2017, Vol. 3(2): 21-31

 

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Treino e reforço de competências em doentes renais crónicos em hemodiálise – O Programa “Acredita+ e Segue”: Resultados preliminares

 

 

Artigo Original   

 

Marta Freitas Olim , Luis Carrasco , Joana Pimenta , Filipa Silva , Susana Torres , Joana Dantas

 

https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2017.3.2.56

 

Recebido 07 junho 2017

Aceite 05 setembro 2017

 

 

ÍNDICE

RESUMO

INTRODUÇÃO

MÉTODO

RESULTADOS

DISCUSSÃO

REFERÊNCIAS

 

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RESUMO

Objetivo: O presente estudo apresenta os resultados preliminares e descreve a estrutura de um programa de treino e reforço de competências assente numa metodologia de Serviço Social de grupo, realizado a partir das necessidades de doentes renais crónicos em tratamento de hemodiálise. O objetivo do programa é promover a integração da doença e do seu tratamento, de forma positiva, bem como a promoção de hábitos de vida saudáveis com impacte favorável no projeto de vida dos doentes, nomeadamente no estado atual da sua ocupação.

Participantes: Trinta pessoas participaram voluntariamente no programa (16 homens e 14 mulheres), com idades compreendidas entre os 26 anos e os 77 anos (M = 49,6; DP ± 14,88), sem qualquer tipo de ocupação.

Método: Foram realizadas quatro edições em diferentes zonas do país. Cada edição contemplou um grupo heterogéneo, de entre sete a nove doentes renais crónicos, a realizar tratamento de hemodiálise em clínicas em Portugal. Cada edição contemplou seis sessões bissemanais. Nestas foram avaliados o nível de participação, a permanência no programa, e a eficácia na alteração da situação ocupacional pós-programa, tendo-se monitorizado a adesão à resposta ocupacional durante um ano.

Resultados: No final desta fase preliminar do programa, 50% dos participantes integraram resposta ocupacional. Constatou-se uma adesão total dos participantes às sessões de forma ativa e continuada, não se registando desistências. A formação é a resposta ocupacional com maior número de adesões, cerca de 27%, em detrimento das outras alternativas, como o emprego, voluntariado ou atividade física formalizada.

Conclusão: Este programa enfatiza a ocupação como fator primordial na reabilitação clínica e inserção social desta população na sociedade, com benefícios psicossociais claros para os participantes. Pretendemos com este programa contribuir com uma metodologia de intervenção inovadora e com impacte a utilizar nesta população, introduzindo novos desafios à prática do Serviço Social.

 

Palavras chave: Serviço Social de Grupos · Doença Renal Crónica · Hemodiálise · Ocupação

 

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INTRODUÇÃO

 

A doença renal crónica encontra-se em franco crescimento no mundo. Estima-se que cerca de quinhentos milhões de pessoas padecem desta doença, sendo que um milhão e meio se encontra em programa regular de diálise (Nathan, 2016). A incidência da doença em Portugal é igualmente expressiva. Neste momento, diagnosticados em diferentes fases de tratamento, existem, segundo um estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Nefrologia em 2016, cerca de 18.928 doentes, sendo Portugal o país da Europa com maior taxa de incidência de doentes renais. Deste universo, cerca de 11.514 encontram-se em programa regular de hemodiálise (Macário, 2016).

A doença renal crónica é uma doença provocada pela deterioração lenta e irreversível da função renal, decorrente maioritariamente de um conjunto de doenças subjacentes, nomeadamente a hipertensão arterial, a diabetes mellitus, as glomerulonefrites crónicas e algumas doenças hereditárias. Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (2016), “as doenças crónicas são permanentes, produzem incapacidade/deficiências residuais, são causadas por alterações patológicas irreversíveis, exigem uma formação especial do doente para a reabilitação, ou podem exigir longos períodos de supervisão, observação ou cuidados”.

Esta doença e seus tratamentos confinam o doente a uma realidade totalmente nova que vai prolongar-se indefinidamente. Existem, assim, quatro fatores fundamentais para caracterizá-la (Olim, 2012, p. 5):

1) “Tempo: a doença prolonga-se no tempo, tendo continuidade, além de que exige simultaneamente, tempo (internamentos e tratamentos), que tem de ser forçosamente gerido;

2) Gravidade: não se trata de um episódio agudo que pode naturalmente ser curado. Trata-se de uma doença incurável, irreversível e por isso continuamente investigada, podendo surgir incerteza quanto à terapêutica medicamentosa a adotar;

3) Ambivalência: que resulta da impossibilidade de o doente prever as situações de risco, o que gera instabilidade na pessoa doente;

4) Imprevisibilidade: Pode aparecer em qualquer etapa do ciclo de vida do indivíduo e a sua incidência é cada vez maior na população.”

Por todas estas condicionantes, a doença renal crónica é um desafio enorme que envolve não só o doente e sua família, mas também a sociedade em geral, o que obriga a um entendimento da doença de uma forma diversificada e abrangente, exigindo um modelo amplo, agregador de todas as suas diferentes dimensões, sem ruturas, impondo assim uma visão sistémica. Esta visão respeita a interdependência dos diferentes sistemas: biológico, psicológico, social, familiar e comunitário atribuindo um significado integrado a cada um dos elementos (Rolland & Williams, 2005).

O dialisado crónico vive uma situação complexa e singular. O doente renal crónico vive dependente de um tratamento, na esperança de um hipotético transplante, confrontando-se permanentemente com um futuro incerto. O seu presente é marcado por uma série de constrangimentos e exigências que interferem em diversas áreas da sua vida ao nível social, psicológico, familiar e profissional, com significado na forma como se vê e na forma como é visto pelos outros, com repercussões na relação consigo próprio e na relação com os outros (Almeida, 1985).

Confrontado com um cenário de novas prioridades e obrigações, o doente renal crónico está naturalmente implicado no seu próprio processo de ajustamento à doença. O processo de adaptação contempla diferentes estratégias, mecanismos que se traduzem em recursos internos e externos, que atuam com o intuito de compensar uma situação de instabilidade e desconforto, representada tanto pela doença como pelo tratamento (Olim, 2012).

Todos estes fatores sugerem que o doente renal crónico sofre múltiplas ameaças ao seu self, nomeadamente, a possibilidade efetiva de morte, as perturbações da imagem corporal e da integridade do corpo, modificação pronunciada dos seus papéis sociais e do seu funcionamento na família, emprego e vida social (Lume, 1986). Estas múltiplas ameaças são encaradas como perdas para o doente, sendo associados ao desencadeando de quadros depressivos. A depressão surge em 20% a 30% destes doentes num contexto de múltiplos fatores preditores de stress, nomeadamente, agravamento do estado clínico, da dependência funcional, de papéis sociais, estatuto na família, constrangimentos dietéticos; condicionamento de tempo associado ao tratamento, mudanças do comportamento sexual e perda de oportunidades de trabalho (Cukor, Coplan, Brown, Peterson, & Kimmel, 2007; Untas et al., 2010). Também se encontram igualmente restringidas ou muito dificultadas as atitudes compensadoras da depressão como comer, beber e outras, o que fragiliza ainda mais o doente (Cohen et al., 2007).

Todas estas alterações evidenciam o reajustamento do doente às repercussões e vicissitudes que a doença/tratamento abarcam. Seria pouco provável que estes doentes não apresentassem qualquer reação e vivessem passivamente este processo (Almeida, 1985). Outro aspeto importante é o condicionamento sentido pelo doente que se traduz numa menor participação social. Heiwe, Clyne e Dahlgren (2003) referem no seu estudo que a indução de tratamento dialítico compromete significativamente a participação dos doentes em atividades sociais. De facto, segundo os autores, os doentes referem muitas vezes dificuldades em participar em atividades simples, invocando a fadiga mental e física e stress temporal relacionado com o facto de estarem comprometidos com um tratamento que inviabiliza este tipo de iniciativas de cariz social.

Cohen et al. (2007) reforçam a importância do suporte social nestes doentes e como este afeta significativamente resultados clínicos como a depressão, melhora a sua perceção em relação à qualidade de vida, aumenta o acesso aos serviços de saúde, afeta positivamente o estado psicológico e tem impacte no sistema imunitário, melhorando significativamente a adesão dos mesmos ao tratamento dialítico.

Lage (2008) alerta-nos para o facto de o tratamento de diálise condicionar o quadro de referência temporal habitual, sentindo os doentes perdas de oportunidade ao nível socioprofissional. Almeida (1985) sublinha que as manifestações resultantes destas perdas variam naturalmente de pessoa para pessoa. Algumas pessoas deprimem-se, outras conseguem tirar ganhos secundários das suas incapacidades e, finalmente, alguns doentes procedem a um sobreinvestimento na sua vida social e profissional.

Muitos dos doentes sentem-se incapazes de trabalhar, decorrendo dessa situação a perda de estatuto profissional e de reconhecimento de um papel social e familiar muito próprio e gratificante com os quais viviam o seu quotidiano. Surgem, então, problemas financeiros associados à diminuição de rendimentos decorrentes de situação de baixa prolongada, perda de emprego, reforma antecipada e/ou aumento de despesas relacionadas com a saúde (Olim, 2013).

Muehrer et al. (2011) referem no seu estudo que o rácio de população desempregada em tratamento de diálise é maior que na população em geral. No seu estudo realizado nos Estados Unidos, referem que apenas 10% se encontram empregados, contribuindo para esta situação determinados fatores como a etiologia da doença, fatores psicológicos, destacando-se a depressão e a ansiedade, autoestima e fatores de proteção social. Os autores ressaltam o facto de doentes com insuficiência cardíaca e com diabetes estarem menos aptos para o trabalho que doentes com outras etiologias como doença poliquística, nefropatias de origem obstrutiva, glomerulonefrites. Outro fator que destacam é a proteção social. Doentes com uma proteção social satisfatória têm menor apetência para regressarem ao mercado de trabalho. O género foi uma variável pouco significativa relativamente à manutenção de trabalho.

Neste estudo constatou-se ainda que, quer a diálise peritoneal manual, quer a automática, eram intrinsecamente mais work-friendly que a hemodiálise. Numa amostra de 102 doentes que iniciaram diálise tentou perceber-se quais os que mantiveram o emprego que tinham antes de iniciarem o tratamento. Apurou-se que 73% dos doentes que faziam diálise peritoneal automática mantiveram o seu trabalho, 68% dos doentes que realizavam diálise peritoneal manual mantiveram igualmente a sua atividade profissional e apenas 57% dos doentes que realizavam hemodiálise continuaram a trabalhar. Os doentes que realizam hemodiálise e os que realizam diálise peritoneal, seja manual ou automática, sentem-se condicionados pelo tratamento, pelas intercorrências experienciadas tanto durante o tratamento como após o mesmo. Este tipo de intercorrências está relacionado com desconforto, prostração e fadiga, sendo condicionador das atividades de vida diária, sobretudo, em termos profissionais (Muehrer et al., 2011).

Segundo Olim (2013), existem doentes que são discriminados quando tentam voltar ao mercado de trabalho pós-diagnóstico da doença e a realizarem tratamento de hemodiálise, o que vem ampliar sentimentos de insegurança motivada pela angústia/ansiedade que sentem pelo facto de se sentirem diferentes, com menos capacidade ou disponibilidade física ou psicológica para trabalhar. Estes sentimentos transformam-se em resistências sérias que os impossibilitam de voltar ao trabalho ou de participarem em qualquer outra atividade social.

Com estes estudos, percebemos que os fatores psicossociais estão intimamente relacionados com a possibilidade de regresso ao mercado de trabalho e/ou reingresso em atividades sociais.

Curtin, Oberley, Sacksteder e Friedman (1996) referem num estudo comparativo entre doente empregados e desempregados em tratamento de hemodiálise que os doentes empregados sentem não estar condicionados pela doença enquanto trabalham, registando-se atitudes mais positivas em relação à doença/tratamento quando se compara com os que estão desempregados, repercutindo-se este posicionamento mais positivo na qualidade de vida dos que têm uma ocupação profissional.

Todas estas condicionantes exigem ao Serviço Social uma intervenção que contemple todas estas dimensões (biopsicossocial e cultural), assentando a sua atividade “no acompanhamento psicossocial ao indivíduo, “sua família, e outros membros da rede pessoal de suporte, e a grupos sociais-alvo. O acompanhamento psicossocial, nas suas vertentes, é um processo interventivo, baseado na relação profissional de compreensão e compromisso mútuos, para promover a autonomia de decisão informada, fomentar a intersubjetividade emocional e funcional do individuo e sua família ou grupo, capacitar a interdependência ativa entre as várias redes de pertença e de suporte, reforçar capacidades relacionais, cognitivas, sociais estimulando a assunção de novos papéis ou recriação dos existentes para um bem-estar funcional, isto é efectivo” (Johnson & Corte-Real, 2000, p. 39).

McCool et al. (2011), na sua investigação, realizam um estudo comparativo entre doentes renais crónicos em tratamento de hemodiálise com suporte psicossocial por parte de assistentes sociais com outro grupo de doentes sem qualquer suporte psicossocial e demonstram que o acompanhamento psicossocial a doentes renais crónicos é tão determinante quanto o acompanhamento clínico, tendo impacto direto na sobrevida, hospitalização e mortalidade.

Todas estas evidências contribuíram para um desenho de um projeto no âmbito do Serviço Social, de natureza sistémica, que contemplasse uma vertente informativa/educativa em relação à doença/tratamento, com enfoque na ocupação, variável muito valorizada em diversos estudos por se verificar que doentes com ocupação têm probabilidade de apresentarem uma melhor condição clínica e outcomes mais favoráveis quando comparados com doente sem ocupação e com perfis clínicos semelhantes. Este estudo tem como finalidade avaliar o nível de adesão destes doentes ao Programa “Acredita+ e Segue” que é um programa inovador que contempla a metodologia de Serviço Social de grupos suportada pelo acompanhamento individual.

Objetivos

O presente artigo pretende apresentar os resultados preliminares da implementação do Programa “Acredita+ e Segue”, assentando este numa metodologia de Serviço Social de Grupo. Nesta abordagem reforça-se a interdependência entre as pessoas, a ajuda mútua, visando o crescimento e a mudança de todos os implicados.

O “Acredita+ e Segue” é um programa de treino e reforço de competências pessoais e sociais para doentes renais crónicos em tratamento de hemodiálise, e tem como objetivos a integração da doença/tratamento de forma positiva e a promoção de hábitos de vida saudáveis, através da ocupação dos doentes, seja em termos de emprego, formação, voluntariado e/ou prática formal de exercício físico, com impacto favorável nos seus projetos de vida.

O programa apresenta sessões de grupo de caráter informativo/educativo e de suporte à aquisição ou reforço de competências, pelo que neste estudo tentou apurar-se qual a adesão destes doentes, a eficácia na alteração da situação ocupacional e a real aplicabilidade desta ferramenta na intervenção psicossocial nesta população.

 

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MÉTODO

Participantes e Seleção da Amostra

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa. O grupo de participantes é heterogéneo, com diferentes idades, géneros, etnias, habilitações literárias e diferentes etiologias de doença com antiguidade de tratamento igualmente variável. Participaram no programa de forma voluntária 30 pessoas: 16 Homens e 14 mulheres, entre os 26 anos e os 77 anos com uma média de idades de 49,3 anos, sem qualquer tipo de ocupação (Tabela 1). Foram realizadas quatro edições em diferentes regiões do país. Cada edição contemplou um grupo heterogéneo de sete participantes no mínimo e 9 no máximo, todos eles doentes renais crónicos a realizar tratamento de hemodiálise em clínicas em Portugal.

 

 

 

TABELA 1

Caracterização da Amostra (N = 1369)

 

 

n

%

M(DP)

Mo

Min-Máx

 

 

Sexo

Feminino

14

47

 

Masculino

 

 

 

Masculino

16

53

 

 

 

 

Idade

Anos

30

100

49,6 (14,88)

41

26-77

 

 

Habilitações Académicas

1.º ciclo

8

27

 

2.º ciclo EB

 

 

 

2.º ciclo

9

30

 

 

 

 

3.º ciclo

6

20

 

 

 

 

Secundário

4

13

 

 

 

 

Frequência Universitária

2

7

 

 

 

 

Ensino Superior

1

3

 

 

 

 

Nota. n = número de casos; M = Média; DP = Desvio Padrão; Mo = Moda; Min = Mínimo; Máx = Máximo.

 

 

Importa ainda dizer que o grupo de participantes contemplou pessoas deslocadas ao abrigo dos acordos de saúde. O grupo de participantes teve que, voluntariamente, manifestar um pedido relacionado com a ocupação, isolamento social e/ou perturbações associadas à integração positiva da doença renal crónica e tratamento. Este pedido sobressai a partir do conhecimento profundo da realidade da população em estudo e do seu diagnóstico. Se deste diagnóstico decorrer um pedido transversal, que espelha uma necessidade comum de um conjunto de pessoas doentes relacionado com as problemáticas já anteriormente descritas (falta de ocupação; isolamento social e perturbações de adaptação à doença/tratamento), justifica-se a intervenção de grupo.

Instrumentos e Procedimentos

O estudo utilizou uma tabela de monitorização que nos permitiu avaliar o número de participantes que permaneceu no programa ao longo das sessões. Após o programa, estabeleceu-se um plano ocupacional com cada doente participante onde se registaram as diferentes etapas do seu trajeto individual com vista à ocupação, registando-se ainda as datas e as metas que conseguiu atingir e a sua progressão. Utilizou-se ainda uma tabela que registou a avaliação realizada de três em três meses, durante um ano, que permitiu acompanhar o percurso e permanência do participante na resposta ocupacional. Toda a análise estatística foi realizada utilizando o aplicativo informático Excel, Microsoft.

O Plano de Ocupação preencheu-se com o participante na primeira sessão de monitorização e foi analisado ao longo do tempo. Este instrumento estava dividido em cinco categorias: Objetivos (e.g., Integrar um curso de formação); Ações a desenvolver (e.g., Marcar uma entrevista no GIP); Recursos (e.g., GIP); Calendarização; Avaliação: (e.g., Atingido / Por Atingir/ Não Atingido).

Medidas de Avaliação

A avaliação deste programa contemplou indicadores de ordem quantitativa e de ordem qualitativa que se complementam entre si.

Da avaliação quantitativa focamo-nos nos seguintes itens: 1) Número de participantes e nível de permanência no programa; 2) Número e proporção de participantes ocupados no pós-programa; 3) Número de participantes que mantiveram a ocupação (avaliação trimestral).

Fases do Programa

A realização do Programa “Acredita+ e Segue” assentou em diferentes fases: 1) Exploração; 2) Criação do grupo; 3) Implementação da intervenção de grupo; 4) Sessões de Monitorização e Avaliação.

Fase 1 – Exploração. Nesta fase foram selecionados e entrevistados os potenciais candidatos ao programa. A realização das entrevistas possibilitou o contacto direto com a experiência de cada um e com os significados que atribuem à doença e ao tratamento. É nesta fase que se percebe se existe pedido relacionado com a ocupação e se este é transversal ao grupo. A partir desta identificação começou a desenhar-se o programa de acordo com as necessidades e expetativas dos potenciais candidatos.

Fase 2 – Criação do Grupo. As entrevistas permitiram recolher informações relativas ao perfil dos candidatos, que se revelaram indispensáveis à criação do grupo. Perante os participantes procurou-se um equilíbrio entre a homogeneidade e heterogeneidade grupal. Excluíram-se sujeitos com perturbação mental severa, demência avançada e oligofrenia. Após a seleção das pessoas e da sua aceitação em participar de livre vontade no programa, iniciou-se o processo de motivação do grupo e da equipa interdisciplinar. Procedeu-se, assim, à apresentação e esclarecimentos relativos ao programa, validação de competências e valorização do contributo de cada um para o grupo e prossecução do programa. Nesta fase foi importante a consolidação de uma relação de compromisso em relação à participação no programa, que assentou na empatia e na confiança mútua entre utentes e assistentes sociais. Nesta fase começaram também a ser delineadas parcerias formais locais e a concretizá-las com base nas necessidades e expetativas evidenciadas pelos participantes.

Fase 3 – Implementação da Intervenção de grupo. Esta fase caracterizou-se pela dinamização das sessões que foram planeadas de forma atempada. As sessões resultaram da contemporização das exigências do indivíduo e do desafio trazido pelo próprio grupo, pois o tempo de evolução e de amadurecimento do grupo não coincide necessariamente com o ritmo de mudança dos que o compõem. Os assistentes sociais, através das dinâmicas realizadas, facilitaram o desenvolvimento dos processos individuais e grupais. Apesar de as sessões terem um eixo condutor foram sendo ajustadas às necessidades do grupo. Entre as sessões foi importante motivar cada participante de forma individualizada para que o seu contributo sobressaísse no seio do grupo, devolvendo-se à equipa interdisciplinar alguns dos conteúdos das sessões. As sessões realizaram-se em local fora do espaço da clínica, próximo da localidade onde residiam a maior parte dos participantes, enquadrado em entidades parceiras da comunidade. Tal foi muito relevante, porque retirou as pessoas do espaço onde realizavam o tratamento, centrando-as num contexto diferente onde seriam “mais pessoas e menos doentes”.  

Fase 4 – Monitorização e avaliação do programa. Após as sessões de grupo, continuou-se o reforço de informação e suporte ao participante em acompanhamento individual com vista à sua integração em resposta ocupacional. Este acompanhamento foi feito de forma sistemática e foi avaliado o percurso individual durante um ano. Após finalizada a intervenção em grupo, cada participante foi acompanhado individualmente, de forma sistemática, com o intuito de refletir sobre o significado e impacte do Programa “Acredita+ e Segue” na sua vida. A intervenção individual permitiu igualmente a validação relativa ao reforço de competências após a realização do programa e a estruturação e implementação do plano de vida.

Plano das Sessões

Foram realizadas quatro edições em tempos diferentes. A primeira edição realizou-se em Outubro de 2015 e as outras três realizaram-se em Junho e Novembro de 2016, em meios sociais diferentes: as primeiras duas em meios urbanos em Lisboa e as outras duas em meios mais rurais, na região Norte e Centro do país.

Cada edição contemplou seis sessões, duas vezes por semana por cada grupo, previamente preparadas, conforme as necessidades dos participantes, e assentaram em sessões informativas/educativas e de suporte à aquisição ou reforço de competências. Cada sessão teve a duração de duas horas. As sessões, embora pré-definidas, foram igualmente dinâmicas e flexíveis, permitindo o ajustamento de conteúdos, atribuindo novos significados às narrativas que nos eram devolvidas, para que cada sessão estivesse devidamente enquadrada e fosse ajustada às necessidades que iam surgindo. Constituído o grupo, os assistentes sociais atuavam principalmente como facilitadores, fazendo emergir sentimentos de confiança, desejo de intimidade e coragem para representar papéis desconhecidos ou temidos. Experimentarem outros papéis, num espaço tão securizante foi o primeiro passo para uma mudança mais efetiva na forma de estar e sentir e, sobretudo, na forma como se organizavam mais enquanto pessoas e menos enquanto doentes.

 

 

 

TABELA 2

Plano de Sessões

 

 

Sessão

Componente

Objetivo

 

 

1

Informativa

Apresentar o programa: conteúdo e objetivos. Conhecimento recíproco de todos os participantes. Criar sentimento de grupo.

 

 

2

Suportativa

Explorar o posicionamento face à doença e ao tratamento. Estimular a autoperceção e promover a capacidade de identificar as emoções e favorecer a sua aceitação.

 

 

3

Informativa e Suportativa

Informar relativamente à doença e ao tratamento. Capacitar para uma integração positiva da doença/tratamento.

 

 

4

Suportativa

Perceber a perceção que têm em relação à vivência da doença pela família. Estimular perceções positivas por parte de cada um em relação à família. Criar oportunidade de mudança na dinâmica familiar.

 

 

5

Informativa e Suportativa

Estimular a iniciativa e a proatividade em relação à ocupação e hábitos de vida saudável.

 

 

6

Informativa e Suportativa

Treino e reforço de competências pessoais e sociais. Promover pensamento alternativo. Potenciar um posicionamento diferente face a novas oportunidades.

 

 

 

 

As sessões educativas tiveram como finalidade informar sobre a doença/tratamento, promover um maior envolvimento do mesmo na gestão da doença/tratamento e esclarecê-los relativamente às respostas sociais da comunidade. As sessões com componente de suporte tiveram como função reduzir o stress do impacte da doença, o reconhecimento e a gestão de emoções, de modo a promover estratégias mais eficazes de adaptação à doença/tratamento, tais como a ocupação.

 

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RESULTADOS

 

 

Adesão ao Programa

No fim desta fase preliminar do programa surgem, como principais resultados, a adesão dos diferentes participantes nas quatro edições.

Verificou-se que houve 100% de adesão às sessões em todas as edições do programa. A permanência no programa de forma continuada, sem desistências refletiu a entrega dos participantes a este tipo de atuação. Destaca-se, no caso da 3.ª Edição, um aumento de participantes entre as duas primeiras sessões (de 4 para 7 participantes). Este aumento foi potenciado pela experiência positiva vivenciada pelos participantes já envolvidos que motivaram os restantes para a adesão ao programa.

A participação no programa era totalmente voluntária e a forma como se deslocavam para as sessões foi, igualmente, da responsabilidade de cada um, tendo-o feito pelos seus próprios meios espelhando o interesse no programa e a forma como adquiriu sentido na vida de todos. Outro aspeto a registar, além da assiduidade, é a pontualidade como fator de adesão refletindo, igualmente, o comprometimento de cada um com o programa.

Eficácia na alteração da situação Ocupacional

De todos os participantes que aderiram ao programa, no momento inicial, 96% não apresentavam qualquer ocupação. Verificou-se no pós-programa, como resultado preliminar, que 50% dos participantes tinham alterado a sua situação ocupacional, ou seja, arranjaram emprego, foram admitidos numa formação, integraram trabalho voluntário ou frequentaram de forma formal uma atividade física.

Em relação à situação ocupacional, verificou-se que oito dos trinta participantes enveredaram pela formação profissional, o que correspondeu a 53% do total dos participantes ocupados, quatro por emprego, dois por voluntariado e ainda um por atividade física formalizada, conforme se pode perceber nas Tabelas 3 e 4 e no gráfico da Figura 1.

 

 

 

TABELA 3

Situação Ocupacional por Edição

 

 

 

Pré-Programa

Pós-Programa

 

 

Tipologia

Emprego

Formação

Voluntariado

Atividade Física

Emprego

Formação

Voluntariado

Atividade Física

 

 

Total

1

4

8

2

1

 

 

1.ª Edição

2

5

1

 

 

2.ª Edição

1

1

2

1

1

 

 

3.ª Edição

1

 

 

4.ª Edição

1

 

 

% dentro do total dos ocupados (n = 15)

27%

53%

13%

7%

 

 

% dentro da amostra total (n = 30)

13%

27%

7%

3%

 

 

 

 

 

 

TABELA 4

Situação Ocupacional Pré-Projeto e Pós-Projeto

 

 

 

Pré-Programa

Pós-Programa

 

 

 

n

%

n

%

 

 

 

Ocupação

 

 

 

 

Teste Exato de Fisher

18,044***

 

 

Emprego

4

13,3

 

 

Formação

8

26,6

 

 

Voluntariado

1

3,3

2

6,6

 

 

Atividade Física

1

3,3

 

 

Com ocupação (subtotal)

1

3,3

15

50%

 

 

Sem ocupação (subtotal)

29

96,6

15

50%

 

 

Total

30

100%

30

100%

 

 

Nota. *** p < 0,001.

 

 

 

FIGURA 1. Gráfico da Situação Ocupacional Pré-Projeto e Pós-Projeto. [Clique aqui para abrir]

 

Outro fator pertinente na análise é compreender os fatores que contribuem para a manutenção de cada participante numa resposta ocupacional pós-programa, ao longo do tempo e em que altura fazem o investimento na ocupação. Verifica-se que, à partida, quem não adere logo pós-programa, apresenta dificuldade em aderir à medida que o tempo vai passando e, simultaneamente, percebe-se que os que aderem imediatamente no primeiro e segundo trimestre pós-programa, mantêm, ao longo do tempo, a sua permanência na resposta.

Tratando-se de resultados preliminares, apenas na 1ª edição se podem contemplar os quatro trimestres de avaliação. Na segunda edição contemplam-se dois trimestres e nas últimas duas edições apenas um trimestre, pelo facto de estas edições serem mais recentes. A análise faseada das diferentes edições é pertinente pois permite avaliar a adesão dos participantes à resposta ocupacional em cada trimestre evidenciando singularidades nas diferentes edições e nas próprias zonas onde se realiza.

Na Tabela 5 ressalta-se que a adesão à resposta ocupacional, no primeiro trimestre, é menor em meio rural do que em meio urbano, embora este seja apenas um resultado preliminar que importa explorar pelo tipo de condicionantes implicadas, relacionadas com os recursos sociais disponíveis nos dois meios e o tipo de parcerias realizadas.

Outro resultado que importa verificar é o facto de, na primeira edição do projeto, em que já há pós-programa, passados quatro trimestres, oito em cada nove doentes já esteve integrado numa resposta de ocupação, o que corresponde a uma percentagem de 88,8%, sendo a formação a mais frequente com cerca de 66,6%. Há um caso em que a finalização da ocupação culminou em emprego, no último trimestre, e outro caso em que começou o seu percurso de formação no primeiro trimestre, que interrompeu no terceiro trimestre por agravamento da condição clínica, fator este que não se consegue controlar.

Quando comparada a adesão a uma resposta de ocupação em meio urbano, parece não haver variabilidade com o critério idade, pois todos os participantes, independentemente da faixa etária, conseguem ocupar-se. Os doentes mais velhos que participaram no programa, na 1ª e 2ª edição, optam por ocupações como a formação ou voluntariado em detrimento da resposta emprego. Em meio rural ainda é muito precoce a avaliação nestas duas variáveis, idade versus ocupação, pois a implementação do programa é recente.  

 

 

 

TABELA 5

Rotação Varimax de Componentes Principais da PSS

 

 

ID

Idade

Ocupação Q1

Ocupação Q2

Ocupação Q3

Ocupação Q4

ID

 

 

1ª Edição - Meio Urbano

 

 

P1

26

Sem Ocupação

Sem Ocupação

Emprego

Emprego

P1

 

 

P2

40

Sem Ocupação

Formação

Formação

Formação

P2

 

 

P3

59

Sem Ocupação

Voluntariado

Voluntariado

Voluntariado

P3

 

 

P4

28

Formação

Formação

Formação

Formação

P4

 

 

P5

33

N.A.

N.A.

N.A.

N.A.

P5

 

 

P6

41

Sem Ocupação

Sem Ocupação

Formação

Formação

P6

 

 

P7

44

Formação

Formação

Sem Ocupação

Sem Ocupação

P7

 

 

P8

47

Formação

Formação

N.A.

N.A.

P8

 

 

P9

41

Formação

Formação

Formação

Emprego

P9

 

 

2ª Edição - Meio Urbano

 

 

P10

44

Voluntariado

Emprego

 

 

 

 

 

P11

52

Sem Ocupação

Formação

 

 

 

 

 

P12

30

Sem Ocupação

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

P13

39

Sem Ocupação

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

P14

28

Sem Ocupação

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

P15

29

Formação

Formação

 

 

 

 

 

P16

34

Atividade Física

Atividade Física

 

 

 

 

 

3ª Edição - Meio Rural

 

 

P17

68

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P18

51

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P19

58

Emprego

 

 

 

 

 

 

P20

65

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P21

56

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

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41

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P23

64

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

4ª Edição - Meio Rural

 

 

P24

71

Formação

 

 

 

 

 

 

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58

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

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67

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P27

77

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P28

60

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P29

67

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

P30

68

Sem Ocupação

 

 

 

 

 

 

Nota. Q1 … Q4 = Quartil 1 … Quartil 4; N.A. = Não se Aplica; P1 … P30 – Participante 1 … Participante 30.

 

 

 

 

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DISCUSSÃO

Participaram até ao momento no Programa “Acredita+ e Segue” trinta doentes renais crónicos em programa regular de hemodiálise. Trata-se de um projeto inovador, concebido de raiz, tendo em conta as múltiplas necessidades e expetativas destes doentes. Quando selecionados os candidatos houve a preocupação de que a amostra fosse diversificada para testar a sua adequação em pessoas com diferentes perfis sociais, embora a doença e o facto de não estarem ocupados, excetuando um participante que se encontrava ocupado, representasse aquilo que têm em comum.

Como fator determinante no projeto salienta-se a adesão dos participantes às sessões, de forma ativa e continuada, não tendo havido desistências em 100% dos casos. Os resultados foram significativos e favoráveis tendo em conta o segmento populacional vulnerável do ponto de vista clínico e social com implicações na própria autonomia. Todos eles se organizaram de forma a serem assíduos e pontuais, apesar da sua condição clínica, muitas vezes imprevisível. Percebeu-se ao longo das sessões que havia um esforço de todos em comparecer, mesmo diante de intercorrências clínicas imprevistas, o que reforça a real aplicabilidade desta metodologia de intervenção como algo útil e a replicar de modo consistente e contínuo nesta população. Esta adesão e comparência assídua no programa foram transversais nas diferentes edições, realizadas em épocas sazonais diferentes e em meios igualmente distintos (urbano e rural), não tendo emergido variações atribuíveis a estas variáveis. Num estudo realizado por Muehrer et al. (2011), a interrupção da atividade laboral em doentes que começam diálise está associada tanto a fatores físicos como psicológicos. Destacam em termos físicos a fadiga, o mal-estar generalizado, a prostração pós-tratamento e, em termos psicológicos, a ansiedade, a depressão e a falta de autoestima. Todos estes aspetos são, na opinião destes investigadores, condicionadores da manutenção do emprego e da participação em atividades de âmbito social.

Analisando a situação ocupacional global verifica-se que o programa, enquanto metodologia de intervenção, tem impacte significativo na ocupação, existindo probabilidade de a mesma ser potencializada pela intervenção realizada com esta população.

A taxa de sucesso, até ao momento, foi de 50%, com metade da população que participou no programa ocupada, embora se estime que a taxa de sucesso, com a continuidade da intervenção, atinja os 75% (uma vez que o grupo continua a ser monitorizado nas edições ainda em curso), aumentando assim os participantes com uma ocupação efetiva, até porque as duas últimas edições do programa são recentes, estando os grupos alvo a serem trabalhados de forma individual e em grupo. Este trabalho em grupo, pós-programa, foi ponderado a partir de um pedido formalizado pelos dois grupos das duas últimas edições, tendo-se estruturado uma segunda fase do programa em que se decidiu prolongar o mesmo por mais seis meses, realizando uma sessão grupal por mês, investindo-se simultaneamente no acompanhamento psicossocial individual sistemático, de modo a perceber mais profundamente, conjuntamente com outras variáveis, qual o impacte nos projetos de vida de cada pessoa com doença renal crónica em programa regular de hemodiálise. O facto de se dar continuidade ao programa, por mais seis meses, em grupo, vai permitir comparar resultados em que a intervenção pós-programa se baseou apenas numa intervenção individual sistemática ou onde a intervenção pós-programa contemplou as duas vertentes: intervenção individual sistemática e em grupo, embora com menor periodicidade, uma vez por mês em vez de duas vezes por semana.

Os resultados indicam claramente que indivíduos totalmente inativos, muitos sem ocupação há muito tempo, aderem pós-programa a uma atividade ocupacional, o que pode estar diretamente relacionado com as sessões de carácter informativo e suportativo. Atribuímos particular relevância ao facto de se desmistificarem alguns mitos e medos em relação, não só à doença/tratamento, mas também ao facto da importância de estarem ocupados e simultaneamente por serem alvo de uma intervenção de grupo, que alavanca um processo de mudança na condição de vida e consequentemente no projeto de vida. Brunner (1976, tal como citado por Almeida, 1985) verificou que numa amostra de 100 doentes, que apenas 19% dos doentes em hemodiálise se encontravam fisicamente incapazes para trabalhar, mas, na realidade, 32,4% não tinham qualquer atividade profissional.

Apesar das limitações amostrais, a adesão parece acontecer independentemente da etnia ou idade, embora em relação ao meio social onde se inserem (urbano ou rural), ainda não tenhamos resultados conclusivos, que esperamos ter numa próxima fase do estudo.

Em termos de ocupação, a formação é a resposta à qual mais doentes aderem (27%), o que está diretamente relacionado com a condição clínica periclitante. Escolhem a formação em detrimento de um trabalho remunerado, pois o trabalho é sentido pelos participantes como uma resposta mais exigente. Já a formação é vista como um meio facilitador para a transição para o mundo do trabalho. O trabalho ainda é visto por muitos como algo que poderá desestabilizar o seu quadro clínico pelo stress que acarreta, aliado à frustração de não conseguirem corresponder pelo facto de fazer um tratamento. Neste tipo de situações o indivíduo experiência igualmente o que Karasek e Toheorell (1990) denominaram stress profissional que não é mais que o sentimento de pressão laboral sentido no local de trabalho pelo profissional, pressão essa que poderá ser desencadeada, tanto por razões externas, como internas. Para estes autores, esta tensão pode ser desencadeada por três fatores: as exigências do trabalho; a autonomia que o profissional tem para enfrentar tais exigências; e o apoio disponível. Ambos os investigadores referiram ainda que estes fatores quando relacionados entre si são preditivos do stress relacionado com o trabalho e da relação stress/doença. Este modelo sugere que é mais provável que sejam os indivíduos com cargos menos exigentes a experienciar stress.

Em termos de resultados verificamos nas primeiras duas edições uma maior adesão à resposta de ocupação, nos primeiros dois trimestres, permanecendo ao longo dos outros trimestres sem interrupções na maior parte das situações, o que acontece pelo facto de se tratar de formações que se prolongam no tempo. Será interessante perceber numa segunda fase do estudo se estas formações culminam em emprego ou noutra resposta, assim como perceber se acontece o mesmo investimento nas duas edições realizadas em meio rural e se os resultados assumidos pela população se estendem igualmente no tempo.

Conclusão

O “Acredita+ e Segue” é um programa de treino e reforço de competências pessoais e sociais para doentes renais crónicos, em tratamento de hemodiálise e tem como objetivos a integração da doença/tratamento de forma positiva e a promoção de hábitos de vida saudáveis, através da ocupação dos doentes, seja em termos de emprego, formação, voluntariado e/ou prática formal de exercício físico, que venha a ter um impacte favorável no projeto de vida dos mesmos.

Este programa está integrado na lógica do modelo sistémico e aproveita as potencialidades de um contexto de grupo para gerar um clima de partilha, entreajuda e autoajuda. É igualmente um programa que contempla e complementa dois tipos de intervenção: individual e grupal. A intervenção de grupo serve de alavanca a uma intervenção individual que estagnou e a intervenção individual pós-programa é contemporizadora e simultaneamente reforçadora de todo o potencial de uma intervenção de grupo.              

O “Acredita+ e Segue” é igualmente um espaço que reinventa a relação existente entre os profissionais e os participantes, potenciado pelo facto de as sessões de grupo serem lugares reestruturantes, porque permitem atribuir significados diferentes ao que cada pessoa vivencia, reenquadrando e promovendo mudanças na maneira como percecionam as dificuldades e limitações, assim como reforçar competências e estratégias de adaptação mais adequadas.

Este é um programa que promove a vertente informativa e educativa, quer pela participação da equipa interdisciplinar, quer pelos parceiros da rede formal de suporte, permitindo, deste modo, alargar a rede social e pessoal de cada participante, tornando-o mais capaz e competente na gestão da sua própria doença/tratamento. Permite ainda favorecer o conhecimento dos recursos necessários para que possa adotar estratégias de vida mais positivas com impacte direto na qualidade de vida e consequentemente no próprio tratamento. Estas estratégias passam pela ocupação, pela quebra do isolamento social e/ou familiar e por (re)ajustamentos à doença e tratamento mais favoráveis.

Trata-se de um programa inovador pois responde às necessidades reais da população com doença renal crónica, em tratamento de hemodiálise, e envolve tanto a equipa interdisciplinar da clínica como os parceiros da comunidade, não acarretando qualquer custo financeiro para a empresa. O facto de envolver membros da equipa interdisciplinar, num espaço mais intimista, fora da clínica, num outro registo comunicacional, fomenta ligações ainda mais consistentes entre os participantes e a própria equipa interdisciplinar da clínica em que são acompanhados. Sendo um programa, também ele agregador de várias áreas, para corresponder às várias necessidades do doente, considerando-o pessoa doente como um todo, insere-se na lógica dos cuidados integrados e holísticos, abordagem motor da nossa intervenção.

Este programa enfatiza a ocupação como fator primordial na reabilitação clínica e inserção social desta população na sociedade, com benefícios psicossociais claros para os participantes, introduzindo novos desafios à prática do Serviço Social, não só para os doentes, mas igualmente para os técnicos, apresentando uma nova metodologia de trabalho que promova a autonomia, a responsabilização e o envolvimento do doente como sujeito ativo no seu projeto de vida.

 No futuro pretende-se alargar o âmbito geográfico do projeto, aumentando a amostra tentando-se demonstrar a importância do modelo de intervenção e a sua correlação com a qualidade de vida e fatores clínicos.

 

Conflito de interesses: A equipa responsável pelo estudo é constituída por profissionais da área do Serviço Social que trabalham numa empresa privada na área da saúde que presta cuidados na área da Hemodiálise em Portugal.

Fontes de financiamento: nenhuma.

 

 

 

 

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REFERÊNCIAS

 

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SwM. Contribuiu significativamente para a redação, construiu a base de dados, análise de dados, discussão e revisão do trabalho. Diaverum, Portugal.

Sw. Realizou recolha e análise de dados. Diaverum, Portugal.

Sw. Realizou recolha e análise de dados. Diaverum, Portugal.

Sw. Contribuiu para a recolha de dados. Diaverum, Portugal.

Sw. Contribuiu para a recolha de dados. Diaverum, Portugal.

Sw. Contribuiu para a recolha de dados. Diaverum, Portugal.