2018, Vol. 4(1): 3-13
Autocompaixão,
bem-estar subjetivo e estado de saúde na idade avançada
Artigo Original
Liliana Parente ⓘ ✉, Marina Cunha ⓘ, Ana Galhardo ⓘ, Margarida
Couto ⓘ
https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2018.4.1.57
Recebido 29 junho 2017
Aceite 27 novembro 2017
Introdução: O aumento
da população envelhecida constitui um avanço na sociedade, mas também um grande
desafio, impondo a necessidade de ações que promovam um envelhecimento
bem-sucedido.
Objetivos: Analisar
de que forma é que a autocompaixão, satisfação com a vida, afetos, estado de saúde
físico e mental se encontram associados na idade avançada, controlando ainda o
efeito do sexo, idade, escolaridade, local de residência e tipo de resposta
social dos participantes. Explorar qual o conjunto de variáveis que melhor
prediz a satisfação com a vida e o estado de saúde nos idosos.
Método: 155
indivíduos, com idades entre os 65 e 94 anos, dos distritos de Coimbra e Leiria
responderam a um conjunto de instrumentos administrados no formato de
entrevista.
Resultados: 1) A idade,
a escolaridade e o local de residência apresentaram uma correlação
significativa e no sentido esperado com a saúde física e mental, e com o afeto
positivo. O tipo de resposta social dos idosos mostrou-se associado a quase
todas as variáveis em estudo. Globalmente, os idosos que se encontram no seu
domicílio apresentam uma maior satisfação com a vida, uma melhor saúde física e
mental, mais traços compassivos, e mais afeto positivo, comparativamente aos
que se encontram sob resposta social; 2) Foram encontradas associações significativas
e no sentido esperado entre a autocompaixão, bem-estar subjetivo e estado de
saúde; 3) A perceção da saúde física está associada a uma maior satisfação com
a vida e menor idade do idoso; a perceção da saúde mental está associada ao
aumento da satisfação com a vida, da autocompaixão e diminuição dos afetos
negativos; e, por último, a satisfação com a vida está associada a uma superior
saúde física e autocompaixão.
Conclusões: Estes
resultados sugerem a importância do desenvolvimento de estratégias psicológicas
que permitam lidar de forma mais calorosa, tolerante e aceitante o sofrimento
resultante dos momentos difíceis típicos da idade avançada, apoiando o possível
benefício das terapias focadas na compaixão junto desta população específica, nomeadamente
na promoção da satisfação com a vida e saúde mental.
Palavras chave:
Autocompaixão
· Saúde física · Saúde mental ·
Bem-estar subjetivo · Satisfação com a vida
O envelhecimento pode ser definido numa perspetiva
geral como um processo progressivo e natural que ocorre em todos os seres vivos
de todas as espécies. Em particular no ser humano este processo verifica-se nas
dimensões física, psíquica e social. Não ocorre necessariamente de forma
simultânea, porém uma dimensão pode interferir, acelerando ou retardando, o
processo de uma outra (Becker,
2013; Kanning & Schlicht, 2008). Acredita-se que o
envelhecimento resulte do acumular de danos moleculares e celulares ao longo da
vida, causados por vários mecanismos e regulados por uma rede complexa de
manutenção e reparação (Clegg, Young, Iliffe, Rikkert, &
Rockwood, 2013).
Cada vez mais se tem assistido a um
envelhecimento da população, de ano para ano, com um decréscimo da taxa de
natalidade e incremento da esperança de vida. Segundo o Instituto Nacional de
Estatística (INE; Carrilho & Craveiro, 2015), em Portugal, a esperança de
vida aumentou, entre os triénios de 2001-2003 e 2011-2013, cerca de 3,4 anos
para os homens e 2,6 anos para as mulheres, atingindo os 76,9 anos e os 82,9
anos, respetivamente. Portugal foi classificado como o quarto país com maior
proporção de pessoas idosas no seio da União Europeia, prevendo-se que este
número ultrapasse os 2 milhões. Dados do INE revelam, também, que o valor total
da população idosa tem vindo a crescer, sendo em 2001 cerca de 16,5% do total
da população portuguesa, passando para 19,9 % em 2013. Ainda, em 2001, por cada
100 jovens com menos de quinze anos, havia cerca de 103 idosos sendo este rácio
aumentado, em 2013, para 136 idosos por cada 100 jovens (Carrilho & Craveiro, 2015).
Embora os números estejam a aumentar,
Portugal não tem encontrado as respostas adequadas para esta problemática,
posicionando-se como um dos países da Europa Ocidental em que o bem-estar
social e económico dos indivíduos com 60 ou mais anos de idade se encontra
menos assegurado, sendo apenas superado por Malta e Grécia. A nível mundial
(entre os 96 países avaliados) (HelpAge International, 2015),
Portugal apresenta-se em 38º lugar, sendo este ranking liderado pela Suíça,
Noruega, Suécia e Alemanha (HelpAge International, 2015).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization [WHO], 2002)
devem ser adotados, para além dos comportamentos que promovam um envelhecimento
saudável, um envelhecimento ativo, ou seja, um processo através do qual seja
possível otimizar as oportunidades para a saúde, participação e segurança, e
consequentemente melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem. Este
último conceito é mais abrangente, uma vez que tem em conta, para além da
saúde, aspetos socioeconómicos, psicológicos e ambientais (Ribeiro
& Paúl, 2011). Perante esta realidade, torna-se cada vez mais
pertinente estudar a população de idade avançada, de forma a perceber quais as
variáveis significativas modificáveis para que o envelhecimento seja
bem-sucedido.
O bem-estar subjetivo diz respeito às
avaliações que as pessoas fazem sobre as suas vidas, podendo ser
conceptualizado através das seguintes duas componentes: satisfação com a vida
(dimensão cognitiva) e experiência de afetos positivos e negativos (dimensão emocional)
(Diener, 1984; Guedea et al., 2006;
Siqueira & Padovam, 2008). Quanto à componente
cognitiva, a satisfação com a vida é a representação mental subjetiva sobre a
vida pessoal organizada e armazenada, ou seja, é o julgamento que o indivíduo
faz da sua vida e reflete o quão distante ou próximo este se encontra das suas
expectativas e desejos tendo em conta o seu estado atual (Pavot
& Diener, 1993; Siqueira & Padovam, 2008). Relativamente à dimensão
emocional, esta caracteriza-se pelo balanço entre a experiência de emoções
positivas (afetos positivos) ou negativas (afetos negativos) na maior parte da
vida do indivíduo, ou seja, é a apreciação que o indivíduo faz ao ponderar se a
sua vida foi maioritariamente vivenciada através de afetos positivos ou
negativos (Pavot
& Diener, 1993; Siqueira & Padovam, 2008). Os afetos positivos quando
experienciados com elevada intensidade são caracterizados por elevada energia,
plena concentração e desempenhos eficientes nas atividades, sendo estas
consideradas prazerosas. Já com elevados níveis de afeto negativo, as
atividades são realizadas sem prazer, níveis de energia caracterizados por
letargia levando o indivíduo a sentir sensações negativas como raiva, desprezo,
culpa e nervosismo (Siqueira & Padovam, 2008). Foi corroborado no estudo de
Phillips e Ferguson (2013) que a idade se encontrava
correlacionada negativamente com os afetos positivos, podendo este decréscimo
das emoções positivas dever-se aos múltiplos desafios inerentes ao processo de
envelhecimento, tais como o abandono de trabalho devido à reforma, perda do
cônjuge e alterações na saúde e/ou funcionamento físico.
No que diz respeito à saúde física e mental,
vários são os fatores que podem estar na origem do seu declínio, para além das
alterações relacionadas com a idade, surgem os fatores genéticos, doenças e
comorbilidades associadas, apoios sociais, de saúde e comportamentos
individuais (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2015).
Muitos dos problemas de saúde surgem diretamente das escolhas mal adaptativas
que as pessoas efetuam no quotidiano, não adquirindo comportamentos que
promovam a saúde e, em consequência, prolonguem a sua vida. Por exemplo,
sabe-se que uma alimentação saudável e exercício físico regular estão
associados a um baixo risco de doenças coronárias, diabetes e obesidade, não
obstante muitos destes parâmetros não serem cumpridos, o que compromete a saúde
e aumenta o risco de vir a desenvolver estas doenças (Terry
& Leary, 2011).
Dificuldades nos processos de
autorregulação, quando relacionadas com comportamentos associados à saúde,
podem ter consequências nefastas (Terry & Leary, 2011).
Esta competência de conseguir estabelecer objetivos que promovam a saúde,
adotar comportamentos para que estes objetivos sejam cumpridos (tais como,
procura de tratamento médico adequado e adesão à terapêutica prescrita),
monitorizar o progresso e ajustar o comportamento sempre que necessário (Terry & Leary, 2011) são fundamentais para o
desenvolvimento de um bom funcionamento físico e mental.
A autocompaixão, enquanto estratégia de
regulação emocional, pode, na verdade, encorajar a aquisição destes comportamentos
adaptativos, proporcionando uma mudança efetiva no incremento da saúde e do
bem-estar (Pinto-Gouveia, Duarte, Matos, & Fráguas,
2013). De acordo com Neff (2003a), a autocompaixão
pode ser definida segundo três componentes básicos: Capacidade para ser
compreensível e amável para consigo próprio, em vez de ser punitivo e crítico
(Calor/Compreensão vs. Autocriticismo); entender as suas experiências como
parte de uma experiência humana maior (Condição humana vs. Isolamento) e
consciência equilibrada dos próprios pensamentos e sentimentos dolorosos, sem
uma excessiva sobreidentificação (Mindfulness
vs. Sobreidentificação).
Partindo de uma abordagem diferente, com
base na psicologia evolucionária e na teoria das mentalidades sociais, Gilbert
(2005) e Gilbert e Procter (2006)
defendem que a autocompaixão resulta da evolução dos sistemas fisiológicos dos
mamíferos relacionados com os comportamentos de vinculação. Por sua vez, o
sistema de vinculação pode ser ativado através de dois sinais emitidos pelo
comportamento do próprio (interno) como pelo comportamento dos outros (externo)
de suporte, bondade, sensibilidade, tolerância na prestação de cuidados,
levando a surgirem sentimentos de ligação de calor-afeto e tranquilização. Com
efeito, a competência de autocompaixão implica o desenvolvimento de motivação
genuína para o cuidado com o bem-estar pessoal, envolvendo ainda a compreensão
empática através de uma atitude de não julgamento das experiências de vida (Gilbert, 2005).
Ser autocompassivo implica não ter um padrão
de escape ou de evitamento da experiência interna negativa, mas ter o desejo de
cuidar do seu sofrimento com calor, compreensão e tolerância (Pinto-Gouveia et al., 2013). Face a um problema ou uma
adversidade, pessoas com uma maior autocompaixão tratam-se a si próprias com
preocupação e bondade, em vez de se autocriticarem ou julgarem, reconhecendo
essas dificuldades como parte da vida (Brion, Leary, &
Drabkin, 2014). Assim, quando a pessoa se depara com uma experiência
negativa, a autocompaixão pode surgir como um recurso valioso, uma vez que
pessoas com elevada autocompaixão têm menor probabilidade de catastrofizar as
situações negativas que vão surgindo no decorrer do ciclo vital, experienciando
menor ansiedade e não evitando desafios por medo de falhar (Allen
& Leary, 2010).
Em amostras na população com idade mais
avançada, pode observar-se que a autocompaixão se encontra associada
positivamente com a saúde e o bem-estar, em geral, satisfação com a vida,
função social, envelhecimento bem-sucedido (Allen,
Goldwasser, & Leary, 2012), saúde mental (Brown,
Bryant, Brown, Bei, & Judd, 2015), autoestima (Allen
& Leary, 2014), afetos positivos, integridade do Ego e sentido da vida
(Phillips & Ferguson, 2013). Em sentido contrário,
verificou-se associada negativamente com a dor, problemas emocionais, sintomas
depressivos (Allen et al., 2012) e afetos negativos (Phillips & Ferguson, 2013).
Idosos com traços mais elevados de
autocompaixão apresentavam menos problemas físicos ou reportavam uma melhor
saúde em geral, uma maior satisfação com a vida, utilizavam mais frequentemente
estratégias de coping adequadas
(como, por exemplo, truques de memória e estratégias de assistência) e
sentiam-se menos constrangidos pelas suas dificuldades físicas e motoras, em
comparação com idosos com baixos níveis de autocompaixão (Allen
et al., 2012).
Dadas as possíveis dificuldades físicas e
mentais inerentes ao processo de envelhecimento, torna-se pertinente estudar na
população idosa portuguesa, quais os possíveis benefícios da autocompaixão no
bem-estar subjetivo (satisfação com a vida e afetos positivos e negativos) e na
perceção da saúde (física e mental). Assim, os objetivos da presente
investigação são: 1) explorar de que modo variáveis como o bem-estar subjetivo
(satisfação com a vida e os afetos), o estado de saúde física e mental e a
autocompaixão se encontram associados em indivíduos de idade avançada; 2)
perceber a relação das variáveis em estudo (autocompaixão, satisfação com a
vida, afetos positivos e negativos e perceção do estado de saúde física e
mental) com as variáveis sociodemográficas (idade, escolaridade, local de
residência); e, 3) explorar qual o conjunto de variáveis que está associado a
uma melhor perceção do estado de saúde, física e mental, e a uma maior
satisfação com a vida, em indivíduos de idade avançada..
Procedimentos
Inicialmente foram recolhidas as autorizações dos autores dos
instrumentos que seriam necessários para o presente estudo. Posteriormente foi
construído o protocolo de avaliação constituído pela folha de rosto,
questionário sociodemográfico e pelos instrumentos psicológicos de autorrelato,
no qual eram explicados os objetivos do estudo e as questões éticas inerentes,
tais como, a confidencialidade, participação voluntária, possibilidade de
desistência em qualquer momento e anonimato, sendo os dados recolhidos apenas
para fins estatísticos. De seguida, foram solicitadas as autorizações aos
diretores das instituições onde foi recolhida a amostra, sendo-lhes explicado
os objetivos, metodologias adotadas na investigação, assim como a finalidade
dos dados obtidos.
Relativamente à recolha de dados, apesar da utilização de questionários de
autorrelato, estes foram aplicados no formato de entrevista uma vez que
existiram algumas condicionantes, tais como, por exemplo, escolaridade muito
baixa e défice de acuidade visual. Assim, a avaliação decorreu individualmente,
num contexto calmo e privado,
tendo sido explicados aos participantes os objetivos, metodologias e
finalidades do estudo, bem como pedido o seu consentimento informado. As
entrevistas foram realizadas pela primeira autora ao longo de 6 meses, em
instituições de conveniência que proporcionam cuidados à terceira idade,
nomeadamente numa unidade incluída na Rede Nacional de Cuidados Continuados
Integrados (RNCCI), em três estruturas residenciais para idosos (ERPI) (dois
dos quais com centro de dia integrado), dois centros de dia, bem como nos
domicílios de idosos que se encontravam sem qualquer resposta social
institucional, dos distritos de Leiria e Coimbra, zona centro do país.
Amostra
A amostra inicial deste estudo foi constituída por 193 participantes dos
quais apenas 155 (79%) foram considerados. Os restantes 38 casos (21%) foram
excluídos uma vez que não cumpriam os seguintes critérios de inclusão: a) Idade
igual ou superior a 65 anos de idade; b) Ausência de doença aguda; c) Ausência
de demência e défice cognitivo[1];
d) Cedência do consentimento informado.
A amostra final foi constituída por 99 mulheres (63,9%) e 56 homens
(36,1%), com idades compreendidas entre os 65 e os 94 anos, sendo a média de
idades de 76,06 (DP = 7,15).
Relativamente à escolaridade, apresentaram uma média de 3,50 (DP = 2,91) anos de estudo, sendo que a
sua maioria indicou uma escolaridade entre 1 a 4 anos de escolaridade (74, 2%).
No que toca ao meio de residência, 128 participantes habitavam em meio rural
(82,6%) e 27 em meio urbano (17,4%).
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Desenvolvido
pela equipa de investigação, pretende recolher
informação relativa aos dados sociodemográficos, tais como, a idade, o sexo, o
meio de residência, os anos de escolaridade e a tipologia de
institucionalização ou resposta social.
Avaliação Cognitiva de
Montreal (MoCA, Nasreddine et al., 2005;
Versão Portuguesa: Freitas, Simões, Martins, Vilar,
& Santana, 2010). Este teste foi utilizado com o intuito de realizar um
rastreio cognitivo para a deteção do défice cognitivo ligeiro (DCL). Avalia os
seguintes domínios cognitivos: Orientação (6 pontos), memória a curto prazo
(Evocação, 5 pontos), capacidade visuoespacial (desenho do relógio, 3 pontos;
cópia do cubo, 1 ponto), função executiva (tarefa de trilhas, 1 ponto),
abstração verbal (2 pontos), fluência fonémica (1 ponto), linguagem (nomeação
de animais, 3 pontos; repetição de duas frases, 2 pontos) e atenção,
concentração e memória operatória (deteção de uma letra, utilizando o toque, 1
ponto; subtração em série, 3 pontos; sequência de números em sentido direto e
inverso, 2 pontos). Na versão portuguesa, a escala revelou uma consistência
interna razoável (α de Cronbach de 0,78), sendo que no presente estudo esta
se manteve (α de Cronbach de 0,76).
Escala da Autocompaixão (Self-Compassion
Scale – SCS, Neff, 2003b; Versão Portuguesa: Castilho & Gouveia, 2011). A versão original desta
escala foi desenvolvida por Neff (2003b) com o
objetivo de medir o constructo da autocompaixão. Esta escala é composta por 26
itens distribuídos por seis subescalas distintas: Calor/compreensão,
Autocrítica, Humanidade comum, Isolamento, Mindfulness e
Sobreidentificação. O formato de resposta é tipo Likert de 5 pontos, variando
entre 1 (Quase nunca) e 5 (Quase sempre), sendo que quanto maior for a
pontuação obtida, maior será a autocompaixão, resultando da soma das
subescalas, depois de invertidas as subescalas de valência negativa. Na versão
portuguesa, a escala obteve uma boa consistência interna (α de Cronbach de 0,89) e estabilidade temporal (Castilho &
Gouveia, 2011). No presente estudo, à semelhança de outras investigações
sobre a compaixão em idosos, apenas será utilizado o total deste instrumento,
revelando este uma boa consistência interna (α de
Cronbach de 0,80).
Questionário do estado de saúde
(Short Form Health Survey – 36 Item -
SF–36v2 (versão 2); Ware
& Sherbourne, 1992; Versão Portuguesa: Ferreira,
2000). Este questionário avalia o estado de saúde de indivíduos em
diferentes faixas etárias, monitoriza doentes com diversas condições clínicas e
ainda compara estes com a população geral. Na versão original é constituído por
36 itens que são agrupados em oito dimensões: função física, desempenho físico,
dor física, saúde geral, vitalidade, função social, desempenho emocional e saúde
mental. Estas oito dimensões podem ser agrupadas em duas componentes
principais: saúde física e saúde mental (Ferreira, 2000;
Ware & Sherbourne, 1992). A pontuação da escala tem uma
orientação positiva, ou seja, quanto maior a pontuação obtida pelo indivíduo,
melhor será o seu estado de saúde percecionado, podendo variar entre 0 e 100
pontos, para cada componente (Ferreira, 2000). Foi
efetuada uma validação mais abrangente, tendo obtido valores de alfa de
Cronbach de 0,86 (componente física) e 0,87 (componente mental), sendo
definidas medidas sumárias para a população geral portuguesa (Ferreira, Ferreira, & Pereira, 2012). No presente
estudo, a escala apresenta uma consistência interna muito boa (α de Cronbach de 0,90, componente física e componente mental de 0,89).
Escala de Satisfação com a Vida
(Satisfaction With Life Scale – SWLS;
Diener, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985; Versão
Portuguesa: Simões, 1992). Esta escala avalia a forma
como os indivíduos experienciam a sua vida. A versão portuguesa é constituída
por cinco itens, formulados no sentido positivo, com uma escala de resposta
tipo Likert de um a cinco pontos, podendo a pontuação variar entre cinco e 25
pontos, com um ponto médio de 15 pontos, sendo que quanto maior for a pontuação
obtida, maior será a satisfação com a vida. A escala obteve, no estudo para validação
na população portuguesa, um coeficiente de alfa de Cronbach de 0,77 e revelou
uma estrutura unifatorial (Simões, 1992). No presente
estudo, a escala revela uma boa consistência interna, com um alfa de Cronbach
de 0,80.
Escala de Afeto Positivo e Negativo (Positive and Negative Affect Schedule – PANAS; Watson,
Clark, & Tellegen, 1988; Versão Reduzida Portuguesa: Galinha, Pereira, & Esteves, 2014). Esta escala avalia
a vertente afetiva do bem-estar subjetivo. A versão portuguesa é constituída
por 20 emoções divididas nas subescalas de afeto positivo e afeto negativo,
através de uma escala tipo Likert. Em termos de consistência interna, esta
demonstra-se adequada com valores de 0,86 para a escala de afeto positivo e de
0,89 para a escala de afeto negativo (Galinha &
Pais-Ribeiro, 2005). Neste estudo será utilizada a versão portuguesa
reduzida que foi desenvolvida a partir da versão anteriormente descrita. Esta é
constituída por 10 itens divididos em duas escalas: afeto positivo e afeto
negativo, podendo a escala de resposta variar entre um (Nada ou muito
ligeiramente) e cinco (Extremamente). Revela boas características psicométricas
e uma correlação elevada com a versão de 20 itens (Galinha
et al., 2014). No presente estudo, a escala dos afetos positivos apresenta
um alfa de Cronbach de 0,82, sendo que para os afetos
negativos apresenta um alfa de Cronbach
de 0,79.
Análise estatística
No presente estudo, para o tratamento estatístico foi utilizado o software
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.
A análise da consistência interna dos instrumentos foi efetuada através
do Alfa de Cronbach. Para analisar as associações entre as diversas variáveis,
utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para variáveis contínuas e
correlação bisserial por pontos para analisar a associação entre uma variável
contínua e variável com duas categorias (sexo e meio de residência). A
interpretação da magnitude das associações baseou-se nas recomendações de
Pestana e Gageiro (2008) (associação muito baixa: r < 0,2; associação baixa: 0,2 ≤ r ≤ 0,39; associação moderada: 0,4 ≤ r ≤ 0,69; associação alta: 0,7 ≤ r ≤ 0,89; associação muito alta: 0,9 ≤ r ≤ 1).
O pressuposto da distribuição normal das variáveis foi explorado através
do teste de Kolmogorov-Smirnov e dos valores de assimetria (sk) e de achatamento (ku). Os valores de sk e ku não foram
indicadores da existência de violações severas a este pressuposto (|sk| < 3 e |ku| < 10) (Kline,
1998).
Relativamente ao pressuposto da homogeneidade da variância, validado através do
teste de Levene, não se observou um valor significativo em nenhuma das
variáveis consideradas.
A comparação dos valores médios das variáveis em estudo, em função da
resposta social, foi feita através de uma ANOVA one-way, com recurso aos
testes post hoc HSD de
Tukey para localizar as diferenças significativas entre os
grupos.
Por último, foram realizadas análises de regressão linear múltiplas a fim
de analisar o conjunto de variáveis que melhor prediz o estado de saúde, física
e mental, e a satisfação com a vida. Neste contexto procedeu-se à verificação
da independência dos erros através da análise gráfica da distribuição dos dados
e dos valores de Durbin-Watson, bem como dos valores da Variance Inflaction Factor (VIF), os quais se mostraram inferiores
a cinco.
Valores de prova inferiores ou iguais a 0,05 foram considerados
indicadores de significância estatística.
Correlação entre o bem-estar subjetivo, a perceção do estado de saúde e
a autocompaixão
Na Tabela 1 é apresentada
a matriz de correlações de Pearson entre as variáveis bem-estar subjetivo,
perceção do estado de saúde e autocompaixão.
|
TABELA 1 Análise
das Correlações entre o Bem-estar Subjetivo, a Perceção do Estado de Saúde e
a Autocompaixão (N = 155) |
|
||||||
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SV |
Afetos |
PES |
|
|||
|
Negativo |
Positivo |
Física |
Mental |
|
|||
|
Satisfação com a Vida (SV) |
— |
|
|
|
|
|
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Afetos |
Negativos |
0,45** |
— |
|
|
|
|
|
Positivos |
0,29** |
-0,20 |
— |
|
|
|
|
|
Perceção do Estado de Saúde (PES) |
Física |
0,52** |
-0,37** |
0,16 |
— |
|
|
|
Mental |
0,61** |
-0,62** |
0,33** |
0,69** |
— |
|
|
|
Autocompaixão |
0,50** |
-0,51** |
0,19** |
0,35** |
0,61** |
|
|
|
Nota.
* A correlação é significativa no nível
0,05. ** A correlação é significativa no nível 0,01. |
|
De acordo com a Tabela 1, podemos verificar que a satisfação com a vida
apresenta uma associação significativa moderada negativa com os afetos negativos
e uma correlação baixa positiva com os afetos positivos. Esta variável
encontra-se associada moderadamente, de forma positiva e estatisticamente
significativa, com a perceção da saúde física e saúde mental. Por sua vez,
encontra-se correlacionada moderadamente, de forma positiva e estatisticamente
significativa, com a autocompaixão.
Relativamente à
perceção do estado de saúde física verifica-se uma associação baixa positiva
com a autocompaixão e uma correlação baixa negativa com os afetos negativos.
Já na componente
da perceção da saúde mental, esta demonstra as seguintes associações:
correlacionada moderadamente, de forma negativa, com os afetos negativos e com
uma baixa associação positiva, estatisticamente significativa, com os afetos
positivos e moderadamente de forma positiva e significativa com a
autocompaixão.
Quanto à
autocompaixão pode observar-se que apresenta uma correlação moderada negativa,
estatisticamente significativa, com os afetos negativos e uma associação muito
baixa positiva com os afetos positivos.
Estudo da associação entre
a idade, escolaridade, sexo, meio de residência e tipo de resposta social e as
variáveis em estudo (bem-estar subjetivo, perceção do estado de saúde e
autocompaixão)
A idade revelou
uma associação negativa baixa com a perceção da saúde física (r = -0,215; p = 0,007) e com o afeto positivo (r = -0,279; p < 0,001),
e correlação negativa muito baixa com a perceção da saúde mental (r = -0,178; p = 0,027). A idade não se mostrou associada à autocompaixão, à satisfação
com vida e ao afeto negativo.
A escolaridade
evidenciou apenas uma associação positiva baixa com o afeto positivo (r = 0,286; p < 0,001) e uma correlação muito baixa, mas ainda
significativa, com a perceção da saúde mental (r = 0,170; p = 0,034).
O sexo não se
mostrou associado a nenhuma variável em estudo (autocompaixão, perceção do
estado de saúde e bem-estar subjetivo).
Quanto ao meio
de residência, são os idosos que vivem em meio rural que apresentam valores mais
elevados na perceção do estado de saúde física (M = 62,95; DP = 12,91),
comparativamente com idosos residentes em meio urbano (M = 53,21; DP = 16,47),
sendo esta diferença estatisticamente significativa [t(1,153) = -3,39; p = 0,001]. Não foram encontradas
diferenças significativas para as demais variáveis em estudo.
Quando
comparados os valores médios das diversas variáveis em função do tipo de
resposta social, verificam-se diferenças significativas em todas as variáveis,
à exceção do afeto negativo (Tabela 2). Estas diferenças
ocorrem entre os idosos sem resposta social, comparativamente àqueles que se
encontram em centro de dia, ERPI e RNCCI, apresentando os primeiros valores
mais elevados na perceção do estado de saúde
física (centro de dia: p = 0,014;
ERPI: p < 0,001; RNCCI: p < 0,001). Pode ainda analisar-se,
nesta componente, que os idosos que se encontram no centro de dia apresentam
valores mais elevados quando comparados com os que estão institucionalizados em
ERPI (p = 0,037) ou na RNCCI (p < 0,001).
Quanto à
perceção da saúde mental, pode
verificar-se uma diferença estatisticamente significativa, na qual os idosos
que não se encontram institucionalizados, apresentam valores mais elevados
quando comparados com aqueles que se encontram no centro de dia (p = 0,022) e na RNCCI (p < 0,001).
Relativamente à autocompaixão, os idosos que não se
encontram sob resposta social apresentam valores mais elevados, quando
comparados com aqueles que frequentam os centros de dia (p = 0,048).
Observou-se que
os idosos sem resposta social institucional apresentavam valores mais elevados
na satisfação com a vida, quando
comparados com os utentes da RNCCI (p = 0,020)
e da ERPI (p = 0,004).
Quanto ao afeto positivo, verificou-se que os
indivíduos sem resposta social institucional apresentam valores mais elevados
quando comparados com aqueles que frequentam os centros de dia (p = 0,014). Não se verificaram
diferenças estatisticamente significativas em relação ao afeto negativo.
|
TABELA 2 Variáveis
em Estudo (Satisfação com a Vida, Estado de Saúde e Bem-estar Subjetivo) em
Função do Tipo de Resposta Social (sem Resposta Social, Centro de Dia, ERPI e
RNCCI) (N = 155) |
|
|||||||||||||||
|
|
|
Sem
resposta social |
|
Centro
de dia |
|
ERPI |
|
RNCCI |
|
F (3,
151) |
p |
|
||||
|
|
|
M |
DP |
|
M |
DP |
|
M |
DP |
|
M |
DP |
|
|
||
|
Satisfação com a Vida |
18,91 |
4,21 |
|
16,89 |
5,01 |
|
14,74 |
5,75 |
|
15,13 |
6,03 |
|
6,25 |
0,001 |
|
|
|
Estado de Saúde |
Físico Mental |
67,13 56,92 |
10,68 8,51 |
|
59,59 50,93 |
11,99 9,59 |
|
50,38 51,00 |
13,22 11,26 |
|
43,30 43,31 |
12,27 13,05 |
|
27,29 10,99 |
<
0,001 <
0,001 |
|
|
Autocompaixão |
94,63 |
11,90 |
|
87,82 |
10,51 |
|
89,89 |
14,18 |
|
93,31 |
13,11 |
|
2,66 |
0,050 |
|
|
|
Afetos |
Positivos Negativos |
14,30 7,47 |
3,58 3,06 |
|
11,64 9,07 |
3,97 3,77 |
|
12,26 8,26 |
5,67 3,28 |
|
14,75 8,88 |
4,49 3,63 |
|
4,24 2,22 |
0,007 0,088 |
|
|
Nota. ERPI –
Estrutura Residencial para Idosos; RNCCI – Unidade Integrada na Rede Nacional
de Cuidados Continuados Integrados.
|
|
Análises de regressão linear múltipla
Foram realizadas análises de regressão linear múltipla para
compreender quais as variáveis que contribuem para uma melhor perceção do estado
de saúde, física e mental, e para uma maior satisfação com a vida.
Para predizer uma melhor perceção do estado de saúde física e saúde
mental, foram utilizadas como variáveis independentes: satisfação com a vida,
autocompaixão, afetos (positivos e negativos) e a idade, uma vez que esta
variável se mostrou associada ao estado de saúde global.
Para a satisfação com a vida, foram utilizadas as seguintes
variáveis independentes: perceção do estado de saúde (física e mental),
autocompaixão e afetos (positivos e negativos).
No caso da perceção do estado de saúde física (Tabela
3), o modelo é significativo [R2
= 0,32; F(5, 149) = 14,04; p < 0,001], explicando 32% da
variância. Emergem como preditores a satisfação com a vida (β
= 0,41; p < 0,001) e a
idade (β = -0,17; p
= 0,016).
Relativamente à perceção do estado de saúde mental, o modelo
(Tabela 3) demonstrou-se significativo [R2
= 0,59; F(5, 149) = 42,53; p < 0,001], explicando 59% da
variância. Neste modelo é possível observar que surgem como variáveis
preditoras os afetos negativos (β = -0,32; p < 0,001), a satisfação com a vida (β = 0,28; p < 0,001) e a autocompaixão (β = 0,28; p < 0,001).
|
TABELA 3 Análise
de Regressão Múltipla Utilizando as Variáveis Satisfação com a Vida,
Autocompaixão, Afetos e Idade para Predizer a Perceção do Estado de Saúde
Física e Mental em Idosos (N = 155) |
|
||||||||
|
|
Perceção do estado de
saúde |
|
|||||||
|
Física |
|
Mental |
|
||||||
|
R2 |
β |
p |
|
R2 |
β |
p |
|
||
|
0,32 |
|
< 0,001 |
|
0,59 |
|
< 0,001 |
|
||
|
Satisfação com a Vida |
|
0,41 |
< 0,001 |
|
|
0,28 |
< 0,001 |
|
|
|
Autocompaixão |
|
0,07 |
0,413 |
|
|
0,28 |
< 0,001 |
|
|
|
Afetos |
Negativos Positivos |
|
-0,15 0,05 |
0,074 0,459 |
|
|
-0,32 0,11 |
< 0,001 0,057 |
|
|
Idade |
-0,17 |
0,016 |
|
|
-0,07 |
0,185 |
|
||
|
|
|
||||||||
Por último, em relação à satisfação com a vida, o modelo (Tabela 4) mostrou ser significativo [R2 = 0,44; F(5,
149) = 23,15; p < 0,001],
explicando 44% da variância. Como preditores significativos surgem a perceção
do estado de saúde física (β = 0,24; p = 0,006) e a autocompaixão (β = 0,22; p = 0,004).
|
TABELA 4 Análise de Regressão Múltipla Utilizando as Variáveis
Perceção do Estado de Saúde, Autocompaixão e Afetos para Predizer a
Satisfação com a Vida em Idosos (N
= 155) |
|
||||
|
|
Satisfação com a vida |
|
|||
|
R2 |
Β |
p |
|
||
|
0,44 |
|
< 0,001 |
|
||
|
Perceção do estado de
saúde |
Física Mental |
|
0,24 0,21 |
0,006 0,072 |
|
|
Autocompaixão |
|
0,22 |
0,004 |
|
|
|
Afetos |
Negativos Positivos |
|
-0,09 0,12 |
0,253 0,063 |
|
|
|
|
|
|
|
|
O presente estudo teve como objetivo principal
explorar de que modo variáveis como o bem-estar subjetivo (satisfação com a
vida e os afetos), o estado de saúde física e mental e a autocompaixão se
encontram associados em indivíduos de idade avançada. Adicionalmente,
pretendeu-se analisar a relação entre as variáveis em estudo e variáveis
sociodemográficas como o sexo, a idade, a escolaridade, o local de residência e
o tipo de resposta social. Por último, procurou-se examinar quais as variáveis
que se constituem como preditores da satisfação com a vida e da saúde física e
mental nesta população.
Em relação ao primeiro estudo, os resultados apontam
para a existência de associações positivas e significativas entre o bem-estar
subjetivo e a saúde física e mental e a autocompaixão. Por sua vez, a
ocorrência de correlações negativas verificou-se apenas quando considerado o
afeto negativo e as demais variáveis. Este padrão de resultados foi também
reportado em estudos anteriores, conduzidos em amostras da população idosa, os
quais demonstraram que a autocompaixão se associa, não só ao bem-estar
subjetivo, mas também ao estado de saúde (física e mental) (Allen et al., 2012; Brown
et al., 2015; Phillips & Ferguson, 2013; Pinto-Gouveia et al., 2013). De facto, as competências
autocompassivas permitem aos idosos perceber as suas dificuldades inerentes ao
processo de envelhecimento de forma calorosa e compreensiva, moderando as
reações perante acontecimentos indutores de stresse e adquirindo iniciativa
para lidar com as suas falhas, o que conduz à adoção de um estilo de coping adaptativo perante as
adversidades (Allen & Leary, 2010; Allen et al., 2012). Diversos estudos
indicam que, em momentos de sofrimento e dor, tratarmo-nos a nós próprios e aos
outros com gentileza e compreensão, percebendo a dor ou o fracasso como parte
de uma experiência humana mais ampla, proporciona um bem-estar subjetivo,
intrapessoal, interpessoal e físico (Allen et al.,
2012; Hall, Row, Wuensch, & Godley,
2013; Neff & Costigan, 2014; Phillips & Ferguson, 2013). Na globalidade, pode
dizer-se que a autocompaixão tem sido associada positivamente ao bem-estar em
diferentes etapas do ciclo de vida, sendo esta associação reportada em
múltiplos estudos (Allen et al., 2012; Hall et al., 2013; Neely, Schallert,
Mohammed, Roberts, & Chen, 2009; Phillips
& Ferguson, 2013). Por sua vez, tanto o bem-estar
subjetivo como a saúde, física e mental, têm vindo a ser apontados como
elementos chave para um envelhecimento bem-sucedido (Allen
et al., 2012; Phillips
& Ferguson, 2013).
No que concerne ao segundo estudo, da relação entre as
variáveis em estudo e as variáveis sociodemográficas, constatou-se não existir
relação entre o sexo e as variáveis consideradas. Já no que toca à idade,
observou-se que os sujeitos mais velhos percecionavam a sua saúde física e
mental como mais deficitária e apresentavam menos afetos positivos. Por sua
vez, no que respeita à escolaridade, os indivíduos com níveis de escolaridade
mais elevados evidenciavam mais afeto positivo e melhor saúde mental. Quando
considerado o meio de residência, apenas a perceção do estado de saúde física
se revela significativamente melhor nos sujeitos residentes em meio rural.
Relativamente à resposta social, os indivíduos sem resposta social apresentaram
valores superiores em todas as variáveis, à exceção dos afetos negativos.
A inexistência de associações entre o sexo e as
variáveis estudadas deverá ser interpretada com prudência. De notar que a
amostra do presente estudo apresenta um predomínio de participantes do sexo
feminino, o que poderá ter contribuído para os resultados obtidos. Para além
disso, parece não existir consenso na literatura no que respeita à influência
exclusiva do sexo em variáveis como a autocompaixão, a perceção do estado de
saúde e o bem-estar subjetivo. A título de exemplo, Phillips e Ferguson (2013), tal como sucedeu no nosso estudo, também não
reportaram a existência de diferenças entre homens e mulheres de idade avançada
relativamente à autocompaixão. No entanto, mais recentemente, e no que concerne
a diferenças entre homens e mulheres relativamente à autocompaixão ao longo do
ciclo de vida, a metanálise conduzida por Yarnell et al. (2015)
indicou que os homens apresentavam níveis ligeiramente mais altos, ainda que
com um tamanho do efeito de pequena dimensão.
Quanto à idade, verificou-se que quanto maior a idade,
pior é a perceção do estado de saúde físico e menos afetos positivos são
sentidos, o que se pode dever aos múltiplos desafios inerentes ao processo de
envelhecimento, tais como alterações nos papéis sociais até ao momento desempenhados
(por ex., reforma), perda do cônjuge e/ou amigos próximos e mudanças na saúde e
funcionamento físico (por ex., alterações cognitivas, mudanças no sistema
endócrino, no sistema imunológico e no sistema músculo-esquelético; perda nas
reservas fisiológicas cardiovasculares, respiratórias e renais e estado
nutricional) (Clegg et al., 2013; OMS,
2015; Phillips & Ferguson, 20133).
Observou-se, no presente estudo, que quanto maior a
escolaridade, melhor é a saúde mental e a frequência de afetos positivos. Este
dado sugere que a escolaridade pode exercer um papel protetor no envelhecimento
cognitivo e na afetividade o que está de acordo com dados reportados em alguns estudos
(Burns, Anstey, & Windsor, 2011; Falcão,
Espírito Santo, Matreno, Fermino, & Guadalupe, 2012). Contudo, este
mecanismo não se encontra completamente esclarecido e deverá ser alvo de
investigação mais aprofundada, uma vez que a investigação tem produzido
resultados mistos, apontando a interveniência de outras variáveis que
influenciam esta ligação (Ardila, Ostrosky-Solis, Rosselli,
& Gómez, 2000).
Em relação à ligação entre o meio de residência e a
autocompaixão, bem-estar subjetivo e estado de saúde, verificou-se que os
idosos que habitam em meio rural apresentam valores mais elevados na saúde
física, quando comparados com os idosos em meio urbano. Estes achados vão ao
encontro do modelo ecológico de Lawton (1983), que
perspetiva que o contexto de residência é essencial para a compreensão do
processo de envelhecimento e o facto de este ser ou não bem-sucedido. Defende
ainda que muitos dos comportamentos adotados são definidos pelas competências
que o idoso apresenta em relação à pressão exercida pelo meio ambiente, ou
seja, são vistas perante um determinado potencial de exigência. De forma
global, num meio de residência rural é fomentada menos pressão sobre os idosos,
o que leva a que vivam em maior consonância com o ambiente (Lawton, 1989). Ainda, os idosos residentes em meio rural
e não institucionalizados, relataram frequentemente ao longo da recolha dos
dados, que continuam a cuidar dos seus animais, das fazendas e terras de
cultivo, o que contribui para que permaneçam ativos. Efetivamente, estudos
anteriores indicam que a manutenção das atividades e rotinas habituais
desempenham um importante papel na promoção da saúde e bem-estar (Sequeira & Silva, 2002; Teixeira,
2010).
No que respeita à variável resposta social,
verificou-se que os idosos que ainda não se encontram institucionalizados
apresentam valores mais elevados, e significativamente relevantes, na saúde
física, na saúde mental, autocompaixão e afeto positivo, quando comparados com
os idosos institucionalizados (centro de dia, RNCCI e lar). De alguma forma
estes resultados eram expectáveis, uma vez que os estudos indicam que a
institucionalização está associada a baixos níveis de atividade física, de
estimulação cognitiva e, consequentemente, uma menor funcionalidade global (Del-Duca, Silva, Thumé, Santos, & Hallal, 2012; Pinto, 2013; Vitorino, Paskulin,
& Vianna, 2013). Contudo, recorrentemente esta institucionalização é
das poucas soluções que as famílias possuem para que os cuidados de saúde aos
seus familiares sejam assegurados (Pinto, 2013), quer
seja numa tipologia apenas diurna, como os centros de dia, internamentos
temporários, como a RNCCI, quer internamentos a longo prazo, como as estruturas
residenciais para idosos. Outra realidade também recorrente é o facto de os
idosos, aquando da entrada nas instituições, já apresentarem quadros clínicos
prévios, sendo esse o motivo da sua institucionalização, requerendo cuidados
permanentes. Na amostra institucionalizada, pode verificar-se uma associação
pertinente, em que os idosos que se encontram em centro de dia apresentam
valores mais elevados no estado de saúde física quando comparados com aqueles que
se encontram na RNCCI e lar. Estes dados podem dever-se ao facto de que os
idosos que se encontram em centro de dia, não necessitarem de permanecer
internados, regressando ao domicílio no final do dia. Pressupõe-se que ao
regressarem a casa consigam retomar algumas das suas atividades valorizadas,
permanecendo mais ativos e mentalmente estimulados, do que aqueles que se
encontram internados (RNCCI e lar), sabendo-se que quanto mais ativos, melhor
será o estado de saúde e mais bem-sucedido será o envelhecimento (Ribeiro & Paúl, 2011; WHO,
2002).
No que diz respeito ao modelo preditivo do estado de
saúde físico, surgiram como variáveis significativas a satisfação com a vida e
a idade. Neste contexto, poder-se-á hipotetizar que a apreciação que os idosos
fazem das suas vidas, que reflete o quão distantes se encontram das suas
expectativas e desejos, poderá influenciar a perceção que têm da sua saúde
física. Também a idade pode influenciar esta componente da saúde de forma
negativa, ou seja, à medida que se vai envelhecendo, a probabilidade de
surgirem problemas de saúde aumenta (Allen et al.,
2012; Clegg et al., 2013; Phillips & Ferguson, 2013) sendo este um aspeto
considerado na própria definição de envelhecimento (Becker,
2013; Clegg et al., 2013; Kanning & Schlicht, 2008).
Por sua vez, o estado de saúde mental subjetiva foi
melhor predito pela satisfação com a vida, pelos afetos negativos e pela
autocompaixão. Este resultado sugere que a satisfação com a vida, o encarar com
calor e compreensão os acontecimentos menos bons, percebendo que estes fazem
parte da uma experiência humana alargada, sem se sobreidentificarem
excessivamente com os mesmos, são elementos importantes para que os idosos se
percecionem como detentores de uma boa saúde mental (Neff,
2003a). Também a experiência de afetos negativos representa um papel
fundamental nesta componente da saúde, tendo-se verificado que menores níveis
de emoções negativas, tendem a associar-se a uma melhor perceção da saúde
mental (Clegg et al., 2013; Diener,
1984).
A satisfação com a vida revelou ter um contributo
relevante, tanto para a saúde física, como para a saúde mental, pelo que se
torna então pertinente perceber o que pode predizer a mesma. Assim, no modelo
preditivo da satisfação com a vida em idosos, surgiram como variáveis
significativas a saúde física e a autocompaixão. Desta forma, valores mais
elevados de autocompaixão e um estado de saúde física mais favorável estão
associados a uma melhor apreciação que os idosos fazem das suas vidas.
Algumas limitações devem ser apontadas na
interpretação dos resultados obtidos. Com efeito, o desenho transversal do
presente estudo invalida o estabelecimento de relações causais entre as
variáveis estudadas. De mencionar, também, que o modo como os dados foram
recolhidos, em formato de entrevista, devido a algumas dificuldades
apresentadas pelos idosos, poderá ter influenciado as respostas no sentido da
desejabilidade social. A amostra verificou-se relativamente reduzida,
maioritariamente recolhida em meio rural e com idosos com baixa escolaridade,
sendo desejável, em estudos posteriores, atender a estas questões para
generalização dos resultados. Pode ainda ser apontado o facto da variável saúde
ter sido avaliada sem consulta de processos médicos, baseando-se apenas nas
perceções que estes apresentam da sua saúde mental e física.
Não obstante as limitações apontadas, os resultados
sugerem direções para investigação futura e implicações práticas para o
desenvolvimento de intervenções de caráter psicossocial dirigidas à população
com idade avançada. Este estudo propõe pistas de reflexão para a criação e
aplicação de estratégias e programas integrados de intervenção que visem o
desenvolvimento de competências autocompassivas, considerando que estas poderão
conduzir a uma maior satisfação com a vida, melhor saúde mental e física em
idosos. Atendendo ao inequívoco fenómeno do envelhecimento populacional à escala
mundial (HelpAge International, 2015;
OMS, 2015) e à reconhecida necessidade de melhoria das respostas para esta
faixa etária em Portugal (Carrilho & Craveiro,
2015; HelpAge International,
2015), são particularmente importantes os contributos para
o desenvolvimento de intervenções cujas componentes se tenham mostrado
empiricamente relevantes.
Conflito de interesses: Nenhum.
Fontes de financiamento: Nenhuma.
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ⓘ PsyM.
Elaboração do trabalho, recolha e inserção de dados, análise estatística. Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Coordenação do projeto, elaboração do trabalho,
análise estatística e revisão do texto. Instituto Superior Miguel Torga,
Coimbra, Portugal. Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção
Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Elaboração e revisão do texto. Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção
Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Elaboração e revisão do texto. Instituto Superior
Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
[1]
Para averiguar este
critério, foi utilizado o teste de rastreio cognitivo, o MoCA, tendo como
pontes corte as seguintes pontuações: indivíduos com escolaridade entre os 0 -
4 anos (M = 21,71; DP = 3,37); indivíduos com escolaridade
entre os 5 - 9 anos (M = 24,60; DP = 2,87); indivíduos com escolaridade
entre os 10 - 12 anos (M = 25,11; DP = 1,94) e, por último, indivíduos com
escolaridade > 12 anos (M = 26,35;
DP = 1,87) (Freitas,
Simões, Alves, & Santana, 2011).