Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2021 Vol. 8(2): 1–18
Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2021 Vol. 8(2): 1–18
e-ISSN 2183-4938
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Representações Sociais de universitários brasileiros sobre as influências na adesão ao isolamento-distanciamento social durante a pandemia de COVID-19*

Social representations of Brazilian university students about the influences on adherence to distancing-social isolation during the COVID-19 pandemic

 

Rogério Silva Lima 1

Roberta Seron Sanches 1

Paula Daniella de Abreu 2 

Silvana Maria Coelho Leite Fava 1 

Ricardo Alexandre Arcêncio 2 

Murilo César do Nascimento 1

 

1 Universidade Federal de Alfenas, Escola de Enfermagem (EE-UNIFAL-MG), Alfenas, MG, Brasil

2 Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

* Artigo escrito em português do Brasil.

 

Recebido: 18/04/2022; Revisto: 15/06/2022; Aceite: 12/08/2022.

 

 

https://doi.org/10.31211/rpics.2022.8.2.258

 

 

Resumo

Objetivo: O estudo em causa teve como objetivo conhecer as representações sociais de universitários brasileiros sobre as influências na adesão ao distanciamento/isolamento social durante a pandemia pelo Novo Coronavírus. Métodos: Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, orientada pela Teoria das Representações Sociais. Os estudantes foram selecionados por conveniência pelo método de amostragem em “bola de neve” em grupos de redes sociais. Os dados foram recolhidos por meio de um questionário eletrônico, elaborado pelos autores, via formulário digital na plataforma Google Forms. Para análise, utilizou-se a análise de conteúdo com o auxílio do software IraMuTeQ. Resultados: Participaram 798 universitários brasileiros, com média de idade igual a 23,59 anos; 71,7% dos respondentes eram do sexo feminino, 28,1% do sexo masculino e 0,3% eram intersexo. Como resultado, obteve-se quatro classes, organizadas em duas categorias, intituladas “Reproduzir a voz da ciência: o conhecimento científico como determinante de condutas” e “A vida em casa: o risco e o medo no quotidiano”. Conclusões: Depreende-se que os participantes estruturam as suas representações a partir das recomendações científicas e assumem a posição de reprodutores do discurso hegemônico sobre o isolamento/distanciamento social. Contudo, o processo de elaboração simbólica é marcado pelo medo de infetar as pessoas próximas e o desejo de protegê-las.

Palavras-Chave: Distanciamento físico; Educação superior; Estudantes; Infeções por coronavírus; Isolamento social; Pesquisa qualitativa.

 

Abstract

Objective: This study's objective was to know Brazilian university students' social representations regarding the influences on adherence to distancing-social isolation during the new coronavirus pandemic. Methods: The research design of this study was qualitative research guided by the Theory of Social Representations. The students were selected by convenience by the “snowball” sampling method. The environment for access and invitation to participants consisted of groups on social media. Data were collected through an electronic questionnaire prepared by the authors using the Google Forms platform. For analysis, content analysis was used with the aid of the IraMuTeQ software. Results: Seven hundred and ninety-eight Brazilian university students participated, with a mean age of 23.59 years; 71.7% of respondents were female, 28.1% were male, and 0.3% were intersex. As a result, four classes were obtained, organized into two categories, entitled “Reproducing the voice of science: Scientific knowledge as a determinant of conduct” and “Life at home: Risk and fear in everyday life”. Conclusions: It appears that the participants structure their representations based on scientific recommendations and assume the position of reproducing the hegemonic discourse on distancing/social isolation; however, the symbolic elaboration process is marked by the fear of infecting close people and the desire to protect them.

Keywords: Coronavirus infections; Physical distancing; Students; Social isolation; Universities; Qualitative research.

 

 

Introdução

A pandemia do novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, responsável pela doença designada COVID-19, cuja propagação iniciou-se em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan na China, tem implicado mudanças na rotina da vida de todos os cidadãos. Tais mudanças relacionam-se com a magnitude da transmissão do vírus que é variável, dinâmica, dependente da localidade geográfica e do espectro da apresentação clínica (Lipsitch et al., 2020). Especificamente, no Brasil, os primeiros casos dataram de fevereiro de 2020, sendo notificados na cidade de São Paulo (Candido et al., 2020; Jesus et al., 2020). A partir de então, observou-se a disseminação da COVID-19 pelo país e os Estados passaram a registar altas taxas de casos confirmados da doença (Ministério da Saúde do Governo Federal do Brasil, 2022).

Até o momento de realização deste estudo, no segundo trimestre de 2020, não havia vacinas disponíveis nos municípios brasileiros para a vacinação em massa ou terapêuticas específicas com efetividade comprovada. Assim, naquele cenário inicial da pandemia, diversas medidas preventivas voltadas ao controlo populacional, foram estimuladas e determinadas pelos órgãos de saúde em todo mundo, com o intuito de controlar a disseminação pessoa-pessoa (Wilder-Smith & Freedman, 2020). Desde então, as estratégias de controlo da transmissão comunitária do vírus envolveram orientações a respeito da etiqueta respiratória, higienização frequente das mãos com água e sabão, uso do álcool em gel a 70%, uso de máscaras para sair de casa, proibições de aglomerações, fecho de escolas, universidades, comércio não essencial e espaços públicos de lazer, como praças, parques e praias (Agrawal et al., 2020).

Particularmente sobre o isolamento-distanciamento social, pondera-se que, apesar do impacto econômico, trata-se de uma estratégia relevante para conter a epidemia. Tal medida sanitária contribui com a diminuição do contato pessoa a pessoa, com a redução do número de infectados, contribuindo assim para que os serviços de saúde consigam tratar os doentes e ampliar a sua capacidade de atendimento em tempo hábil. Para além disto, a opção pelo isolamento-distanciamento social possibilita que, a longo prazo, as pessoas consigam se beneficiar do desenvolvimento de terapias antivirais e do acesso às vacinas referentes à COVID-19 (Anderson et al., 2020).

A adesão aos protocolos de prevenção é um aspeto complexo da saúde coletiva que envolve fatores de ordem social, política, econômica e cultural e que não pode ser explicada a partir de um ponto de vista que desrespeite o sujeito, no contexto singular da experiência que atravessa (Lima et al., 2022; Ygnatios et al., 2021). Ou seja, embora a adesão remeta para o conceito de mudança no comportamento e estilo de vida que uma pessoa empreende em correspondência às recomendações de um profissional de saúde (World Health Organization, 2003), não se pode estreitar o foco e responsabilizar apenas os indivíduos pelos problemas decorrentes da não adesão, como se não houvesse outros elementos socioculturais igualmente importantes.

Daí, depreende-se a premente necessidade de estudos que procurem analisar os complexos intervenientes que influenciam as construções simbólicas que, em última instância, são participantes no modo como os indivíduos se comportam face a novos objetos relativos ao processo saúde-doença, particularmente em tempos de pandemia. Estudos com este objetivo podem contribuir para uma análise crítica dos esforços que têm sido empreendidos em educação comunitária para a redução da incidência de COVID-19. Adicionalmente, podem favorecer a identificação das barreiras que prejudicam a adesão às recomendações e potencializar as estratégias, uma vez que será possível olhar para o fenômeno do ponto de vista da própria população.

Neste contexto, a teoria das representações sociais do psicólogo social Serge Moscovici apresenta-se como um arsenal teórico importante para o conhecimento particular sobre a elaboração dos comportamentos e da comunicação entre os indivíduos (Bertoni & Galinkin, 2017; Moscovici, 2015). Isto porque as representações sociais são entidades que circulam, entrecruzam-se e cristalizam-se continuamente, por meio de palavras, gestos, encontros, no mundo quotidiano (Moscovici, 2012, 2015).

Para Moscovici, as representações sociais não se limitam a registar dados ou sistematizar fatos, pelo contrário, configuram-se como “ferramentas mentais, operando na própria experiência, conformando o contexto em que os fenômenos estão radicados” (Moscovici, 2015, p. 345). Assim, centrada no funcionamento do pensamento cotidiano, a teoria das representações sociais entrelaça o social e o individual a partir das suas raízes na sociologia, na antropologia, na psicologia construtivista, sócio-histórica e cultural (Bertoni & Galinkin, 2017).

Avançando do ponto de vista psicossocial das representações sociais como uma forma de conhecimento prático para uma perspectiva transdisciplinar de correntes epistemológicas pós-modernas, Spink (1993, p. 307) apresenta que as “representações sociais emergem como um campo multidimensional que possibilita questionar [...] a natureza do conhecimento [...] e a relação indivíduo-sociedade”. Mais adiante, ao aprofundar sobre os fundamentos da teoria das representações sociais como um modelo de teoria científica social, Marková (2017, p. 358) considera que “o reconhecimento explícito dos pressupostos das representações sociais no emprego nas práticas profissionais, como educação, política e saúde, permite uma contribuição única para as ciências sociais e humanas”.

Em conformidade com o exposto sobre a representação social, compreende-se que a obtenção e análise de informações e opiniões provenientes do senso comum dos estudantes pode dispor de elementos que favoreçam a tomada de decisão mais apropriada por parte de gestores sobre as medidas de isolamento-distanciamento social aquando da pandemia pela COVID-19. Considera-se que a tomada de decisão assertiva poderá ter impacto na transmissão da doença, motivo pelo qual têm sido alvo de preocupação e discussão na comunidade técnica-acadêmica-científica, sobretudo porque muitos países têm enfrentado um novo aumento no número de casos de COVID-19 e adotado novas medidas restritivas.

Diante deste cenário, este estudo visou conhecer as representações sociais de universitários brasileiros sobre as influências na adesão ao distanciamento/isolamento social durante a pandemia pelo Novo Coronavírus, a partir de uma perspectiva interpretativa, pautada na Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici.

 

 

 

Método

Tipo de Estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, à luz da teoria das representações sociais de Serge Moscovici. Portanto, assenta em pressupostos da psicologia social (Moscovici, 2015).

 

Descrição dos Investigadores 

A equipe de investigadores possui histórico de contribuições científicas tanto em abordagens qualitativas quanto em pesquisas quantitativas. O primeiro e o sexto autores possuem experiência em pesquisas acadêmicas, com orientações de pós-graduação em abordagem qualitativa por meio da Teoria das Representações Sociais, da Análise de Conteúdo e do Método do Discurso do Sujeito Coletivo. A segunda e a quarta autoras participam de pesquisas acadêmicas com orientações de pós-graduação contemplando estudos de abordagem qualitativa. A terceira parceira tem experiência em pesquisas com abordagem qualitativa, a partir dos referenciais das Representações Sociais e da Análise de Conteúdo, além de dominar a utilização do software IraMuTeQ (Software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) em análises de dados qualitativos. O quinto investigador tem experiência em pesquisas acadêmicas com orientações de pós-graduação ao nível (inter)nacional, atuando como bolsista produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e com participação em múltiplos métodos de investigação. Todos os membros da equipe executora possuem vínculo como docentes e discente em Programas de Pós-Graduação em Enfermagem na sua Instituição de origem, o que implica na participação e experiência importante em disciplinas relacionadas às Pesquisas Qualitativas e à Saúde Pública. Para além da perícia relacionada com o objeto/tema e com os referenciais abordados no presente artigo, a equipa também é próxima de parte do público-alvo de referência, os estudantes universitários. Os antecedentes acadêmicos e a vivência cotidiana dos investigadores com pessoas semelhantes aos participantes corroboram a compreensão prévia dos fenômenos e dos contextos em estudo.

 

Participantes

O estudo foi desenvolvido a partir das respostas de universitários no Brasil, que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: ser brasileiro nativo, residir no Brasil, referir possuir 18 anos ou mais de idade, denominar-se como aluno de licenciatura, bacharelado ou técnico superior (tecnólogo) em instituições de ensino superior do país.

Por realizarem atividades de ensino e pesquisa, no nível de graduação e pós-graduação em duas universidades públicas na região sudeste do Brasil, os pesquisadores possuíam uma rede de relações profissionais com alunos e outros professores, o que favoreceu a divulgação da pesquisa por meio de contactos em redes sociais e o alcance do público-alvo da investigação.

Deste modo, o ambiente para acesso e convite aos participantes constituiu-se por grupos, associações e comunidade virtuais, existentes em diversas redes sociais distribuídas pelo território nacional. O recrutamento inicial dos participantes ocorreu via amostragem por acessibilidade (do tipo por conveniência) e contou com o incremento subsequente por meio da técnica bola de neve (snowball sampling, Polit & Beck, 2016).

A partir dos critérios de exclusão, não foram considerados 66 respondentes pelos seguintes motivos: não moravam no país por ocasião do estudo (n = 1; 1,5% — por não estarem experienciando o isolamento-distanciamento social no Brasil por ocasião desta pesquisa); possuíam menos de 18 anos de idade (n = 4; 6,1% — pela intenção de acessar estudantes responsáveis por si, sem recorrer aos pais ou outros responsáveis legais que autorizassem a participação dos convidados na pesquisa); não frequentavam nenhum curso de licenciatura, bacharelado ou técnico superior (tecnólogo) no país (n = 33; 50,0% — por questão de elegibilidade e divergência quanto ao público alvo); respostas repetidas (n = 7; 10,6% — para evitar repetições tanto na caracterização dos participantes quanto nos elementos dos corpus textuais deles derivados); resposta com caracteres imperceptíveis (n = 1; 1,5% — por impossibilidade de analisar as respostas); eram alunos de mestrado e doutorado (n = 5; 7,6% — devido ao foco nos estudantes em processo de graduação universitária e não nos profissionais já formados, alunos de pós-graduação); não eram brasileiros nativos (n = 5; 7,6% — para obter maior homogeneidade em relação ao país de naturalidade dos participantes, pensando na diversidade dos fatores que poderiam influenciar de modo díspar a adesão ao isolamento-distanciamento social em diferentes nações); e não responderam de forma completa à pergunta aberta (n = 7; 10,6% — por impossibilidade de analisar com qualidade as respostas incompletas). Além disso, três pessoas (4,5%) que assinalaram eletronicamente o não consentimento na participação do estudo também foram excluídas (por atenção e cumprimento dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos).

Assim, dos 864 respondentes iniciais, foi considerado elegível para a pesquisa o material textual de 798 estudantes universitários, provenientes das cinco grandes regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Na Tabela 1 são apresentadas as características sociodemográficas dos estudantes universitários participantes. Já na Tabela 2 podem ser vistas as características das Instituições de Ensino Superior e dos cursos frequentados pelos estudantes respondentes.

 

 

Tabela 1

Características Sociodemográficas Dos Estudantes Universitários, Brasil, 2020

Características

Frequências

n

%

Sexo

 

 

Feminino

572

71,7

Masculino

224

28,1

Intersexo

2

0,3

Estado civil

 

 

Solteiro(a)

711

89,1

Casado(a)/em união de facto

80

10,0

Separado(a)/desquitado(a)/divorciado(a)

7

0,9

Renda familiar

 

 

Acima de 3 salários mínimos

327

41,0

Acima de 1,5 até 3 salários mínimos

157

19,7

Acima de 1 até 1,5 salário mínimo

120

15,0

Até 1 salário mínimo

111

13,9

Prefiro não responder/Não sei

83

10,4

Situação no mercado de trabalho

 

 

Não trabalha/Desempregado

588

73,6

Assalariado com e sem carteira de trabalho

90

11,3

Autónomo sem previdência social

41

5,1

Servidor público

33

4,1

Outras situações

26

3,4

Estagiário/Bolseiro

20

2,5

 Nota. N = 798 estudantes universitários participantes, provenientes das cinco grandes regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

 

 

Obteve-se a participação de estudantes de todas as unidades federativas do país, bem como no distrito federal. Na Figura 1 podem ser visualizados um mapa de pontos e um mapa de calor, representando a localização geográfica dos 322 municípios de partida (origem), bem como a distribuição/densidade espacial das 125 cidades de estudo (destino), referentes aos 798 participantes da pesquisa.

 

 

 

 

Tabela 2

Características das Instituições de Ensino Superior e dos Cursos Frequentados, Brasil, 2020

Características

Frequências

n

%

Classificação/organização académico-administrativa

 

71,7

Universidade / Centro Universitário / Faculdade

746

28,1

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia a

50

0,3

Outros

2

89,1

Categoria administrativa

 

10,0

Públicas

610

0,9

Privadas

186

41,0

Outras

2

19,7

Área do curso

 

15,0

Saúde e bem-estar

513

13,9

Ciências naturais, matemática e estatística

62

10,4

Ciências sociais, jornalismo e informação

55

73,6

Negócios, administração e direito

40

11,3

Engenharia, produção e construção

32

5,1

Agricultura, silvicultura, pesca e veterinária

31

4,1

Educação

31

3,4

Artes e humanidades

25

2,5

Tecnologias da informação e comunicação

7

71,7

Não informado

2

28,1

Tipo de curso e grau

 

0,3

Bacharelado e/ou Licenciatura

788

89,1

Tecnólogo (técnico superior)

10

10,0

Modalidade

 

0,9

Presencial

790

41,0

À distância

8

19,7

 Nota. N = 798 estudantes universitários participantes, provenientes das cinco grandes regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

a Ou Centro Federal de Educação Tecnológica.

 

 

 

 

 

Figura 1

Distribuição dos Municípios Alcançados no Estudo, Brasil, 2020

 

 

Nota. 1.A. Mapa dos municípios de residência familiar (origem) dos participantes. 1.B. Mapa dos municípios onde se encontram as Instituições de Ensino Superior frequentadas pelos participantes do estudo (destino).

 

Quanto às características sociodemográficas dos universitários participantes, foi observada maior frequência de pessoas do sexo feminino, de cor branca, solteiras, com renda familiar entre um e meio a três salários mínimos, sem trabalho/desempregadas e católicas. A média das idades dos estudantes universitários foi de 23,59 anos (DP = 6,17), sendo 18 anos o menor valor identificado e 59 anos a idade máxima informada (EP = 0,21 e IC95% = 23,16–24,01).

Quanto ao perfil das instituições de ensino superior e dos cursos frequentados pelos estudantes universitários respondentes, observou-se um predomínio de cursos de bacharelado presenciais na área de saúde e bem-estar, de universidades públicas federais localizadas maioritariamente na região sudeste do Brasil, com distribuição mais homogênea entre o sétimo, quinto, terceiro e primeiro períodos/semestres letivos, de regime completo e modalidade presencial.

 

Recolha de Dados, Instrumentos e Procedimentos

A etapa da recolha de dados ocorreu no período de um mês pandémico no Brasil, entre os dias 29 de abril e 29 de maio de 2020. Para a obtenção dos dados, utilizou-se um formulário estruturado digital recorrendo a Formulários Google, composto por seções digitais (Google, 2022). A primeira secção apresentava o termo de consentimento livre e esclarecido. Se o convidado aceitasse participar no estudo, uma tecla de “avançar” na página inicial direcionava-o para a próxima página que continha informações sobre a elegibilidade do convidado.

A seção principal do instrumento descrevia as medidas de prevenção comunitária da Doença pelo Coronavírus — COVID-19 e continha a seguinte pergunta aberta: ‘Se os seus amigos lhe perguntassem “há algo que influencia a sua adesão ao isolamento/distanciamento social?” O que diria? Explique a sua resposta, por favor’. As páginas subsequentes registavam as características sociodemográficas dos participantes, bem como os aspetos de interesse das Intuições de Ensino Superior e cursos de pertença dos universitários. Por fim, o participante poderia indicar e convidar novas pessoas para a investigação.

As respostas foram registadas de forma automática em folha de cálculo. Para garantir o anonimato, atribuiu-se uma codificação ao participante, com a letra ‘P’, seguida da numeração em correspondência à ordem de resposta ao questionário.

No planejamento do estudo e para a comunicação dos resultados da investigação foram consideradas as dimensões do COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research; Tong et al., 2007). Obteve-se, antecipadamente, a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente.

 

Análise Qualitativa

A análise do corpus textual foi realizada por meio da análise de conteúdo, segundo as três fases propostas por Bardin (2013). 1) Na ‘pré-análise’, procedeu-se à leitura flutuante do corpus textual. 2) Na fase ‘exploração do material’, pretendeu-se compreender o dendrograma obtido pela classificação hierárquica descendente (CHD) e elaborar as categorias, de acordo com as classes obtidas no dendrograma. Contou-se nesta etapa com o auxílio do software IraMuTeQ (Software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires; v. 0.7 alpha 2) para o uso da CHD (Camargo & Justo, 2013). Este software e técnica contribuíram para a organização e exploração do corpus que se apresentou extenso e com a interpretação aprofundada da associação entre as palavras e classes. 3) Na fase do ‘tratamento dos resultados’, consideraram-se as inferências e interpretações das fases anteriores para estabelecer as categorias temáticas à luz da teoria das representações sociais (Moscovici, 2015). De realçar que a análise e a categorização dos resultados foram realizadas colaborativamente pelos autores, com experiência no método e no referencial teórico. Além disso, a explicitação do percurso metodológico, a apresentação das falas dos participantes, bem como a análise crítica em diálogo com a literatura asseguraram a credibilidade, transferibilidade, dependabilidade e confirmabilidade do estudo (Patias & Von Hohendorff, 2019).

 

 

Resultados

O processamento do corpus textual por meio da CHD no IraMuTeQ gerou 230 segmentos de texto (ST), relacionados a 1.424 palavras que ocorreram 8.186 vezes. De realçar que a CHD reteve 80,9% do total de ST, deste, geraram-se quatro classes: Classe 4, com 33 ST, correspondendo a 17,7% do total de 230 ST; Classe 2, com 32 ST, correspondendo a 17,2% do total de 230 ST; Classe 1, com 49 ST, correspondendo a 26,0% do total de 230 ST; e Classe 3, com 72 ST, correspondendo a 38,1% do total de 230 ST. A CHD resultou no agrupamento do corpus textual em quatro classes, conforme dendrograma apresentado na Figura 2.

 

 

Figura 2

Dendrograma referente à Classificação Hierárquica Descendente (CHD), Brasil, 2020

 

 

O conjunto de técnicas de análise permitiu a construção de duas categorias. A primeira, intitulada ‘Reproduzir a voz da ciência: o conhecimento científico como determinante de condutas’, relaciona-se à Classe 3, e a segunda, nomeada ‘A vida em casa: o risco e o medo no quotidiano’, fundamenta-se nas Classes 1, 2 e 4.

 

Categoria 1. Reproduzir a voz a ciência: o conhecimento científico como determinante de condutas

Depreendeu-se a importância que os participantes atribuíram às recomendações científicas como critério de validade dos comportamentos que devem ser adotados, no âmbito pessoal e social. Nesse sentido, os estudantes assumiram a posição de reprodutores do discurso científico predominante a respeito da necessidade do isolamento/distanciamento social e, dessa visão de mundo, classificaram e organizaram os elementos do novo contexto social em que viviam.

A seguir, são apresentados excertos das respostas dos participantes que ilustram o conteúdo desta categoria.

“O fato de eu ter acesso a informações com validade científica sobre a pandemia, o coronavírus e a doença influenciam a minha conduta pessoal” (P46).

“Pretendo ficar em isolamento até que a OMS declare ser permitido flexibilizar o isolamento” (P57).

“As orientações transmitidas pela Secretaria de Saúde, pelos médicos, pelos órgãos competentes da cidade e por pesquisas científicas demonstram que o isolamento é o melhor método de prevenção da propagação desse coronavírus” (P142).

“Eu diria que a ciência é o melhor método que desenvolvemos até hoje para conhecimento do mundo. E que se há evidências científicas que a melhor forma de lidar com o coronavírus para achatamento da curva, já que a eliminação do coronavírus se torna improvável e já que o desenvolvimento de uma vacina levará tempo suficiente para termos perdas consideráveis, eu escolho tranquilamente o isolamento social” (P347).

“A minha influência sobre a adesão ao distanciamento social são as diretrizes da OMS, tento seguir o máximo e passar a diante as recomendações” (P231).

“As recomendações da OMS e de todos especialistas no assunto. Porque são instituições e pessoas que estudam sobre isso e sabem o que fazer” (P245).

“O que me influencia são os estudos publicados sobre o assunto, as notícias divulgadas pelos média de fontes confiáveis como a OMS e MS” (P265).

“Sim, estou a aderir ao distanciamento social devido à importância em termos de saúde geral da medida, uma conclusão tida a partir de informações bem sustentadas e de trabalhos científicos” (P278).

 

Categoria 2. A vida em casa: o risco e o medo no quotidiano

Evidenciou-se que as vivências do dia a dia foram marcadas pelo medo de infetar as pessoas que residiam na mesma moradia, consideradas do grupo de risco, e o desejo de protegê-las, pelo conflito entre o ter de/querer trabalhar ou sair, como ir ao mercado, e as incertezas provocadas pela possibilidade de contágio. Tais aspetos matizaram as representações dos estudantes a respeito do isolamento/distanciamento social e também exerceram uma importante influência na organização do comportamento dos mesmos.

Nessa sequência, apresentam-se excertos das respostas dos participantes que exemplificam o conteúdo da Categoria 2.

“Se é necessário para o meu bem e da minha família não vejo motivos para não fazer o possível para aderir a quarentena” (P 279).

“Quando o coronavírus começou a se espalhar pelo mundo, vimos as consequências que ele trazia e imediatamente minha família soube da gravidade e necessidade de nos afastarmos da rotina e de outras pessoas para evitar a propagação. Além disso, minha mãe é do grupo de risco, desde sempre prezamos pelo cuidado em razão a sua saúde” (P735).

“Compreendo a importância do isolamento, que é o meio mais eficaz para a proliferação do coronavírus, o que implica em minha adesão. Além disso, possuo familiares que participam de grupos de risco, fator que também influencia meu distanciamento social” (P286).

“Medo de ficar doente e morrer e contaminar minha mãe” (P300).

“Eu fico de quarentena porque tenho medo de adoecer e de contaminar minha família” (P321).

“A minha adesão ao isolamento social é devido à minha preocupação com a minha família, principalmente com a minha avó que mora comigo, que possui 83 anos e comorbidades já existentes” (P507).

“O afeto entre as familiares e amigos próximos. Por exemplo, quando um ente querido falece, sabemos que temos que manter a distância, mas também sabemos que o outro precisa de um abraço pois a perda de um ente querido não é fácil e exige muito do equilíbrio emocional e psicológico, e fica muito mais difícil manter esse equilíbrio durante a quarentena” (P569).

“O fato de ter que ficar afastado de familiares dificulta muito a minha adesão, pela dificuldade de concretizar essa ação devido à saudade. Além disso, meu pai perdeu o emprego nesse período, fato que também influencia o nosso isolamento social” (P287).

“Não consigo ficar em completo distanciamento social devido a ter que ir ao mercado, tanto para fazer compras para a minha casa quanto para a minha avó” (P518).

“O que mais influencia é a disponibilidade de alimento, porque somente saio de casa para ir ao mercado” (P188).

“Os meus pais são idosos, então saio quando eles precisam de algo, por exemplo, ir ao mercado ou farmácia” (P189).

 

Discussão 

O isolamento/distanciamento social têm sidos referidos como medidas sanitárias que contribuem para reduzir a disseminação da COVID-19, principalmente quando não existiam tratamentos específicos e ainda não se podia contar com as vacinas desenvolvidas no decorrer da pandemia. As restrições quanto à circulação das pessoas foram então recomendadas, portanto, pela comunidade científica e pela Organização Mundial de Saúde (Nussbaumer-Streit et al., 2020; Wilder-Smith & Freedman, 2020).

Embora medidas como o distanciamento social, isolamento e quarentena sejam clássicas em saúde pública e utilizadas desde tempos antigos para o controlo de doenças transmissíveis (Wilder-Smith & Freedman, 2020), e desde o início da pandemia, tornaram-se rápida e amplamente difundidas para a população (Abel & McQueen, 2020), essas medidas são fenômenos nunca vistos pela maioria das pessoas, sobretudo para a população universitária brasileira.

Mesmo com o elevado volume de informações sobre a COVID-19, por tratar-se de uma doença até então desconhecida, o conhecimento científico sobre a mesma ainda está em fase de construção e levará tempo para a sua consolidação. Assim, a sociedade defrontou-se com o desafio de integrar as melhores informações disponíveis, ainda que permeadas por um contexto de incertezas, e de as integrar em comportamentos pessoais face à pandemia (Abel & McQueen, 2020).

Como produto da comunicação e interação, as representações adquirem a própria forma da comunicação (Moscovici, 2015). Dessa forma, pôde-se observar que ao se depararem com o estranho fenômeno, os estudantes empreenderam um esforço para torná-lo familiar, com o intuito de conseguirem posicionar-se no mundo e direcionar a sua própria conduta. Para isso, acederam às comunicações produzidas e veiculadas pelos órgãos científicos, estabeleceram comparações e realizaram abstrações ao ponto de compartilharem o discurso da ciência, favorável às medidas de isolamento social.

Também ancorados em uma perspectiva psicossocial, pesquisadores latino-americanos desenvolveram um estudo com intuito de compreender as representações sociais sobre a pandemia de COVID-19 de estudantes chilenos do ensino superior. Os achados sinalizaram dimensões biológicas, emocionais e apreciativas, sendo identificadas categorias temáticas que remetiam a aspetos emocionais e apreciativos referentes à quarentena e ao distanciamento social. Concluíram que as estruturas de pensamento dos estudantes sobre a pandemia implicavam em experiência avaliativa e emocional que interferia na saúde mental (Salas-Durán et al., 2021).

Um estudo sobre as representações sociais de brasileiros sobre a COVID-19 e respetivo tratamento, realizado com pessoas de 18 a 78 anos, também destacou a apropriação do que tem sido veiculado pela literatura biomédica sobre o novo coronavírus, e ainda, o papel dos média, imprensa e televisão, com a extensa divulgação de notícias sobre a situação epidemiológica e informações de estudos em desenvolvimento, para a apropriação das medidas de prevenção (Do Bú et al., 2020).

Em outro trabalho referente às representações sociais sobre o distanciamento social como resposta a COVID-19 na média do Reino Unido, predominaram nas reportagens tanto representações concorrentes do distanciamento social (em forma de ameaça ao senso de continuidade) como representações de um comportamento normativo necessário (que deveria ser observado por todos) durante a pandemia. Segundo os autores, a falta de clareza dos funcionários do governo sobre o distanciamento social poderia nutrir ainda mais a confusão sobre a COVID-19 e como prevenir a infeção na população (Nerlich & Jaspal, 2021).

Ainda considerando as influências na adesão às medidas sanitárias protetivas por ocasião da pandemia corrente, um estudo em que se examinou representações sociais emergentes de pessoas que questionavam a veracidade do SarsCoV-2 ou as medidas para o seu controlo, apontou uma situação preocupante envolvendo os media e negacionismo. A representação de pessoas que duvidavam da ciência e/ou política durante a pandemia se mostrou expressivamente negativa e maculadora. Os autores refletiram que tal representação hegemônica dos média tinha potencial para promover divisão, polarização e desvinculação já observadas, com riscos de comprometer ainda mais os esforços coletivos de enfrentamento da pandemia (Jaspal & Nerlich, 2022).

Reconhece-se que os média tiveram um relevante papel na divulgação das informações sobre a pandemia e influenciaram a construção das representações sociais a este respeito em diversos estratos populacionais. Por meio destes canais de comunicação, o distanciamento social pode ser veiculado como ameaçador ao estilo de vida, identidade e bem-estar pessoal e, com isso, não aderido. Entretanto, tal medida também pode ser compreendida como um ato normativo imprescindível a ser observado, diante do qual os não cumpridores se tornam passíveis de estigma e marginalização (Nerlich & Jaspal, 2021).

No Brasil, corroborando a importância atribuída ao isolamento/distanciamento social, um estudo de opinião realizado em abril de 2020, com 16.440 respondentes, demostrou que a maioria acreditava na medida para a redução do número de vítimas da COVID-19 e estava disposta a mantê-la pelo tempo necessário para enfrentar a pandemia (Bezerra et al., 2020). Os autores ponderaram, contudo, que a recolha de dados do referido estudo ocorreu num momento inicial da epidemia de COVID-19 no país e nesse sentido, sugeriram que com o tempo de distanciamento/isolamento social, poderia haver uma saturação da população acerca desta condição (Bezerra et al., 2020).

Igualmente, a coleta de dados deste estudo ocorreu no mês de maio de 2020 e retratou as representações sobre o isolamento/distanciamento social no momento, podendo haver modificações conforme o curso da pandemia, sobretudo num cenário dinâmico como o atualmente vivenciado. Considera-se, também, que no início da pandemia as notícias veiculadas pelos média brasileiros enfatizavam a elevada mortalidade em países europeus, como a Itália, associadas ao colapso dos serviços de saúde. Não obstante, propagava-se inclusivamente o colapso do sistema funerário, com imagens de morgues sobrecarregadas. Esses elementos também participaram da construção das representações, simbolizadas pelo medo em face ao risco de adoecer e morte de familiares, o que, no que lhe concerne, favoreceu o discurso sobre a adesão de comportamentos protetores, consoantes as medidas de distanciamento social propostas pelas organizações científicas.

No contexto da pandemia da COVID-19, postulou-se que as experiências de medo possam enquadrar-se em quatro domínios que se inter-relacionam 1) medo do/pelo corpo, que consiste na sensação de vulnerabilidade física, mas também, na percepção da que o corpo deve ser protegido; 2) medo de/por pessoas significativas, que pressupõe que mesmo as pessoas significativas podem ser fonte de risco para a contaminação e contraditoriamente, que se pode transmitir a doença para as pessoas com quem se mantém relacionamentos afetivos; 3) medo de saber/não saber, que remete à escassez de conhecimentos consolidados e 4) medo de ação/inação, que se refere às consequências que o medo implica nos comportamentos diante da pandemia (Schimmenti et al., 2020). Especificamente neste estudo, o medo de contaminação e o medo pelas pessoas significativas foram prevalentes nos depoimentos dos participantes.

Semelhantemente, um estudo realizado com 2013 pessoas adultas da América do Norte e Europa identificou que o desejo de proteger a si mesmo e aos outros foram fatores facilitadores para a adesão ao distanciamento social (Coroiu et al., 2020). Outro estudo realizado com 439 participantes de 28 países, identificou que a preocupação com a saúde de entes queridos foi a mais comumente relatada e que a percepção de medo é influenciada pelo fato de que COVID-19 pode ser mais grave em pessoas de determinados grupos de risco (Mertens et al., 2020).

Apontou-se, nesse contexto, que as pessoas mais preocupadas com a COVID-19 foram também aquelas que apresentam maior adesão às medidas de prevenção, como é o caso do distanciamento social. O medo e a ansiedade, então, consistiram numa resposta funcional, que diante de uma ameaça que não podia ser eliminada, ou seja, da pandemia, promoveram mudanças comportamentais adaptativas, com vistas à saúde pública (Harper et al., 2021).

Paradoxalmente, apesar de reconhecerem o distanciamento/isolamento social como uma medida para proteção da sua saúde e dos seus familiares, a manutenção das relações afetivas foi identificada como um desafio para a sua continuidade, bem como a necessidade ou previsão de necessidade de sair para cumprir funções básicas ou trabalhar. Isso colocou em perspectiva a complexidade das medidas de isolamento/distanciamento social a longo prazo, uma vez que as exigências quotidianas levaram as pessoas a ponderarem sobre o risco e o benefício da não adesão, frente às próprias necessidades e anseios.

Embora se tenha observado que as representações dos estudantes possam organizar um comportamento favorável de adesão às medidas, a dinâmica da vida particular permeia este processo. Isso relaciona-se com o ser humano se caracterizar por ser social, que tem nas suas relações interpessoais a sensação de segurança e proteção. Esta necessidade foi profundamente afetada pela pandemia, em razão do distanciamento, inclusivamente em momentos relevantes (Schimmenti et al., 2020).

Outro fator que interferiu no isolamento/distanciamento social foi a necessidade de comprar alimentos ou outros itens essenciais. Isto porque, para evitar que os seus familiares de maior idade e/ou pertencentes a grupos de risco para complicações da COVID-19 tivessem de sair, expondo-se a risco, alguns participantes assumiram esta atribuição. Corroborando o exposto, um estudo realizado a brasileiros com idades iguais ou superiores a 50 anos, identificou que as pessoas mais velhas estiveram mais propensas a permanecer em distanciamento social e sugeriu que estas receberam mais ajuda de outras pessoas para a aquisição de itens necessários, como alimentos e medicamentos, para evitar que saíssem de casa durante a pandemia (Lima-Costa et al., 2020).

Cabe ressaltar que as condições financeiras também se relacionam com as possibilidades de elaboração das representações, tendo em conta que influenciam a adesão ao distanciamento social. Dadas as desigualdades sociais existentes na população brasileira, o distanciamento social consiste em um desafio, especialmente para as pessoas em situação de pobreza e para os trabalhadores informais, que não podem interromper as atividades, pois necessitam assegurar o seu rendimento (Aquino et al., 2020). Infere-se, portanto, que as pessoas de condição socioeconômica menos favorecida, ainda que acreditem no distanciamento social para o controlo da COVID-19, podem enfrentar dificuldades em mantê-lo (Bezerra et al., 2020).

 

Limitações e Forças

Obteve-se uma maior taxa de retorno de universitários da área de saúde residentes e estudantes na região sudeste do Brasil, esse limite pode-se relacionar ao perfil similar dos investigadores, à técnica de bola de neve e à estratégia de websurvey. Acredita-se que tal característica referente à abrangência e à adesão constituiu um limite deste estudo, uma vez que permitiu a extrapolação dos resultados para o grupo de participantes desta investigação, em detrimento de inferências para a população de estudantes universitários do Brasil. Assim, destaca-se que as representações sociais em questão devem ser interpretadas considerando um sujeito coletivo composto por: universitários com média de idade igual a 23,59 anos, virtualmente/digitalmente incluídos, com as características sociodemográficas apresentadas.

Considera-se que o acesso às importantes representações deste grupo e campo socialmente compartilhados, corroborado por outros estudos, permitiu a aproximação de elementos individuais/cognitivos/do pensamento e de aspetos coletivos/sociais que circulavam no imaginário social e que podem ter relação com os comportamentos dos estudantes universitários durante a pandemia. Acredita-se que estas conclusões podem constituir uma relevante contribuição para este universo de estudo, tendo em conta que muitos aspetos psicossociais relativos à pandemia da COVID-19 ainda precisam de ser estudados e mais bem compreendidos em propostas de investigações futuras.

 

Conclusão

O estudo possibilitou conhecer as representações sociais de universitários brasileiros sobre o distanciamento/isolamento social no controlo da Doença pelo Coronavírus — COVID-19. Conclui-se que os participantes estruturam as suas representações, a partir das recomendações científicas, como critério de validade dos comportamentos que devem ser adotados. O sujeito coletivo de interesse assumiu a posição de reprodutor do discurso científico predominante a respeito da necessidade do isolamento/distanciamento social e, dessa visão de mundo, classificou e organizou os elementos do novo contexto social.

Observou-se, por fim, que o processo de elaboração simbólica foi marcado pelo medo de infetar as pessoas próximas e o desejo de protegê-las, bem como pelo conflito entre o ter de/querer trabalhar ou sair, como ir ao mercado, exemplo de necessidades e vivências quotidianas. Espera-se que estudos futuros investiguem as influências das representações sociais nos comportamentos dos estudantes sobre a adesão às medidas de proteção da transmissão da COVID-19 por ocasião do regresso gradual e híbrido às aulas presenciais.

 

 

Agradecimentos | Acknowledgements: Agradecemos a todos os estudantes universitários brasileiros que participaram do estudo. | We thank all Brazilian university students who participated in the study.

 

Conflito de interesses | Conflict of interest: Não há conflito de interesses por parte dos autores. | There is no conflict of interest on the part of the authors.

 

Fontes de financiamento | Funding sources: Não se aplica. | Not applicable.

 

Contributos | Contributions: RSL: Conceptualização, supervisão do estudo, revisão da literatura, coleta de dados, escrita, discussão e revisão do artigo. RSS: Conceptualização, revisão da literatura, coleta de dados, escrita e revisão do artigo. PDA: Metodologia, tratamento dos dados, preparação dos corpus textuais, análises com o IraMuTeQ, escrita e revisão do artigo. SMCLF: Revisão da literatura, escrita, discussão e revisão do artigo. RAA: Revisão da literatura, escrita, discussão, revisão da redação final do manuscrito. MCN: Conceptualização, colaboração na supervisão do estudo, revisão da literatura, metodologia, elaboração do instrumento on-line de coleta, coleta de dados, elaboração e normalização do banco de dados, escrita, discussão, redação e edição final do manuscrito. | RSL: Conceptualization, study supervision, literature review, data collection, writing, discussion and review of the article. RSS: Conceptualization, literature review, data collection, article writing and review. PDA: Methodology, data processing, preparation of textual corpus, analysis with IraMuTeQ, writing and review of the article. SMCLF: Literature review, writing, discussion and review of the article. RAA: Literature review, writing, discussion, review of the final draft of the manuscript. MCN: Conceptualization, collaboration in the supervision of the study, literature review, methodology, elaboration of the online collection instrument, data collection, elaboration and standardization of the database, writing, discussion, writing and final editing of the manuscript.

 

 

 

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