Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2024 Vol. 10(1): 1–18

Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2024 Vol. 10(1): 1–18

e-ISSN 2183-4938

Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga

 

 

 

 

ARTIGO de REVISÃO*

Cyberstalking nos relacionamentos românticos: revisão sistemática da literatura

Cyberstalking in romantic relationships: A systematic literature review

 

Anna Dhara Guimarães Tannuss 1

Patrícia Nunes da Fonseca 1

Sara Janine Silva de Oliveira Souza 1

Lays Brunnyeli Santos de Oliveira 1

1 Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Psicologia, João Pessoa, Paraíba, Brasil

* Artigo escrito em português do Brasil.

Recebido: 26/12/2023; Revisto: 21/03/2024; Aceite: 04/05/2024.

 

https://doi.org/10.31211/rpics.2024.10.1.320

 

 

Resumo

Contexto e Objetivo: O cyberstalking nos relacionamentos românticos refere-se ao uso de tecnologias de informação e comunicação, como as redes sociais, para perseguir, ameaçar ou assediar um parceiro íntimo atual, anterior ou potencial. A presente revisão objetivou mapear os estudos empíricos sobre o fenômeno, fornecendo uma contextualização teórica e identificando correlatos potenciais. Considerando os impactos na saúde mental das vítimas, também se buscou identificar artigos que integrassem conceitos da psicologia. Métodos: Os artigos relevantes foram pesquisados sistematicamente nas bases de dados Portal Periódicos CAPES, Web of Science, PubMed, SciVerse Scopus e Embase de 2012 a 2021. A qualidade dos estudos foi avaliada. Resultados: Dos 2.556 arquivos identificados, 19 estudos atenderam aos critérios de elegibilidade. Dezesseis estudos apresentaram qualidade alta, indicando evidências robustas e baixo risco de viés, enquanto três estudos obtiveram qualidade moderada. Os estudos sugerem que a bidirecionalidade e as motivações subjacentes ao cyberstalking são moldadas por variáveis tecnológicas, socioculturais e individuais. Especificamente, essas motivações podem ser compreendidas através de variáveis sociodemográficas e teorias psicológicas. Ademais, constatou-se que as vítimas evitam denunciar o crime. Não foram encontradas contribuições sobre o papel do psicólogo no suporte às vítimas, agressores e à sociedade. Conclusões: De modo geral, espera-se que os achados possam orientar estratégias de intervenção nos âmbitos social, jurídico e virtual, a fim de mitigar comportamentos de perseguição, especialmente em estágios iniciais dos relacionamentos amorosos.

Palavras-Chave: Cyberstalking; Internet; Parceiro Íntimo; Relacionamentos Românticos; Violência; Revisão Sistemática.


 

Abstract

Background and Objective: Cyberstalking in romantic relationships refers to the use of information and communication technologies, such as social networks, to stalk, threaten, or harass a current, former, or potential intimate partner. This review aimed to map empirical studies on the phenomenon, providing theoretical contextualization and identifying potential correlates. Considering the impacts on the mental health of the victims, this review also sought to identify articles that integrated concepts from psychology. Methods: Relevant articles were systematically searched in the databases of Portal Periódicos CAPES, Web of Science, PubMed, SciVerse Scopus, and Embase from 2012 to 2021. The quality of the studies was evaluated. Results: Out of 2,556 files identified, 19 studies met the eligibility criteria. Sixteen studies showed high quality, indicating robust evidence and low risk of bias, while three studies had moderate quality. The studies suggest that the bidirectionality and underlying motivations of cyberstalking are shaped by technological, sociocultural, and individual factors. Specifically, these motivations can be understood through sociodemographic variables and psychological theories. Furthermore, it was found that victims avoid reporting the crime. No contributions were found regarding the role of psychologists in supporting victims, perpetrators, and society. Conclusions: Overall, it is expected that the findings can guide intervention strategies in social, legal, and virtual realms in order to mitigate stalking behaviors, especially in the early stages of romantic relationships.

Keywords: Cyberstalking; Internet; Intimate Partner; Romantic Relationships; Violence; Systematic Review.

        

 

Introdução

O que acontece quando o amor se torna uma armadilha digital? A dependência crescente da internet para comunicação colocou as redes sociais em posição de destaque por proporcionar a interação entre casais e parceiros em potencial (Marcum et al., 2017). Entretanto, em relacionamentos amorosos abusivos, essa conectividade pode facilitar a vitimização e a perpetração de violência por parceiro íntimo por meio de comportamentos como o cyberstalking (Smoker & March, 2017).

O cyberstalking é uma forma de perseguição cibernética que envolve ameaças, humilhações e insultos por meio da tecnologia (Ahlgrim & Terrance, 2021; March et al., 2020).  Os comportamentos associados a esse fenômeno incluem o envio repetitivo de mensagens não solicitadas, compartilhamento de conteúdo pessoal e erótico das vítimas nas redes sociais, atualização frequente do perfil da vítima com o propósito de obter informações, incitação de terceiros para praticar atos de assédio e falsificação de identidade online (Ahlgrim & Terrance, 2021; Lancaster et al., 2020; White & Carmody, 2018). Tais ações podem ser facilmente realizadas, não requerendo conhecimento técnico avançado na internet. Ademais, à medida que os recursos tecnológicos avançam, os cyberstalkers aproveitam cada vez mais as características do ambiente online, como facilidade de acesso, anonimato, aceitação social e isolamento (White & Carmody, 2018).

Nesse sentido, a ampla disponibilidade de acesso à internet transcende as barreiras geográficas, possibilitando que os comportamentos indesejados se espalhem sem limitações (Bocij & McFarlane, 2003). Além disso, a internet facilita o anonimato, gerando uma sensação de despersonalização e desinibição, enquanto a aceitação social sugere que qualquer comportamento, independentemente de quão ofensivo, pode encontrar apoio entre o público online (Hamin & Rosli, 2018). Por último, a solidão do ambiente virtual permite que os agressores dediquem mais tempo engajados nas redes sociais, buscando informações sobre a vítima e criando a falsa sensação de intimidade (White & Carmody, 2018).

Na pesquisa conduzida por Cirino et al. (2022), com 504 brasileiros, foi constatado que 44,6% relataram terem sido vítimas de cyberstalking, especialmente através do recebimento de ameaças e de mensagens de amor repetidas, apesar da clara ausência de interesse romântico recíproco. A maioria das vítimas (51%) era mulheres que diante dessas situações tiveram que bloquear o agressor nas redes sociais para interromper a importunação.

Os cyberstalkers têm uma percepção distorcida das vítimas, considerando-as como sua propriedade. Isso resulta na tentativa de estabelecer uma conexão próxima com a vítima, mesmo quando esta relação é inexistente, seja a vítima uma figura pública da mídia ou uma pessoa desconhecida (Fornasier et al., 2022). Nesse sentido, a literatura indica que o cyberstalking é mais prevalente em relacionamentos românticos, embora os estudos estejam em estágios iniciais (March at al., 2020; Paulin & Boon, 2021). O cyberstalking nos relacionamentos românticos, também conhecido como Cyber Dating Abuse (March et al., 2020; Marcum et al., 2017; Marcum & Higgins, 2019), refere-se ao uso das tecnologias de comunicação e informação para perseguir um parceiro íntimo atual, anterior ou em potencial (Smoker & March, 2017)

Lee e O’Sullivan (2014) relataram, relataram, a partir de estudo conduzido com 271 universitários de 18 a 25 anos, que 74% dos participantes praticaram cyberstalking após o término dos relacionamentos a fim de retomar o contato ou monitorar seus ex-parceiros e 68% afirmaram ter sido vítimas dessa violência pós-término. Essa violência por parceiro íntimo pode se manifestar em relações de curta ou longa duração, com os ex-companheiros apresentando um maior potencial ofensivo, devido ao conhecimento de informações pessoais da vítima adquiridos durante o relacionamento (Marcum & Higgins, 2019). Quando o cyberstalking ocorre em relacionamentos atuais, as vítimas podem erroneamente interpretá-lo como expressão de cuidado (Curry & Zavala, 2020).

À medida que o cyberstalking se torna mais prevalente nos relacionamentos, cresce a preocupação com os danos psicológicos infligidos às vítimas, ressaltando a urgência de reconhecê-lo como um problema de saúde pública. A exposição a essa violência pode resultar em baixa autoestima, ansiedade, um maior risco de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e depressão (Deans & Bhogal, 2019; March et al., 2020). Esses danos podem ser agravados quando as vítimas têm atividades laborais que exigem compartilhamento de informações pessoais online (Fornasier et al., 2022).

Dada a constante evolução tecnológica, que pode favorecer o aumento do número e a gravidade das consequências psicológicas do cyberstalking, reforça-se a necessidade de estudos adicionais para entender suas variáveis correlatas, especialmente na psicologia. Portanto, justifica-se a pertinência do desenvolvimento deste estudo, que propõe realizar uma revisão sistemática do fenômeno do cyberstalking em relacionamentos românticos, abrangendo o período de 2012 a 2021. A escolha desse intervalo temporal se fundamenta na crescente conscientização e preocupação pública em relação à segurança e privacidade online no Brasil. Destaca-se que, em 2012, foi aprovado o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965, 2014), estabelecendo direitos e responsabilidades para o uso da internet no país, incluindo a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários (Meinero & Dalzotto, 2021). Além disso, em 2021, foi promulgada a Lei n.º 14.132 (2021), que tipifica o crime de perseguição, trazendo um avanço para o enfrentamento do cyberstalking. Assim, a análise do período de 2012 a 2021 proporciona um contexto legislativo relevante para a compreensão do cyberstalking em relacionamentos românticos.

Nesse sentido, o objetivo principal do estudo foi mapear os estudos empíricos sobre o cyberstalking nos relacionamentos românticos, buscando contextualizar teoricamente essa variável e seus possíveis correlatos, especialmente à luz dos construtos da psicologia.

Com base no objetivo geral, foram delineados os seguintes objetivos específicos: 1) Identificar preditores tecnológicos, socioculturais e individuais; 2) Explorar teorias psicológicas que possam esclarecer o cyberstalking em relacionamentos românticos; 3) Investigar possíveis diferenças sociodemográficas (sexo e idade) na percepção da vítima e do perpetrador do cyberstalking; 4) Verificar as estratégias de enfrentamento adotadas pelas vítimas; e 5) Analisar a compreensão do fenômeno em estudos nacionais e internacionais.

Uma busca preliminar foi conduzida nas bases de dados International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), Joanna Briggs Institute (JBI) e The Cochrane Library, para identificar protocolos e revisões relacionados ao tema. Não foram encontrados registros prévios, o que torna este estudo pioneiro ao utilizar a metodologia de revisão sistemática para analisar como o cyberstalking tem sido abordado em pesquisas.

 

Método

Desenho do Estudo

Este estudo, de natureza exploratória, consiste numa revisão sistemática de publicações científicas nacionais e internacionais sobre o fenômeno do cyberstalking em relacionamentos amorosos. Essa modalidade de pesquisa é importante para compreender a logicidade de um grande corpus documental, evitar a duplicidade de pesquisas, propor temas correlatos, hipóteses e metodologias inovadoras que fundamentam novos estudos ou aplicam conhecimento prévio em diferentes contextos (Cook et al., 1997; Galvão & Ricarte, 2019). Neste estudo, seguiram-se as recomendações do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (Moher et al., 2015), que padroniza a divulgação de revisões sistemáticas e meta-análises. Para garantir transparência e rigor metodológico, registrou-se um protocolo desta revisão no Prospero sob o registro CRD42023493985.

 

Pergunta de Pesquisa

Para conduzir esta revisão e caracterizar as fontes estudadas, formulou-se a seguinte questão norteadora: Como a produção científica tem compreendido o cyberstalking nos relacionamentos românticos? Considerando a relevância do tema para a psicologia social e para o desenvolvimento de intervenções psicossociais, em face das graves implicações para a saúde mental dos envolvidos, uma segunda questão de pesquisa foi levantada: Quais variáveis psicológicas explicam a vitimização e a perpetração do cyberstalking nesse contexto?

 

Estratégia de Busca e Critério de Seleção

Inicialmente, a estratégia de busca abrangeu o período de janeiro a março de 2022. Apesar dos esforços realizados nos três primeiros meses do ano de 2022, não foram encontrados artigos publicados nesse intervalo. As bases de dados selecionadas incluíram o Portal Periódicos CAPES, Web of Science (WOS), SciVerse Scopus (SCOPUS), PubMed e Embase, escolhidas pela relevância científica reconhecida pela comunidade acadêmica. Para definir os descritores, consultou-se o DeCs (Descritores em Ciências da Saúde), mas não foram encontrados resultados para os termos cyberstalking e cyber dating abuse. Diante dessa limitação, optou-se pelo mecanismo de descritores não controlados, similar ao empregado na revisão de Kaur et al. (2021) sobre o cyberstalking. Desse modo, observou-se a repetição de determinadas palavras-chaves no Google Acadêmico, todas em inglês. Ressalte-se que não foram identificados resultados em outros idiomas. Assim, as estratégias de busca envolveram combinações das seguintes palavras-chaves Cyberstalking”, “Cyber Dating Abuse”, “Romantic Relationship, Intimate Relationship” e “Romantic partners”, utilizando o operador booleano AND para refinar os resultados.

 

Critérios de Elegibilidade

Os critérios de inclusão para a seleção dos estudos foram: artigos científicos empíricos que 1) abrangessem pesquisas, intervenções, estudos de caso e relatos de experiência; 2) fossem publicados entre 2012 e 2021; 3) abordassem o cyberstalking em qualquer tipo de relacionamento amoroso; 4) apresentassem amostras compostas por indivíduos com idade superior ou igual a 18 anos; 5) estivessem disponíveis em acesso aberto ou fechado; 6) fossem escritos em qualquer idioma; e 7) realizados em qualquer país.
Os critérios de exclusão foram documentos que atendessem a pelo menos um dos seguintes pontos: 1) o título, resumo ou texto completo não relacionado ao cyberstalking ou cyber dating abuse; 2) publicados na forma de revisões sistemáticas, análises documentais, artigos teóricos, editoriais, validações de instrumentos psicométricos, livros, capítulos de livro, teses e dissertações; 3) publicados em acesso antecipado; 4) publicados fora do período especificado; 5) compostos por amostras com participantes menores de 18 anos; e 6) cujo texto completo não estava disponível.

 

Avaliação da Qualidade Metodológica e Risco do Viés dos Estudos

A avaliação crítica da qualidade metodológica dos estudos foi conduzida utilizando a JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies, uma ferramenta desenvolvida para avaliar a consistência e confiabilidade de estudos transversais (Munn et al., 2020). Essa checklist, composta por oito questões, investiga: 1) a clareza da definição dos critérios de inclusão dos participantes; 2) a clareza da caracterização dos participantes e do local; 3) a validade da exposição; 4) a confiabilidade dos instrumentos de medição; 5) o controle de fatores confundentes; 6) a descrição do uso de estratégias para lidar com fatores confundentes; 7) o relato confiável de resultados; e 8) a adequação das análises estatísticas (Peters et al., 2015). Cada questão da checklist é avaliada de acordo com a resposta que melhor reflete o estudo: sim, não, pouco claro ou não aplicável. Para a pontuação final, apenas as respostas ‘sim’ são contabilizadas como pontos positivos. A soma total de respostas ‘sim’ constitui a pontuação final de cada estudo na checklist. Pontuações iguais ou superiores a cinco indicam alta qualidade metodológica, pontuações de quatro a três sugerem um nível moderado, e pontuações iguais ou inferiores a dois apontam para uma qualidade mais baixa (Peters et al., 2015; Xu et al., 2022). Quanto mais próxima de oito for a pontuação, maior é a confiabilidade metodológica e menor o risco de viés nos estudos analisados. Para garantir a objetividade e consistência na avaliação, a análise da qualidade metodológica e risco de viés dos estudos foi realizada por três juízes independentes (A.D.G.T, P.N. F. e S. J.S.O.S).

 

Extração de Dados

Os estudos identificados foram importados para o software de gestão de referências Rayyan, desenvolvido pelo Qatar Computing Research Institute. Este software é composto por cinco dimensões analíticas, incluindo o resumo, palavras-chaves, nome dos autores e das revistas e o tipo de publicação (modalidade de produção científica). A seleção e avaliação desses estudos foram conduzidas de forma independente por dois juízes (A.D.G.T e S.J.S.O.S)

Seguindo os critérios predefinidos de elegibilidade e exclusão, os títulos e os resumos de todos os artigos não duplicados foram submetidos à análise. Em caso de ambiguidade em relação a um artigo, os juízes realizavam uma avaliação minuciosa do texto. Em casos de discordância, era requerida a colaboração de um terceiro pesquisador (L.B.S.O) para assegurar a imparcialidade e a validade do processo de seleção. Os artigos considerados relevantes foram submetidos a uma análise completa do seu conteúdo textual.

Resultados

Resultado da Seleção dos Estudos

A busca inicial nas bases de dados Periódicos Capes, Web of Science, Scopus, PubMed e Embase recuperou um total de 2.556 arquivos (Figura 1). Esses ‘arquivos’ (i.e., todos os documentos inicialmente identificados, incluindo artigos, resumos e outros tipos de publicações) foram encaminhados para análise no software Rayyan, onde uma triagem inicial excluiu os trabalhos duplicados. Subsequentemente, a maioria dos ‘artigos’ (i.e., documentos analisados por título e resumo) foi excluída por não atender aos critérios de refinamento, que exigiam uma correspondência com o foco do presente estudo. Após este processo de seleção e da leitura dos ‘registros’ (i.e., artigos lidos na íntegra e subsequentemente avaliados para verificar se atendem aos critérios de elegibilidade), restaram 19 estudos considerados elegíveis para a inclusão na análise principal. ‘Estudos’ designa o conjunto final de artigos que cumpriram todos os requisitos de elegibilidade.

Resultado das Características dos Estudos

No recorte temporal desta revisão, 2021 destacou-se com nove artigos publicados, representando 47,4% das seleções. Em 2020 e 2019 foram contabilizadas três publicações em cada ano e, em 2018, dois artigos. Os anos de 2014 e 2017 registraram uma publicação cada. Não foram encontradas publicações que atendessem aos critérios de seleção nos anos de 2012, 2013, 2015 e 2016.

Em termos de origem geográfica, a maioria dos artigos foi proveniente dos EUA (n = 9), totalizando 47,3% do total. Também se registraram contribuições da Austrália (n = 3), Canadá (n = 3), Inglaterra (n = 2), Espanha (n = 2) e Colômbia, Itália e Alemanha cada um com uma produção. Três desses estudos foram produzidos em dois países simultaneamente, como o de March et al. (2021) na Austrália e Alemanha; Celsi et al. (2021) nos EUA e Itália; Víllora et al. (2019) na Espanha e Colômbia.

Quanto aos aspectos gerais, oito publicações selecionadas estavam disponíveis apenas em plataformas pagas. O idioma das publicações era majoritariamente em inglês, havendo apenas dois artigos em espanhol (Rubio-Laborda et al., 2021; Víllora et al., 2019). A compreensão do fenômeno pode ter sido influenciada pela especificidade das amostras de conveniência que, em sua maioria, era constituída por jovens universitários e heterossexuais em relacionamentos amorosos.



Figura 1 Fluxograma da Seleção dos Estudos

Quanto à modalidade de produção científica, todos os estudos eram transversais. No tocante ao delineamento, 17 estudos empregaram a metodologia quantitativa, utilizando instrumentos de autorrelato (e.g., Cyber Dating Abuse Questionnare, Partner Cyber Abuse Questionnaire, Digital Dating Abuse, Intimate Partner Cyberstalking Scale), um adotou a abordagem qualitativa (White & Carmody, 2018) e um a abordagem mista (Paulin & Boon, 2021) (Tabela 1).


 

Tabela 1

Sumário dos Estudos Incluídos na Revisão Sistemática de Cyberstalking nos Relacionamentos Românticos

#

Autor

(ano)

País

Delineamento

Participantes

(idade)

Objetivos

Resultados

1

Lee & O’Sullivan (2014)

Canadá

Quantitativo

n = 271

(18–25 anos)

Analisar comportamentos de rastreamento em jovens adultos pós-término de relação íntima.

Cyberstalking: 74% restabeleceram contato com ex-parceiros; 68% pretendem continuar.

2

Marcum et al.

(2017)

EUA

Quantitativo

n = 890

(18–26 anos)

Investigar fatores teóricos que predizem cyberstalking segundo a Teoria Geral do Crime e Aprendizagem Social.

Preditores do Cyberstalking: Baixo autocontrole e associação com pares desviantes.

3

Marcum et al.

(2018)

EUA

Quantitativo

n = 890

(18–27 anos)

Semelhante à pesquisa realizada por Marcum et al. (2017)

Preditor de Cyberstalking: Baixo autocontrole como única variável.

4

White & Carmody (2018)

EUA

Qualitativo

n = 41

(18–31 anos)

Examinar as experiências de estudantes universitários com o assédio online e a perseguição cibernética

Cyberstalking e Vulnerabilidade: Estudantes universitários novos e em busca de relacionamentos em risco.

5

Bhogal et al.

(2019)

Inglaterra

Quantitativo

Estudo 1:  n = 177 Estudo 2: n = 134

Analisar relação entre discrepância de valor do parceiro, competição intrassexual, autoestima e infidelidade com CDA

Correlação com CDA: Discrepância de valor do parceiro como única variável significativa.

6

Deans & Bhogal (2019)

Inglaterra

Quantitativo

n = 189

(M = 19,20 anos)

Examinar preditores de CDA: agressão (verbal, física, raiva, hostilidade), ciúme romântico (emocional, cognitivo, comportamental) e sexo.

Preditores do CDA: Agressão, ciúmes comportamentais e sexo.

7

Villora et al.

(2019)

Espanha

Quantitativo

n = 1.657

(18–42 anos)

Analisar prevalência do CDA com variáveis sociodemográficas, mitos do amor romântico, uso excessivo de celular e aceitação da violência.

Preditores do CDA: Todas as variáveis citadas.

8

Curry & Zavala

(2020)

EUA

Quantitativo

n = 310 universitários

(18–58 anos)

Compreender vitimização e perpetração de CDA segundo as teorias da Tensão Geral, Aprendizado Social e Autocontrole.

CDA: Vitimização explicada pela Teoria de Tensão Geral e Aprendizagem Social; perpetração pela Teoria da Tensão Geral.

9

Lancaster et al.

(2020)

EUA

Quantitativo

n = 177

(M = 20,74 anos)

Examinar se apego inseguro e evitativo moderam relação entre CDA e qualidade dos relacionamentos.

CDA e Qualidade dos Relacionamentos: Estilos de apego evitativo e ansioso não moderaram a relação.

10

March et al.

(2020)

Austrália

Quantitativo

n = 405

(M = 24,67 anos)

Analisar cyberstalking controlador em relacionamentos românticos e explorar correlações entre gênero e traços da Dark Triad.

Perpetração de Cyberstalking: Narcisismo e sadismo em mulheres; psicopatia em homens.

11

Ahlgrim & Terrance (2021)

EUA

Quantitativo

n = 245

(18–74 anos)

Analisar influência do gênero do agressor e tipo de relação (antigos parceiros ou estranhos) na percepção do cyberstalking.

Influência do Gênero no Cyberstalking: Homens vítimas mais culpabilizados e suas denúncias consideradas menos legítimas.

Nota. CDA = Cyber Dating Abuse.

12

Branson & March (2021)

Austrália

Quantitativo

n = 817

(18–73 anos)

Examinar ciúmes, hostilidade, narcisismo e psicopatia como preditores de CDA.

Preditores da Perpetração de CDA: Ciúmes, narcisismo e psicopatia.

13

Celsi et al. (2021)

Itália e EUA

Quantitativo

n = 134 casais universitários

(18–30 anos)

Examinar experiências adversas e esquemas mal adaptativos na infância como preditores de perpetração e vitimização do CDA.

Perpetração de CDA: Correlação positiva com experiências adversas e esquemas de privação emocional.

14

Duerksen & Woodin (2021)

Canadá

Quantitativo

n = 278

(17–25 anos)

Averiguar influência da vitimização de CDA no funcionamento psicossocial e mediação pelo gênero.

Vitimização por CDA: Associada a aumento do consumo de álcool em ambos os gêneros; mulheres relataram mais medo do parceiro.

15

Fissel

(2021)

EUA

Quantitativo

n = 477

(18–25 anos)

Examinar como a gravidade dos comportamentos e o tipo de relação vítima-ofensor afetam a disposição para denunciar o cyberstalking e buscar assistência.

Denúncias de CDA: Mais prováveis com a gravidade das ofensas e duração prolongada, especialmente contra parceiros românticos atuais.

16

March et al. (2021)

Austrália e Alemanha

Quantitativo

n = 415

(18–74 anos)

Examinar se gênero, masculinidade hegemônica, narcisismo e mitos de agressão sexual preveem perpetração de CDA.

 Preditores de Perpetração de CDA: Masculinidade hegemônica, narcisismo e mitos de agressão sexual.

17

Paulin & Boon

(2021)

Canadá

Misto

n = 856

(15–75 anos)

Examinar prevalência de comportamentos vingativos nas mídias sociais e a experiência de CDA em diferentes tipos de relacionamento (profissional, familiar, de amizade e romântico).

Comportamento nas Redes Sociais: Observação de vingança mais frequente; controle e monitoramento virtual predominam entre parceiros românticos.

18

Ramos et al.

(2021)

EUA

Quantitativo

n = 359

(18–27 anos)

Verificar relação entre histórico de agressão familiar e CDA, e se tomada de perspectiva, empatia e gênero mediam essa relação.

Violência Intergeracional e Agressão Eletrônica: Maior em relacionamentos românticos, mas atenuada por tomada de perspectiva e empatia, mesmo em contextos familiares violentos.

19

Rubio-Laborda et al. (2021)

Espanha

Quantitativo

n = 1.269 (Millennials: 19‑38 anos

Geração X: 39–54 anos)

Identificar características da violência sexista nas gerações tecnológicas (Millennials e Geração X)

Cyberstalking e Millennials: Associação significativa; uso de drogas aumenta risco de sofrer e praticar a conduta.

Nota. CDA = Cyber Dating Abuse.

 

Resultado da Avaliação de Qualidade

Na avaliação da qualidade metodológica dos dezenove estudos analisados nesta revisão, a média de pontuação foi 5,8, variando de três a oito pontos (Tabela 2). Dezesseis estudos obtiveram pontuações altas, indicativas de um alto nível de evidência e baixo risco de viés, aproximando-se ou atingindo a pontuação máxima. Apesar das avaliações positivas, três estudos obtiveram pontuações moderadas, sugerindo a presença mais acentuada de vieses de seleção (E11, E1, E17; respectivamente, Ahlgrim & Terrance, 2021; Lee & O’Sullivan, 2014; Paulin & Boon, 2021).

 Estes vieses foram observados especialmente nos itens relacionados à clareza dos critérios de inclusão, à validade e confiabilidade das medidas utilizadas, à identificação de fatores de confusão e à validade e confiabilidade dos resultados obtidos a partir das medidas. Salienta-se que o estudo de Ahlgrim e Terrance (2021) apresentou um risco adicional de viés na Questão 6, relacionado às estratégias empregadas para lidar com fatores de confusão. O estudo de Paulin e Boon (2021) demonstrou, adicionalmente, um risco de viés na Questão 4, referente a verificação da padronização das medidas utilizadas.

 

Tabela 2

Avaliação da Qualidade Metodológica dos Estudos Incluídos

Estudos

JBI-ACACSS

Escores

Q1

Q2

Q3

Q4

Q5

Q6

Q7

Q8

E1

N

S

I

S

N

S

I

S

4

E2

N

N

S

S

N

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5

E3

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N

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5

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I

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6

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N

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7

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7

E7

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8

E8

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I

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6

E9

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6

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6

E11

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N

N

N

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3

E12

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7

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8

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I

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6

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S

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5

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5

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N

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I

I

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S

I

S

4

E18

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S

N

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7

E19

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S

S

S

N

S

S

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Nota. JBI-ACACSS = Joanna Briggs Institute Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies. Sim = S; Não = N; I = Incerto; Não se Aplica = NA. Q1 = Os critérios para inclusão na amostra foram claramente definidos? Q2 = Os sujeitos do estudo e o ambiente foram descritos em detalhes? Q3 = A exposição foi medida de uma maneira válida e confiável? Q4 = Foram utilizados critérios objetivos e padrão para medição da condição? Q5 = Foram identificados fatores de confusão? Q6 = Foram estabelecidas estratégias para lidar com fatores de confusão? Q7 = Os resultados foram medidos de uma maneira válida e confiável? Q8 = Foi utilizada uma análise estatística apropriada?

 

Discussão   

A presente revisão sistemática teve como objetivo principal mapear os estudos empíricos sobre o cyberstalking em relacionamentos românticos e contextualizar teoricamente essa variável com seus possíveis correlatos, especialmente à luz dos construtos da psicologia.

Nota-se uma expansão do tema, o que pode ser atribuído ao atravessamento da pandemia da Covid-19. As restrições impostas pela pandemia limitaram o acesso a espaços públicos, tornando mais difícil para os perseguidores contatarem fisicamente suas vítimas, possivelmente impulsionando a adoção da perseguição cibernética como alternativa (Bracewell et al., 2022). Concomitantemente, houve um aumento no compartilhamento de informações pessoais na internet, como estratégia para mitigar os sentimentos de isolamento (Bracewell et al., 2022).

Com relação a produção científica sobre o tema, destaca-se a liderança dos EUA que pode ser atribuída ao pioneirismo do país na tipificação criminal do stalking e cyberstalking na década de 1990 (Smoker & March, 2017). Não obstante, é importante ressaltar que a disponibilidade dos artigos majoritariamente em inglês e em plataformas pagas pode estar representando um desafio para o avanço e o aprofundamento da área.

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos evidenciou que a maioria deles possui um alto nível de qualidade metodológica. Isso sugere um robusto nível de evidência e um risco reduzido de viés, contribuindo para aumentar a confiança nos resultados obtidos e na validação das conclusões aqui encontradas. Entretanto, três estudos (Ahlgrim & Terrance, 2021; Lee & O’Sullivan, 2014; Paulin & Boon, 2021) obtiveram pontuações moderadas, mas foram mantidos na revisão pela singularidade de suas perspectivas e relevância dos dados. Esta decisão contribui para a transparência do processo de revisão e possibilita a identificação de lacunas na pesquisa, permitindo direcionar futuras investigações de forma mais precisa.

Na análise dos estudos revisados, revelou-se que variáveis tecnológicas e socioculturais podem influenciar tanto a perpetração quanto a vitimização do cyberstalking em relacionamentos amorosos, evidenciando a sua bidirecionalidade. Essa característica refere-se à natureza recíproca do fenômeno, na qual ambas as partes podem desempenhar papéis ativos; ou seja, quem pratica a perseguição e quem é alvo dela podem estar envolvidos em interações que perpetuam esse comportamento. Villora et al. (2019) destacaram a associação entre o avanço tecnológico e essa bidirecionalidade, ao observar que o aumento do uso de celulares facilitou o compartilhamento de informações pessoais pelas vítimas, porém criou oportunidades para abusos por parte dos cyberstalkers.

A bidirecionalidade do cyberstalking pode ser compreendida sob uma perspectiva sociocultural, estando positivamente associada à masculinidade hegemônica, crenças do amor romântico e aceitação da violência. A cultura da masculinidade hegemônica, enraizada na sociedade, pode ser expressa através das crenças do amor romântico, influenciando os cyberstalkers a legitimar ou a minimizar suas ações (March et al., 2021). Tais padrões culturais moldam a percepção do fenômeno quanto às estratégias de enfrentamento das vítimas, levando-as a aceitar essa violência e internalizar a ideia de que foram responsáveis por provocá-la (Villora et al., 2019).

Dentro do escopo dos estudos revisados também foi identificada uma ênfase na compreensão das motivações dos cyberstalkers. Preditores sociais, como a discrepância no valor do parceiro e a exposição aos maus-tratos na infância emergiram como fatores motivacionais. Essa discrepância pode refletir a diferença na avaliação das características do parceiro em relação a si mesmo, levando indivíduos com autopercepção negativa a temer a perda do parceiro e recorrer ao cyberstalking como forma de controle. Ademais, a exposição a maus-tratos na infância pode gerar padrões afetivos desadaptativos, como medo de abandono, alimentando a necessidade de controle o qual é expresso por meio da perseguição cibernética.

Os atributos individuais são igualmente relevantes para compreender as razões subjacentes à perpetração do cyberstalking. Os achados indicam que indivíduos que experimentam sentimentos de ciúmes e hostilidade são mais propensos a perseguir pelo receio de serem substituídos nos relacionamentos românticos (Deans & Bhogal, 2019; March et al., 2021). Adicionalmente, a Tríade Sombria (Dark triad), constituída por narcisismo, psicopatia e maquiavelismo, tem sido utilizada para analisar esse comportamento (Branso & March, 2021; March et al., 2020). Foi verificado que indivíduos com altos níveis desses traços, independentemente do sexo, são motivados pela sensibilidade à rejeição, satisfação de causar danos e busca impulsiva por emoções (Branson & March, 2021; March et al., 2020; March et al., 2021).

Especificamente, a busca por emoções pelos cyberstalkers é interpretada pela Teoria Geral do Crime como um atributo individual de autocontrole, especialmente, quando o autocontrole é baixo. No estudo de Marcum et al. (2017), com 890 participantes, observou-se que aqueles com baixo autocontrole apresentavam maior inclinação a invadir as redes sociais de seus parceiros para exercer controle sobre o relacionamento, sem considerar as consequências a longo prazo. Ademais, o baixo autocontrole frequentemente resulta em respostas inadequadas diante de situações de tensão (Curry & Zavala, 2020). De acordo com a Teoria da Tensão Geral (Agnew, 1992), a propensão ao comportamento criminoso aumenta quando indivíduos enfrentam situações estressantes, levando-os a adotar mecanismos prejudiciais para lidar com essa tensão, muitas vezes culpando as vítimas pelas circunstâncias. Ao recorrer ao cyberstalking como uma forma de aliviar a tensão, o agressor se expõe ao risco de ser vitimizado, já que as vítimas podem perceber essas ações como injustas, o que pode motivá-las a buscar vingança (Curry & Zavala, 2020). Desse modo, essa dinâmica entre agressor e vítima perpetua um ciclo de violência que pode resultar em danos extremos, como o suicídio.

Apesar do seu potencial ofensivo, a percepção do cyberstalking como crime é influenciada pelas interações sociais, conforme a Teoria Da Aprendizagem Social. Quando as pessoas estão inseridas em grupos sociais que normalizam o cyberstalking como parte dos relacionamentos amorosos, aumenta a probabilidade de se envolverem na sua prática ou de se tornarem vítimas. Esse dado é preocupante, sobretudo em um contexto em que o Brasil demonstra uma cultura de normalização dos relacionamentos abusivos (Agostini et al., 2021) e onde os crimes cometidos online frequentemente estão relacionados à violência contra a mulher (Almeida & Zaganelli, 2021).

Na literatura internacional, a percepção do cyberstalking, especialmente em termos de sua legitimidade, tem sido discutida em função das variáveis sociodemográficas, como sexo e idade. De acordo com March et al. (2020) e Víllora et al. (2019), quando as mulheres são identificadas como principais cyberstalkers, tendem a adotar ações discretas, como a leitura de e-mails (March et al., 2020; Víllora et al., 2019). Entretanto, a maioria das pesquisas sobre o cyberstalking concentra-se nos homens como principais perpetradores, perpetuando o estereótipo social que associa controle à masculinidade (Ahlgrim & Terrance, 2021; Deans & Bhogal, 2019). Assim, o cyberstalking praticado por homens é percebido como mais ameaçador, enquanto o realizada por mulheres é visto como algo trivial nos relacionamentos. Quanto à idade, os jovens adultos, entre 18 a 30 anos, têm maior probabilidade de serem vítimas e de perpetradores do cyberstalking do que de outras faixas etárias, devido a sua intensa atividade nas redes sociais, frequentemente usadas para chamar a atenção de interesses românticos (Rubio-Laborda et al., 2021; Víllora et al., 2019).

Em geral, a maioria dos estudos selecionados revelou uma predominância na análise dos agressores, enquanto as experiências das vítimas receberam menos atenção dos pesquisadores. Especificamente, notou-se uma lacuna na investigação das estratégias disponíveis para as vítimas lidarem adequadamente com a situação. Um dado preocupante, apontado por Duerksen e Woodin (2021) e Rubio-Laborda et al. (2021), sugere que o consumo de álcool pode ser uma estratégia adotada por algumas vítimas como uma forma de enfrentamento, para reduzir ou evitar a reflexão sobre a experiência de ser perseguida.  Além disso, observa-se que as vítimas tendem a buscar preferencialmente ajuda de fontes informais, como amigos e familiares, ao invés de recorrerem às autoridades policiais para reportar o cyberstalking. É notório que as denúncias feitas às autoridades formais estão relacionadas a um padrão mais acentuado de perseguição, quando há prejuízos financeiros e profissionais e quando os cyberstalkers são pessoas mais próximas, o que enfatiza a urgência de maior proteção à vítima (Fissel, 2021).

No tocante das intervenções, a prevenção se mostra crucial na redução de casos de perpetração e vitimização do cyberstalking. Na pesquisa de White e Carmody (2018), constatou-se que estratégias envolvendo educação presencial, interações entre pares e orientação por indivíduos experientes sobre o tema foram mais efetivas no combate a essa violência por parceiro íntimo, em contraposição à mera divulgação de informações online sobre o assunto. Torna-se essencial desenvolver intervenções que forneçam esclarecimentos sobre os limites entre uma busca comum e comportamentos de perseguição. Essa clareza é importante, dado que muitas vezes as pessoas testemunham casos de cyberstalking sem denunciá-los (Paulin & Boon, 2021). Além disso, reconhece-se que os comportamentos de perseguição podem se tornar mais invasivos, especialmente após os términos de relacionamentos, podendo evoluir para perseguição física quando as tentativas de contato online não obtêm sucesso.

 

Implicações Práticas

Os achados deste estudo oferecem importantes insights sobre o fenômeno do cyberstalking nos relacionamentos românticos, embora os dados não sejam específicos para o contexto brasileiro. Todavia, as descobertas encontradas têm relevância e aplicabilidade para o Brasil, dada a natureza global do cyberstalking e a semelhança dos padrões observados em diferentes contextos culturais.

Inicialmente, destaca-se a importância prática dessa revisão para a esfera acadêmica, visto que, no geral, a disponibilidade dos artigos ocorre de forma paga e predominantemente no idioma inglês, o que pode representar um desafio para o avanço e o aprofundamento da área. Nesse sentido, a disponibilidade dessa revisão em português contribui para a democratização do conhecimento científico, fortalecendo a capacidade da comunidade brasileira de identificar e enfrentar esse crime.

Ademais, elenca-se a contribuição da natureza bidirecional dos cyberstalking nos relacionamentos românticos. Esse entendimento evita uma abordagem unilateral que poderia resultar no desenvolvimento de intervenções inadequadas ou estigmatizadas, revelando a necessidade de abordar ambas as perspectivas em políticas de prevenção e intervenção no Brasil.

Considerar a análise dos preditores também é importante para o desenvolvimento de estratégias mais direcionadas e eficazes na promoção de relacionamentos saudáveis e seguros tanto online quanto offline. No que tange aos resultados das variáveis preditoras da tecnologia e sociocultural, destaca-se a importância de adotar estratégias que promovam a conscientização e a educação digital. Isso envolve não apenas informar as pessoas sobre os riscos do cyberstalking, mas também ajudar os usuários das redes sociais a desconstruir estereótipos de gênero e fornecer orientações sobre como proteger sua privacidade e segurança online. Por exemplo, programas educacionais podem ser implementados nas universidades para ensinar aos jovens (que foram vistos como possíveis agressores e vítimas) sobre o uso responsável da tecnologia e como reconhecer comportamentos de cyberstalking.

Os achados sobre as motivações subjacentes do cyberstalking e as características dos agressores também destacam a importância de promover habilidades sociais, regulação emocional e resolução de conflitos saudáveis desde cedo. Especificamente, os psicólogos podem contribuir elaborando o perfil psicológico dos cyberstalkers, coletando informações sobre traços de personalidade, afetivos e emocionais (Kaur et al., 2021). Os psicólogos também podem oferecer auxílio aos agressores, orientando-os na compreensão de suas ações para desenvolverem relacionamentos românticos mais saudáveis. Igualmente, esses profissionais têm a possibilidade de prestar apoio às vítimas para lidar com as consequências psicológicas, financeiras e profissionais sofridas.

Nesse sentido, em relação a vitimização, o presente estudo destaca que é necessário estabelecer um ambiente seguro e confiável para que as vítimas possam buscar apoio e denunciar casos de violência online. Conforme demonstrado anteriormente, a relutância das vítimas em relatar casos de cyberstalking e sua preferência por buscar ajuda informal revelam a urgência na implementação de mecanismos eficazes de suporte e proteção. O fato é que a maioria dos estudos revisados são originários dos EUA e países europeus, em que a tipificação criminal do fenômeno foi estabelecida na década de 1990 (Smoker & March, 2017), enquanto no Brasil a regulação jurídica foi efetivada em 2021, por meio da Lei nº 14.132 (Prever o crime de perseguição). Essa disparidade sugere que as estratégias empregadas pelas vítimas brasileiras podem ser ainda mais inadequadas do que as utilizadas em outros contextos. Portanto, a presente revisão não apenas fornece um ponto de partida ao pontuar os padrões de comportamento das vítimas e propostas de prevenção, mas também destaca a aplicabilidade dessas descobertas para a população brasileira.

Conclusão

O cyberstalking nos relacionamentos românticos é um fenômeno complexo e crescente, representando um grave problema social (Silva et al., 2021). Esta revisão sistemática oferece um panorama acerca de como o fenômeno tem sido estudado nos últimos anos, de modo a suprir a escassez de estudos desse tipo na literatura, sobretudo em língua portuguesa. Os estudos selecionados são relevantes para a psicologia, abordando contribuições de construtos da psicologia social, incluindo modelos teóricos e preditores sociais e individuais. Ademais, houve contribuições da área da psicologia evolucionista, ao examinar o conceito de discrepância no valor do parceiro. Essas descobertas são fundamentais para orientar intervenções nos âmbitos social, jurídico e virtual, visando reduzir comportamentos de perseguição, especialmente, em fases relacionais precoces.

Apesar de evidências favoráveis, os resultados desta pesquisa devem ser interpretados no contexto de quatro importantes limitações: 1) as palavras-chaves, as plataformas de pesquisa (Periódicos Capes) e os critérios de refinamento escolhidos podem ter inviabilizado a identificação de estudos relevantes; 2) a falta de pesquisas longitudinais impossibilitou inferências de relações causais; 3) ausência de amostras com participantes brasileiros nos estudos selecionados, limita a aplicação dos resultados à realidade nacional; e 4) carência de estudos sobre o papel do psicólogo nesse contexto.

Sugere-se ampliar o escopo dos estudos para períodos superiores a uma década, explorar termos de busca em outros idiomas e considerar novas plataformas de busca. Devido à natureza contínua da perseguição, recomenda-se a realização de estudos qualitativos, mistos e longitudinais, especialmente, com amostras clínicas de vítimas e cyberstalkers. Além disso, é importante desenvolver pesquisas que examinem o papel da psicologia na promoção de um uso saudável da internet com foco na realidade brasileira visto que as taxas de incidência desse crime ainda são desconhecidas.

 

 

Agradecimentos e Autoria

Agradecimentos: Agradecemos às seguintes instituições: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de Mestrado e Doutorado a primeira e quarta autoras, respectivamente.

Conflito de interesses: Os autores não indicaram quaisquer conflitos de interesse.

Fontes de financiamento: Este estudo não recebeu qualquer financiamento específico.

Contributos: ADGT: Conceptualização; Metodologia; Investigação; Redação – Rascunho Original; Visualização; PNF: Conceptualização; Metodologia; Redação – Rascunho Original; Redação – Revisão & Edição; Supervisão; Gestão de Projeto; SJSOS:Conceptualização; Metodologia; Investigação; Redação – Rascunho Original; Visualização; LBSO: Conceptualização; Redação – Revisão & Edição.

 

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