2017, Vol. 3(2): 32-41
Ações
autocompassivas e comportamento alimentar perturbado em mulheres: O efeito
mediador da apreciação da imagem corporal
Artigo Original
Andreia Máximo ⓘ, Cláudia
Ferreira ⓘ
✉, Joana
Marta-Simões ⓘ
https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2017.3.2.58
Recebido 11 julho 2017
Aceite 24 agosto 2017
Objetivo: O objetivo
do presente estudo foi
testar o efeito mediador da apreciação da imagem corporal na associação entre
motivações e ações autocompassivas e o comportamento alimentar perturbado.
Métodos: Participaram
neste estudo 360 mulheres da população geral, com idades compreendidas entre os
18 e os 50 anos, que completaram numa plataforma online medidas de autorrelato para avaliar as motivações e ações
autocompassivas, a apreciação da imagem corporal e a sintomatologia associada à
psicopatologia alimentar.
Foram
conduzidas análises descritivas e de correlação entre as variáveis em estudo.
Adicionalmente, foi testado um modelo de análise
de vias (path analysis) que hipotetizou que a associação entre
ações autocompassivas e a adoção de atitudes e comportamentos alimentares
perturbados é mediada pela capacidade de aceitar e apreciar a imagem corporal.
Resultados: Os
resultados revelaram associações positivas entre as motivações e ações
autocompassivas e a apreciação da imagem corporal, e negativas entre a
apreciação corporal e os sintomas associados ao comportamento alimentar
perturbado. Os resultados da análise
de vias (path analysis) revelaram um efeito negativo indireto entre
ações autocompassivas e o comportamento alimentar perturbado através da
apreciação da imagem corporal, que explicou 48% da variância do comportamento
alimentar perturbado.
Conclusões: Estes
resultados sugerem que as ações autocompassivas exercem um efeito protetor no
comportamento alimentar através de níveis mais altos de apreciação e respeito
em relação à imagem corporal, não obstante o peso, forma ou imperfeições. A
capacidade de agir de acordo com as motivações autocompassivas parece
contribuir para níveis mais elevados de apreciação face às caraterísticas
únicas da imagem corporal, a qual se reflete numa menor adoção de atitudes e
comportamentos alimentares perturbados. Este estudo representa um importante
contributo para a investigação e prática clínica, e sublinha a importância da
inclusão de estratégias de desenvolvimento de competências autocompassivas e de
apreciação da imagem corporal em programas de prevenção e intervenção na área
da psicopatologia alimentar.
Palavras chave:
Ações autocompassivas · Motivações autocompassivas
·
Apreciação da imagem corporal · Comportamento alimentar
perturbado
O constructo de compaixão tem sido alvo de
interesse crescente na literatura ocidental em psicologia, emergindo atualmente
como um processo emocional central na investigação na área da qualidade de vida
e da saúde mental (Allen & Leary, 2010; Macbeth & Gumley, 2012; Neff, 2009).
Com origem no Budismo e no pensamento filosófico oriental, a compaixão envolve
a capacidade de simpatizar, ser amável, compreensivo, tolerante e uma atitude
não julgadora ou não crítica perante emoções desagradáveis (Cunha,
Xavier, & Vitória, 2013; Gilbert, 2005; Neff, 2008; Neff,
Pisitsungkagarn, & Hsieh, 2008). De acordo com Gilbert (2005) a compaixão é compreendida como um processo de
regulação emocional adaptativo que se traduz pelo afeto de calma,
tranquilidade, proximidade e de afiliação, mas também por uma atitude de
exploração, abertura e de criatividade na resolução de diferentes
acontecimentos de vida.
A pesquisa da neurofisiologia reconhece,
hoje, três sistemas de regulação emocional que, embora desempenhem funções
específicas e diferenciadas, atuam de forma dinâmica e recíproca,
influenciando-se mutuamente (Depue & Morrone-Strupinsky,
2005; Longe et al., 2010): (i) o sistema de
ameaça-defesa, regulado pelo sistema límbico que tem como função primordial
detetar ameaças provenientes do meio interno ou externo e ativar de forma
rápida respostas emocionais e comportamentais de defesa; (ii) o sistema de
procura de incentivos/recursos, ou sistema de drive, caracterizado por um afeto positivo ativador, este sistema
está orientado para a procura de recursos e realização de objetivos valorizados
e reforçadores, necessários para assegurar a sobrevivência e desenvolvimento
(Gilbert, 2005, 2009); e
(iii) o sistema de tranquilização/soothing,
mediado por neuro-hormonas como a oxitocina e os opiáceos (Depue
& Morrone-Strupinsky, 2005; Panksepp, 1998),
cuja função é conferir um sentimento de tranquilidade e de afiliação e ligação
segura aos outros e ao self, para
além da redução da ameaça (Gilbert, 1993, 2005). Tendo por base o sistema tripartido de regulação
emocional, a compaixão é conceptualizada como uma capacidade que evoluiu do sistema
fisiológico dos mamíferos subjacente à vinculação e está associada à ativação
do sistema tranquilização/soothing (Gilbert,
1993, 2005, 2009; Mikulincer & Shaver,
2005).
De acordo com o postulado por Gilbert (2005, 2009) a compaixão define-se
por uma combinação de motivos, pensamentos, emoções e comportamentos que
envolvem duas dimensões: uma sensibilidade intencional ao sofrimento e uma
atitude de compromisso e motivação para o seu alívio (Gilbert, 2005, 2015). Assim, é
possível distinguir distintas dimensões do constructo de compaixão: (i) os
atributos e motivações compassivas e (ii) as ações compassivas (Gilbert, 2010). Mais especificamente, os
atributos/motivações compassivos definem-se como uma competência ou capacidade
para lidar com o sofrimento (do próprio ou alheio) com uma atitude de simpatia,
empatia, sensibilidade, tolerância, aceitação e não-julgamento (Gilbert, 2009). As ações compassivas têm por base as
competências compassivas e são definidas como a forma comportamental de lidar
com sentimentos e pensamentos dolorosos, ou seja, o modo como o indivíduo
procede para agir de acordo com os atributos compassivos (Gilbert, 2009, 2010). Dados empíricos
parecem indicar que a combinação de determinadas competências e atributos
compassivos desativam alguns comportamentos, sentimentos e pensamentos
provenientes do sistema de defesa-ameaça e do sistema drive (Gilbert, 2010). Desde modo, o
treino destes componentes pode estimular no indivíduo o sentimento de apoio,
suporte e inclusão, e assim contribuir para o desenvolvimento da mente
compassiva (Gilbert, 2009, 2010;
Gilbert & Irons, 2005).
Em termos de fluxo ou direção, estes
sentimentos afiliativos de compaixão podem assumir três possíveis direções
(Gilbert, 2005, 2015):
compaixão autodirigida (autocompaixão), compaixão dirigida aos outros e a
capacidade de receber sinais e atitudes compassivas dos outros. Diferentes
estudos têm demonstrado que ser compassivo consigo e com outros tem um efeito
promotor do bem-estar e da satisfação com a vida, conexão social e inteligência
emocional (Barnard & Cury, 2011; Heffernan,
Griffin, McNulty, & Fitzpatrick, 2010; Neff
& Lamb, 2009). Especificamente, a autocompaixão é definida como a
capacidade de abertura ao próprio sofrimento, com uma atitude não crítica
baseada no reconhecimento de que o ser humano é imperfeito e comete erros, e de
que faz parte da condição humana comum (Neff, 2003b).
Investigação recente tem apontado a autocompaixão como um processo adaptativo
que se associa a maior resiliência à psicopatologia e com diversos indicadores
de funcionamentos psicológico saudável e bem-estar (Ferreira,
Matos, Duarte, & Pinto-Gouveia, 2014; Neff, 2003a,
2003b; Neff,
Kirkpatrick, & Rude, 2007). Adicionalmente, tem sido enfatizado o papel
da autocompaixão como amortizador de fenómenos associados com a psicopatologia
alimentar, nomeadamente, a vergonha e a insatisfação em relação à imagem
corporal em mulheres (e.g., Kelly & Stephen, 2016; Pinto-Gouveia, Ferreira, & Duarte, 2014). Uma
revisão sistemática de 28 estudos (Braun, Park, & Gorin,
2016) apontou como evidente a relação entre a autocompaixao e baixos níveis
de psicopatologia alimentar e, ainda, a autocompaixão como fator protetor
contra a insatisfação com a imagem corporal e a psicopatologia alimentar. No
entanto, até à data não existem dados sobre a relação específica dos
atributos/motivações e ações autocompassivos e o comportamento alimentar
perturbado.
A quase secular investigação na área da
imagem corporal, apesar de rica, tem assumido quase exclusivamente uma
perspetiva patologizante, isto é, tem-se focado na compreensão da insatisfação
ou depreciação da imagem corporal e no estudo dos preditores e consequências
das dificuldades associadas à vivência da imagem corporal (Marta-Simões, Ferreira, & Mendes, 2016; Smolak & Cash, 2011; Tylka, 2012; Tylka, Nichole, & Wood-Barcalow, 2015a). De uma forma
global, considera-se atualmente que uma perspetiva patologizante da imagem
corporal representa uma abordagem redutora deste constructo. De facto, ao se
enfatizar o estudo e a intervenção no alívio dos sintomas da imagem corporal
negativa, não se contempla a abordagem dos mecanismos protetores inerentes a
uma vivência positiva da aparência física nem se potencia o premente
investimento na promoção de estratégias de saúde e bem-estar em relação à
imagem corporal (Smolak & Cash, 2011). Fruto de tal lacuna,
emergiu recentemente o inovador constructo de imagem corporal positiva (e.g., Avalos, Tylka, & Wood-Barcalow, 2005). Conceptualizado
como multifacetado e distinto da ausência de uma imagem negativa da própria
imagem corporal ou da experiência de perceção da própria atratividade física, o
constructo de imagem corporal positiva é definido por atitudes de aceitação,
amor e proteção em relação às características únicas do próprio corpo, à
funcionalidade e à saúde do mesmo (Marta-Simões,
Ferreira et al., 2016; Tylka et al., 2015a). A
imagem corporal positiva, na sua faceta de apreciação da imagem corporal,
implica ainda o investimento saudável na aparência física, isto é, engloba o
envolvimento em comportamentos de cuidado focados na própria saúde, filtrando e
rejeitando a conformidade em relação a ideias sociais de beleza rígidos e
castradores da unicidade da imagem corporal de cada sujeito (Avalos
et al., 2005; Marta-Simões, Ferreira et al.,
2016; Tylka et al., 2015a; Tylka,
Nichole, & Wood-Barcalow, 2015b). Estudos recentes confirmam a
associação da apreciação da imagem corporal com diversos indicadores positivos
de saúde e bem-estar (e.g., Avalos et al., 2005; Marta-Simões, Ferreira et al., 2016). De facto, a literatura
sugere que a apreciação da imagem corporal tem uma função protetora contra os
ideais de beleza societais, dificilmente atingíveis pela maioria das mulheres (Halliwell & Diedrichs, 2014), e subsequente
sofrimento associado à vivência da imagem corporal (Andrew,
Tiggemann, & Clark, 2015; Halliwell, 2013).
Adicionalmente, tem sido documentado que a apreciação da imagem corporal se
associa a maiores níveis de autoestima e otimismo (Avalos et
al., 2005), afeto positivo e satisfação com a vida (Swami,
Hadji-Michael, & Furnham, 2008). De uma forma global, a literatura tem
demonstrado que a vivência da imagem corporal tem um impacto significativo na
saúde física, psicológica e social das mulheres (Goss &
Gilbert, 2002). A mais recente investigação parece validar que a promoção
de uma relação positiva com o corpo, independentemente das suas caraterísticas
ou atributos, poderá ter um impacto fundamental na prevenção de atitudes e
comportamentos alimentares perturbados, assim como na promoção da saúde mental
e bem-estar (e.g., Halliwell, 2015; Smolak & Cash, 2011).
Pela partilha de raízes na filosofia
Budista, a apreciação da imagem corporal pode ser vista à luz da autocompaixão
(Neff, 2003b; Tylka et al., 2015a).
Mais precisamente, as várias facetas da apreciação da imagem corporal podem
definir-se como a assunção de uma atitude
mindful e bondosa perante experiências internas indesejadas relacionadas
com a imagem corporal, e a capacidade de compreender e ser gentil para com
falhas percebidas na aparência física e de as encarar como parte da condição
humana (Homan & Tylka, 2015; Marta-Simões, Mendes, Oliveira, Trindade, &
Ferreira, 2016; Wasylkiw, MacKinnon, & Malvino,
2012).
Estudos realizados em amostras femininas
documentam o papel protetor da autocompaixão em relação às perturbações
associadas à imagem corporal e ao comportamento alimentar tem atualmente forte
suporte empírico, destacando-se a associação da autocompaixão a um menor
impacto da insatisfação com a imagem corporal no bem-estar (e.g., Duarte, Ferreira, Trindade, & Pinto-Gouveia, 2015), e a
uma menor probabilidade de ser movido pela persecução da magreza e de
envolvimento em comportamentos alimentares perturbados (Pinto-Gouveia
et al., 2014). No entanto, e apesar da aparente relação entre os dois
constructos, esta associação entre as competências autocompassivas e uma
atitude de apreciação em relação à imagem corporal encontra-se escassamente
documentada (Kelly & Stephen, 2016; Marta-Simões, Mendes et al., 2016).
Adicionalmente, são inexistentes estudos que explorem a relação específica dos
atributos/motivações e ações autocompassivos com a apreciação da imagem
corporal e com atitudes e comportamentos alimentares perturbados.
Tendo em conta as premissas apresentadas, o
principal objetivo da presente investigação foi testar o efeito mediador da
apreciação da imagem corporal na explicação do impacto de motivações e ações
autocompassivas no comportamento alimentar perturbado. Pela imagem corporal se
revestir de especial importância na auto e heteroavaliação feminina nas
sociedades Ocidentais (Spade & Valentine, 2008), esta
hipótese foi testada numa amostra adulta feminina. Especificamente, o modelo
testado hipotetizou que a detenção de ações autocompassivas se associam a
maiores atitudes de amor, apreço e proteção em relação às características
únicas da própria aparência física, e que tal se reflete em níveis mais baixos
de comportamentos alimentares perturbados. De forma a aumentar a robustez deste
modelo foi controlado o efeito do índice de massa corporal.
Participantes
A amostra do presente estudo foi composta por 360 participantes do sexo feminino,
da população geral, com idades compreendidas entre 18 e 50 anos. As
participantes reportaram uma idade média de 28,98 (DP = 9,24) anos e uma média de 13,78 (DP = 3,14) anos de escolaridade.
Em relação ao Índice de Massa Corporal (IMC), as participantes
apresentaram um IMC médio de 23,43 kg/m2 (DP = 4,44). Vinte e três mulheres (6,4%) apresentaram um baixo peso
(IMC < 18,5 kg/m2), 243 (67,5%) participantes enquadraram-se na
classificação de peso normal (18,5 ≤
IMC ≥ 25 kg/m2), 63 (17,5%) apresentaram excesso de peso (25 ≤ IMC ≥
30 kg/m2) e 31 (8,6%) mulheres enquadraram-se na classificação de
obesidade (IMC > 30 kg/m2), de acordo com a classificação da OMS.
Esta distribuição do IMC das participantes reflete a distribuição normal em
adultos da população portuguesa do sexo feminino (Poínhos et
al., 2009).
Medidas
Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC foi calculado através do
índice de Quetelet (Kg/m2) com base nos autorrelatos do peso e
altura atual dos participantes.
Compassionate
Engagement and Action Scales (CEAS; Gilbert et al., 2017). A CEAS é uma medida
de autorrelato, constituída por três escalas compostas por 13 itens cada, que
visa avaliar as diferentes direções da compaixão: compaixão dirigida ao próprio
(Escala de Autocompaixão – CEAS-SC), compaixão dirigida ao outro (Escala de
Compaixão pelos Outros) e receber compaixão dos outros (Escala de Receber
Compaixão dos Outros). Cada escala é composta por duas subescalas que medem
duas dimensões: Motivações ou atributos compassivos (i.e., motivação para lidar
com o sofrimento com uma atitude amável e compassiva) constituída por oito
itens; e ações compassivas (i.e., comportamento e a forma de lidar
compassivamente com emoções e pensamentos negativos e situações de sofrimento
ou dificuldade), composta por cinco itens. É solicitado aos participantes que
respondam a cada item numa escala de dez pontos (1 = “Nunca” a 10 = “Sempre”).
Resultados mais altos são indicadores de níveis mais elevados de motivações e
ações compassivas, nas diferentes direções avaliadas. No presente estudo foi
unicamente utilizada a escala da compaixão autodirigida, nas suas subescalas
motivações/atributos autocompassivos (e.g., “Tenho uma atitude de aceitação, não-crítica
e de não julgamento em relação ao meu sofrimento”) e ações autocompassivas
(e.g., “Penso sobre o meu sofrimento e encontro formas úteis de lidar com
ele”). No estudo original, o qual apresentou a validação para as populações
americana, britânica e portuguesa, foram reportadas consistências internas de
0,74 e 0,89 para as subescalas motivações/atributos autocompassivos e ações
autocompassivas, respetivamente (Gilbert et al.,
2017).
Body Appreciation Scale-2 (BAS-2;
Tylka et al., 2015b; versão portuguesa de Marta-Simões, Mendes et al., 2016); BAS-2 é
um instrumento de autorresposta que pretende avaliar o nível de aceitação e
respeito em relação à imagem corporal, mesmo quando não totalmente satisfeita
com determinadas caraterísticas ou com o seu aspeto global (i.e., “O meu
comportamento revela uma atitude positiva em relação ao meu corpo/imagem
corporal”). É constituída por dez itens com uma escala de resposta de cinco
pontos (de 1 = “Nunca” a 5 = “Sempre”). Resultados mais elevados indicam graus
elevados de aceitação e uma apreciação positiva em relação à imagem corporal. A BAS-2 revelou boas qualidades
psicométricas, apresentando um alfa de Cronbach entre 0,93 a 0,97 em diversas
amostras na versão original (Tylka et al., 2015b) e
0,95 para a versão portuguesa (Marta-Simões,
Mendes et al., 2016).
Eating Disorder Examination Questionnaire (EDE-Q; Fairburn & Beglin, 1994; versão portuguesa de Machado et al., 2014). A EDE-Q é uma medida de autorrelato
baseada na Eating Disorder Examination
(EDE; Fairburn & Cooper, 1993) para avaliar a
sintomatologia associada à psicopatologia alimentar. Composta por quatro
subescalas (restrição, preocupação com a comida, preocupação com o peso,
preocupação com a forma) é constituída por um total de 36 itens que avaliam a
frequência e a severidade das atitudes e comportamentos alimentares
perturbados, no período temporal dos últimos 28 dias. Os itens que avaliam a
frequência da ocorrência (itens de 1 a 15) são respondidos numa escala de sete
pontos (de 0 = “Nada” a 6 = “Todos os dias”), e os itens que avaliam a
severidade dos sintomas (itens do 29 ao 36) numa escala de sete pontos (de 0 =
“Nada” a 6 = “Extremamente”). A EDE-Q apresentou boas propriedades
psicométricas na versão original (Fairburn, 2008)
como na versão portuguesa (α = 0,94), já as
subescalas apresentaram valores entre 0,76 e 0,92 (Machado
et al., 2014).
Os valores de alfa de Cronbach das medidas utilizadas na presente amostra
encontram-se reportados na Tabela 1.
Procedimento
O presente estudo está inserido numa investigação mais abrangente acerca
da relação entre estratégias de regulação emocional, imagem corporal e saúde
mental. A recolha da amostra e todos os procedimentos do estudo respeitaram
todas as exigências éticas e os princípios deontológicos inerentes à
investigação em psicologia.
Após parecer favorável da comissão de ética, a amostra em estudo foi
obtida através de publicidade online, utilizando a rede social “Facebook” e
através de convites via email a
diferentes contactos da rede social dos investigadores, aos quais foi
solicitado a partilha por dois ou mais contactos pessoais (método de amostragem
exponencial não-discriminante de bola-de-neve). No convite à participação no
estudo foi incluída informação acerca do objetivo e dos procedimentos da
presente investigação, o caráter voluntário da sua participação e os critérios
de inclusão na amostra (adultos do sexo feminino com idades compreendidas entre
os 18 e os 50 anos e com nacionalidade portuguesa) sendo, ainda, garantida o
anonimato e a confidencialidade dos dados obtidos, de uso exclusivo para fins
da investigação Este convite online incluía um link, da plataforma “LimeSurvey”, que direcionava o potencial
participante para a versão online do questionário. A recolha da amostra foi
realizada entre Outubro de 2016 e Março de 2017, tendo sido requerido a todos
os indivíduos que aceitaram colaborar neste estudo o seu consentimento
informado, por escrito, previamente à apresentação dos questionários/medidas de
autorresposta.
Estratégia Analítica
A análise de dados foi elaborada com recurso ao software IBM SPSS
Statistics 22.0 (SPSS IBM; Chicago, IL) e ao AMOS 21.0 (Analysis of Momentary
Structure, SPSS; Armonk, NY: IBM Corp.).
Com o objetivo de analisar as características da amostra nas variáveis em
estudo foram realizadas estatísticas descritivas, nomeadamente, médias e
desvios-padrão. Posteriormente, de
forma a compreender as relações entre os diversos constructos foram
realizadas análises de correlação de Pearson.
A discussão das magnitudes dos resultados das correlações seguiu as guidelines
de Cohen, considerando-se de magnitude fraca, correlações abaixo de 0,3,
moderada entre 0,3 e 0,5 e forte correlações iguais ou superiores a 0,5, para
um nível de significância de 0,05 (Cohen, Cohen, West, &
Aiken, 2003).
Foram ainda realizadas análises de mediação através do AMOS 21.0, uma
ferramenta estatística que permite realizar análises de vias (path analysis), uma forma de modelos de
equação estruturais para examinar, simultaneamente, efeitos diretos e indiretos
em diferentes variáveis (endógenas e exogéneas) controlando a presença de erros
(Kline, 2005). Em conformidade com os objetivos do estudo,
foi testado o efeito das motivações e ações autocompassivas (variáveis
exógenas) na perturbação alimentar (variável endógena), examinado o efeito
mediador da apreciação da imagem corporal nesta associação (variável endógena
mediadora). O método de Máxima Verossimilhança foi utilizado para averiguar a
significância dos coeficientes da via (path)
e para calcular o modelo estatístico. Além do mais, foi calculado o
Qui-Quadrado (χ2), o Índice de Tucker
Lewis (Tucker Lewis Index; TLI), o
Índice de Ajustamento Comparativo (Comparative
Fit Index; CFI), o Índice de Ajustamento Normalizado (Normed Fit Index; NFI) e a Raiz do Erro Quadrático Médio de
Aproximação (Root-Mean Square Error of
Approximation; RMSEA), com o objetivo de examinar a plausibilidade do
modelo. Os efeitos diretos, indiretos e totais estabelecidos entre as variáveis
foram testados através do Qui-Quadrado e do método Bootstrap resampling com 2000 amostras e com um intervalo de
confiança (IC) corrigido de 95% (bias-corrected
confidence intervals). Nesta análise, considera-se que o efeito é
estatisticamente significativo quando o intervalo de confiança (IC) não inclui
o zero (Kline, 2005) e quando o p < 0,050 (Tabachnick & Fidell, 2007).
Análises Preliminares
Em primeiro lugar foram efetuadas análises de
assimetria (Sk) e de curtose (Ku). Os resultados revelaram que os
valores de assimetria variaram entre -0,50 (para a variável CEAS-SC-ações) e 1,44 (IMC); os valores de curtose
variaram entre -0,31 e 2,58 (para as variáveis CEAS-SC-ações e IMC, respetivamente). Tendo em conta
as recomendações de Kline (2005), os valores encontrados
permitem a assunção do pressuposto da normalidade da distribuição dos dados (|Sk|
< 3, |Ku| < 8). Esta análise revelou a adequação dos dados para a
execução de posteriores análises estatísticas, assim como a assunção da
independência dos erros, homocedasticidade, linearidade, normalidade, ausência
de problemas de multicolinearidade e singularidade entre variáveis.
Análises descritivas e de correlações
Os valores das médias, desvios-padrão e de
consistência interna das variáveis em estudo foram explorados e são
apresentados na Tabela 1. As correlações entre variáveis foram examinadas em relação à sua
significância, direção e magnitude, tendo em conta as recomendações de Cohen e
colaboradores (2003).
|
TABELA 1 Médias (M), Desvios-Padrão (DP), Alfas de Cronbach
e Valores de Correlações entre as Variáveis em Estudo (N = 360) |
|
|||||||||||
|
|
α |
M |
DP |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
8 |
|
|
1. IMC |
— |
23,43 |
4,44 |
— |
|
|
|
|
|
|
||
|
2. CEAS-SC-atrib |
0,80 |
25,01 |
7,44 |
-0,09 |
— |
|
|
|
|
|
|
|
|
3. CEAS-SC-ações |
0,92 |
26,98 |
8,09 |
-0,06 |
0,71*** |
— |
|
|
|
|
|
|
|
4. BAS-2 |
0,96 |
3,70 |
0,83 |
-0,25*** |
0,44*** |
0,56*** |
— |
|
|
|
|
|
|
5. EDE-Q-restr |
0,72 |
0,75 |
0,96 |
0,30*** |
0,04 |
-0,03 |
-0,21*** |
— |
|
|
|
|
|
6. EDE-Q-preoccomida |
0,71 |
0,48 |
0,72 |
0,32*** |
-0,26*** |
-0,34*** |
-0,52*** |
0,44*** |
— |
|
|
|
|
7. EDE-Q-preocpeso |
0,72 |
1,34 |
1,28 |
0,47*** |
-0,20*** |
-0,30*** |
-0,61*** |
0,44*** |
0,75*** |
— |
|
|
|
8. EDE-Q-preocforma |
0,88 |
1,50 |
1,42 |
0,42*** |
-0,23*** |
-0,33*** |
-0,65*** |
0,45*** |
0,73*** |
0,90*** |
— |
|
|
9. EDE-Q-total |
0,93 |
1,08 |
0,99 |
0,45*** |
-0,20*** |
-0,30*** |
-0,62*** |
0,63*** |
0,82*** |
0,94*** |
0,96*** |
|
|
Nota. α = alfa de Cronbach; IMC =
Índice de Massa Corporal; CEAS-SC-atrib = Subescala
Atributos/motivos Autocompassivos da Compassionate
Engagement and Action Scales; CEAS-SC-ações = Subescala Ações Autocompassivas da Compassionate Engagement and Action Scales; BAS-2 = Body Appreciation
Scale-2; EDE-Q = Eating Disorder Examination Questionnaire-
subescalas (restr = Restrição, preoccomida = Preocupação com a Comida
Alimentar; preocpeso = Preocupação com o Peso; preocforma = Preocupação com a
Forma) e total. *p <
0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001. |
|
Relativamente ao
índice de massa corporal (IMC), foram verificadas correlações significativas
com a apreciação da imagem corporal (BAS-2, de direção negativa e magnitude fraca), e
com todas as subescalas do questionário de alimentação (EDE-Q, de direção
positiva e moderada magnitude). A subescala de atributos autocompassivos (CEAS-SC-atrib) apresentou
associações positivas e fortes com as ações autocompassivas (CEAS-SC-ações, de
magnitude elevada) e moderadas com a BAS-2. Esta subescala mostrou,
ainda, correlacionar-se significativa e negativamente com as subescalas e total
da EDE-Q (com magnitudes fracas), excetuando a subescala de Restrição (EDE-Q-restr). Em relação
às ações autocompassivas (CEAS-SC-ações), foi verificada uma associação positiva e
forte com a BAS-2 e associações negativas e moderadas com as
subescalas e o total da escala EDE-Q, com exceção da EDE-Q-restr.
Adicionalmente,
a apreciação positiva da imagem corporal (BAS-2) revelou associar-se negativamente às
subescalas da EDE-Q, apresentando uma correlação fraca com a subescala
restrição, e correlações elevadas com as subescalas preocupação com a comida,
preocupação com o peso, preocupação com a forma, e com a pontuação total da
escala. Finalmente, entre as várias subescalas e o total da EDE-Q verificaram-se
associações positivas, de magnitudes de moderadas a fortes.
Análise de vias (path
analysis)
Através de uma análise de vias (path
analysis) foi testada a hipótese de que a associação entre atributos e
ações autocompassivas (CEAS-SC-atrib e CEAS-SC-ações) e a adoção de um comportamento alimentar perturbado (EDE-Q)
seria mediada pela relação de aceitação e apreço pela própria imagem corporal
(BAS-2), quando controlando o efeito do índice de massa corporal (IMC). Este
modelo teórico hipotetizava ainda que, enquanto a relação entre ações
autocompassivas e comportamento alimentar perturbado seria também significativa
a um nível direto, o mesmo não se verificaria na relação entre atributos
autocompassivos e comportamento alimentar perturbado. A opção pelo estudo deste
modelo teórico em detrimento de um modelo saturado foi legitimada pela análise
de correlações, a qual mostrou que a associação entre atributos autocompassivos
e comportamento alimentar perturbado é de magnitude baixa, não justificando a
inclusão desta via no modelo a testar.
O modelo inicialmente testado (modelo teórico)
consistia num total de 15 parâmetros. Este modelo teórico revelou explicar 36%
da variância da apreciação da imagem corporal e 48% da variância do
comportamento alimentar perturbado. Contudo, os resultados revelaram que
algumas vias (paths) do modelo teórico não apresentavam significância
estatística. Por este motivo, o modelo sofreu um reajustamento através da
eliminação sequencial do efeito direto dos atributos autocompassivos na
apreciação da imagem corporal (bCEAS-SC-atrib
= 0,007; SEb = 0,007; Z = 0,987; p = 0,324); e
do efeito direto das ações autocompassivas no comportamento alimentar
perturbado (bCEAS-SC-ações = 0,002; SEb
= 0,006; Z = 0,401; p = 0,688).
O modelo final (Figura 1)
revelou ser explicativo de 36% e 48% das variâncias da apreciação da imagem
corporal e do comportamento alimentar perturbado, respetivamente, apresentando
um excelente ajustamento aos dados empíricos [χ2(3)
= 4,984, p = 0,173, CMIN/DF = 1,661; NFI = 0,992, TLI
= 0,990, CFI = 0,997; RMSEA = 0,043, p = 0,481, IC
95%= 0,000 a 0,107]. As ações
autocompassivas revelaram um efeito direto sobre a apreciação da imagem corporal
de 0,548 (bCEAS-SC-ações = 0,057; SEb
= 0,004; Z = 12,964; p = 0,001). A apreciação da imagem corporal
revelou um efeito direto no comportamento alimentar perturbado de -0,539 (bBAS-2
= -0,638; SEb = 0,047; Z = -13,680; p = 0,001).
Como síntese, os resultados obtidos mostraram que as ações autocompassivas têm
um efeito indireto sobre o comportamento alimentar perturbado, mediado pela
apreciação da imagem corporal (β = -0,295; IC 95% = -0,376 a -0,231).
FIGURA 1. Modelo Final da análise de vias (path
analysis). [Clique aqui para
abrir]. Nota. IMC =
Índice de Massa Corporal; CEAS-SC-atrib = Subescala
Atributos/motivos Autocompassivos da Compassionate
Engagement and Action Scales; CEAS-SC-ações = Subescala Ações Autocompassivas da Compassionate Engagement and Action Scales; BAS-2 = Body
Appreciation Scale-2; EDE-Q
= Eating Disorder Examination
Questionnaire; *p
< 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.
A literatura tem sublinhado a importância da compaixão na promoção da saúde mental e qualidade de
vida (Allen & Leary, 2010; Macbeth & Gumley, 2012; Neff, 2009). Particularmente em
amostras de mulheres, diferentes estudos têm documentado que a autocompaixão
apresenta uma capacidade de amortização
dos efeitos nefastos da insatisfação com a imagem corporal no envolvimento em comportamentos
alimentares perturbados (e.g., Pinto-Gouveia
et al., 2014). No contexto das perturbações associadas
à imagem corporal e ao comportamento alimentar, o estudo da imagem corporal positiva e da sua faceta de apreciação da
imagem corporal tem sido apontada como uma estratégia inovadora e
potencialmente eficaz na prevenção da psicopatologia alimentar (Halliwell, 2015; Smolak & Cash, 2011). Apesar de o
constructo de apreciação da imagem corporal ter sido associado à detenção de atitudes autocompassivas (Avalos et al., 2005; Wasylkiw
et al., 2012), ainda não se
encontra clarificada a forma como estes dois constructos se relacionam e qual o
seu impacto comportamento alimentar perturbado. Tentando contribuir para
o esclarecimento destas questões, o presente estudo propôs-se testar o papel
mediador da apreciação da imagem corporal na relação entre atributos e ações
autocompassivas e o comportamento alimentar perturbado, numa amostra de 360
mulheres da população geral.
Os resultados da análise de correlações revelaram-se
em conformidade com os dados da literatura, corroborando nomeadamente a associação positiva entre
variáveis relacionadas com a autocompaixão (e.g., atributos e ações) e maiores
níveis de apreciação da imagem corporal (Kelly
& Stephen, 2016; Marta-Simões,
Ferreira et al., 2016; Marta-Simões,
Mendes et al., 2016) e
menores níveis de comportamentos alimentares disfuncionais (Marta-Simões, Ferreira et al., 2016; Pinto-Gouveia et al., 2014). Ainda, em consonância com os dados de
estudos prévios os quais sugerem que apreciação da imagem corporal poderá ser
um potencial mecanismo de prevenção e redução da psicopatologia alimentar (Halliwell, 2015; Smolak & Cash, 2011), no presente estudo
foi encontrada uma correlação negativa
e de magnitude elevada entre a apreciação da imagem corporal e diversos
indicadores de atitudes e comportamentos alimentares perturbados.
No sentido de analisar a hipótese principal, i.e., se a associação entre motivações e
ações autocompassivas e atitudes ou comportamentos alimentares perturbados é
significativa e mediada pela apreciação da imagem corporal, foi realizada uma análise de vias (path
analysis), controlando o efeito do índice de massa corporal. No
presente estudo optou-se pela exploração de um modelo teórico que não
contemplava a relação direta entre atributos autocompassivos e comportamento
alimentado perturbado, opção que foi legitimada pela verificação de uma
correlação de baixa magnitude entre as duas variáveis. O modelo teórico testado
explicou 36% da variância da apreciação da imagem corporal e 48% da variância
da adoção de comportamentos alimentares perturbados, e revelou um excelente ajustamento aos dados
empíricos. Os resultados da análise de vias (path analysis parecem
demonstrar que existe uma relação direta e positiva entre ações
autocompassivas e a apreciação da imagem corporal, e direta e negativa entre a apreciação
da imagem corporal e comportamentos alimentares perturbados. Como resultado
principal, foi verificado que a relação entre as ações autocompassivas e o
comportamento alimentar perturbado é significativa ao nível indireto, i.e., sendo explicada pelos níveis de
apreciação da imagem corporal.
Os resultados do presente estudo parecem confirmar as
hipóteses previamente estabelecidas, sugerindo que em mulheres, uma maior capacidade de envolvimento em ações que são
congruentes com os atributos autocompassivos parece associar-se a uma menor
tendência para se envolver em comportamentos alimentares perturbados, através
de uma atitude de apreço, amor, calor, proteção em relação as qualidades únicas
e função do próprio corpo. Atendendo à literatura prévia, este estudo
parece ter um caráter inovador na medida em que contribui para o esclarecimento
das relações entre motivações e ações autocompassivas e apreciação da imagem
corporal e, consequentemente, o seu impacto sobre o envolvimento em
comportamentos alimentares perturbados. Especificamente, os resultados parecem
sugerir a inexistência de um efeito direto entre atributos autocompassivas e a
apreciação da imagem corporal, ou seja, que isoladamente a motivação ou
atributos autocompassivos para lidar com o próprio sofrimento não tem impacto
direto na capacidade de aceitar e tratar com gentiliza as características
únicas do próprio corpo. Contudo, foi verificada uma elevada associação entre
atributos/motivações e ações autocompassivas, podendo ser hipotetizado que o
efeito dos atributos é transportado pelas ações autocompassivas, as quais
demonstraram contribuir para a explicação de uma maior capacidade de apreciar a
própria imagem corporal, e de forma indireta na apresentação de menores níveis
de atitudes e comportamentos alimentares perturbados. Em específico, não se
verificou uma influência direta das ações autocompassivas em menores níveis de
atitudes e comportamentos alimentares maladaptativos, sugerindo que a
capacidade de lidar de forma compassiva com o próprio sofrimento não é
suficiente para prevenir psicopatologia alimentar, sendo relevante, neste
contexto, o cultivo da apreciação da imagem corporal.
Os presentes resultados devem ser analisados atendendo
a algumas limitações. A principal limitação é a natureza transversal deste
estudo, a qual não permite retirar conclusões de causalidade, assim, futuros
estudos devem testar estes efeitos de mediação recorrendo a um design longitudinal.
Outra limitação metodológica é a utilização exclusiva de questionários de
autorresposta, os quais poderão estar associados a subjetividade e a possíveis
enviesamentos nos resultados. Investigações futuras devem recorrer a
entrevistas, de forma a testar a plausibilidade deste modelo. Também, a recolha
de amostra online poderá ser
considerada um entrave à representatividade da amostra em estudo da população
em geral. A utilização de uma amostra exclusivamente constituída por mulheres
pode ser considerada uma limitação, pois não permite a generalização dos
resultados para outro tipo de amostras. A opção por esta amostra foi baseada no
facto de os dados sugerirem que o sexo feminino apresenta maior vulnerabilidade
para a psicopatologia alimentar, no entanto, investigações futuras deverão
replicar estas análises em diferentes amostras (e.g., população masculina e
população adolescente). Por pretender estudar uma hipótese em específico, o
modelo foi limitado à exploração das variáveis atributos/motivações e ações
autocompassivas, apreciação da imagem corporal e atitudes e comportamentos
alimentares perturbados. Contudo, dada a natureza multideterminada das
dificuldades associadas à imagem corporal e ao comportamento alimentar, futuras
investigações deverão incluir outras variáveis (e.g., diferentes processos de
regulação emocional). Adicionalmente, não foram tidas em conta questões
associadas com a saúde das participantes, especificamente a existência prévia
ou presente de psicopatologia alimentar. Embora os dados em relação à imagem
corporal e comportamento alimentar se tenham revelado normativos em relação à
população portuguesa, futuros estudos deverão avaliar e controlar a influência
destas variáveis.
Em conclusão, o presente estudo sugere que a
capacidade de agir de acordo com motivações/atributos autocompassivos contribui
para maiores níveis de aceitação e gentileza para com as características únicas
do próprio corpo, mesmo quando percebidas pelo indivíduo como não desejáveis, o
que se poderá refletir numa menor propensão para adotar atitudes e
comportamentos alimentares perturbados. Os presentes resultados parecem ter
implicações aos níveis da prática clínica e da investigação, sublinhando a
importância de desenvolver competências autocompassivas e de aceitação,
respeito e bondade para com as caraterísticas únicas da imagem corporal em
programas de intervenção e prevenção de psicopatologia alimentar.
Conflito de interesses: Nenhum.
Fontes de financiamento: Nenhuma.
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ⓘ PsyM. Revisão da literatura;
Recolha e tratamento dos dados; Redação do manuscrito. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Conceção e desenho de investigação. Discussão dos dados. Revisão da
redação final do manuscrito. Centro de
Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenções Cognitivo-Comportamentais,
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra,
Portugal.
ⓘ PhD St. Revisão crítica no âmbito científico da estatística. Contributo
na redação do manuscrito. Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.