docentes, no entanto foi possível ver que muita aprendizagem foi feita e muitos desses ensinamentos perdurarão na sociedade pós-COVID. Deste modo, o facto de os participantes terem tido a oportunidade de refletir em conjunto (mesmo sem saber quem eram os outros colegas) foi uma mais-valia para que as propostas organizacionais sejam cada vez mais democráticas e informadas.



[1] Ou, neste caso, entre docentes e estudantes.

[2] No contexto da crise gerada pela SARS COVID-2, com esta iniciativa, o Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, pretendia estimular práticas inovadoras de ensino e aprendizagem valorizadoras dos projetos educativos, adaptadas a um sistema de ensino misto e diferenciado, garantindo uma oferta educativa ajustada a diferentes segmentos, em particular aos estratos etários de adultos mais jovens (23–35 anos idade) e com uma maior interligação às empresas e necessidades do mercado trabalho.

[3] “Delphi may be characterized as a method for structuring a group communication process so that the process is effective in allowing a group of individuals, as a whole, to deal with a complex problem.”

Agradecimentos | Acknowledgements: Os autores gostariam de agradecer a colaboração de todos os representantes dos núcleos de estudantes, docentes e dirigentes das Unidades Orgânicas da Universidade de Coimbra que disponibilizaram o seu tempo a colaborar no estudo.
Conflito de interesses | Conflict of interest : nenhum | none.
Fontes de financiamento | Funding sources: nenhuma | none.
Contributos: JGA : Conceptualização; Metodologia; Validação; Análise formal; Investigação; Escrita - Esboço original; Escrita - Revisão. PP: Conceptualização; Metodologia; Validação; Investigação; Escrita - Esboço original; Escrita - Revisão. CPA: Conceptualização; Validação; Investigação; Escrita - Revisão.

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