2018, Vol. 4(2): 3-15
Medos
associados à imagem corporal na adolescência: desenvolvimento e validação da
Escala de Ansiedade e Evitamento de Situações devido ao Peso e Aparência Física
Artigo Original
Rita Costa ⓘ ✉, Marina Cunha ⓘ, Lara Palmeira
ⓘ, Margarida
Couto ⓘ, Ana Galhardo ⓘ
https://doi.org/10.31211/rpics.2018.4.2.68
Recebido 26 novembro 2017
Aceite 9 abril 2018
Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo fundamental o
desenvolvimento e validação de um novo instrumento para adolescentes: a Escala
de Ansiedade e Evitamento de Situações devido ao Peso e Aparência Física
(EAESPAF).
Métodos: A amostra incluiu 357 adolescentes, 195 do sexo masculino e 162 do sexo
feminino, com idades entre os 12 e os 18 anos, a frequentarem o 3.º ciclo do
ensino básico e ensino secundário. Para além do instrumento citado, os jovens
preencheram um conjunto de questionários de autorresposta que avaliam sintomas
de depressão, ansiedade, stress,
experiências de bullying e
sentimentos de vergonha relacionados com a aparência física e peso.
Resultados: Os resultados mostraram que as duas
subescalas (ansiedade/desconforto e evitamento) da EAESPAF apresentam uma
estrutura fatorial constituída por dois fatores. Ambas as subescalas revelaram
uma excelente consistência interna (α de Cronbach = 0,91), com uma boa
qualidade dos itens e uma adequada estabilidade temporal. Foram encontradas
correlações positivas significativas entre as subescalas da EAESPAF e os
sentimentos de vergonha, as experiências de vitimização, e sintomas
psicopatológicos (depressão, ansiedade e stress).
O sexo feminino revelou valores significativamente mais elevados que o sexo
masculino no total da subescala de ansiedade e no Fator 2 (de ambas as
subescalas de ansiedade e de evitamento), o qual se relaciona sobretudo com uma
maior exposição na interação com os outros.
Conclusões: Na generalidade a EAESPAF é um
instrumento fidedigno e válido para a avaliação de medos relacionados com a
aparência física e peso durante a adolescência.
Palavras chave:
Adolescência · Evitamento ·
Experiências de vergonha · Experiências
de vitimização · Imagem corporal
A preocupação com o peso e a aparência
física são hoje em dia de importância acrescida na sociedade atual
particularmente na população adolescente (Braggion,
Matsudo, & Matsudo, 2000). Tais preocupações podem desencadear
ansiedade e desconforto, ou mesmo, evitamento de situações sociais em que a
imagem corporal possa estar exposta (Cash, 2002).
A imagem corporal é a representação mental
que o indivíduo possui acerca do seu próprio corpo, ou seja, depende de como
ele se vê, se sente e se move. É moldada pela perceção de emoções e sensações
físicas, sendo que nunca é estática porque muda consoante o humor, experiências
físicas e o contexto em que se insere (Croll, 2005). Este
conceito é multidimensional porque é constituído por várias dimensões/domínios que
se relacionam entre si, nomeadamente os domínios percetivo, subjetivo e
comportamental. Assim, cada indivíduo observa a sua aparência física e peso de
forma consciente ou inconsciente (domínio percetivo), experienciando
sentimentos de satisfação ou insatisfação, conforto ou desconforto (domínio
subjetivo), o que poderá levar, ou não, ao evitamento de situações relacionadas
com a aparência física e com o peso (domínio comportamental) (Saikali,
Soubhia, Scalfaro, & Cordás, 2004).
De uma forma geral, a satisfação de um
adolescente com a sua imagem corporal resulta da comparação entre os seus
pensamentos, sentimentos e atitudes face ao corpo e ao peso e as perceções,
idealizações, pressões e normas sociais experienciadas (Alves,
Pinto, Alves, Mota, & Leirós, 2009; Vasconcelos,
1998; Veloso, 2003). O aumento da satisfação corporal
traduz-se em níveis elevados de autoestima (Simões, 2014).
Por outro lado, quando o adolescente percebe a sua imagem real como distante,
ou mesmo contrária, à que o grupo de pares, pais e contexto sociocultural
valorizam, é provável que apresente uma autoimagem negativa, que conduz a uma
insatisfação com a imagem corporal (Alves et al., 2009; Sands & Wardle, 2003). Pode por isso considerar-se que
existe uma discrepância entre a perceção, o tamanho do corpo e a forma
desejada, que pode traduzir-se em níveis elevados de ansiedade, afeto negativo,
baixa autoestima e medo da rejeição social (Ackard, Croll,
& Kearney-Cooke, 2002; Paxton, Neumark-Sztainer,
Hannan, & Eisenberg, 2006).
Diversos estudos têm revelado que níveis
elevados de insatisfação corporal constituem um fator de risco para o
desenvolvimento de perturbações do comportamento alimentar (binge-eating, anorexia, bulimia), bem
como para o desenvolvimento de sintomas depressivos e de ansiedade, estando
associado à diminuição da qualidade de vida (Fairburn &
Harrison, 2003; Lawler & Nixon, 2011; Niemeier, 2003; Stice, Marti, &
Durant, 2011).
Segundo Smolak, Levine e Thompson (2001), a população feminina encontra-se, em regra, mais
insatisfeita com a aparência física e peso. Este dado poderá estar associado à
ideia de que a aparência física feminina tende a ser alvo de maior atenção e
valorização social, no grupo de pares e sociedade em geral (Nanu,
Tăut,
& Băban,
2014). Este facto deve-se principalmente à dificuldade que encontram em
atingir um corpo atraente, que é idealizado pela sociedade, acabando,
frequentemente, por desenvolver sentimentos de vergonha (Gilbert,
2002; Simões, 2014).
A vergonha é uma emoção de caráter adaptativo
que, quando atinge níveis elevados pode impor obstáculos ao contexto social do
indivíduo (Gilbert, 1998b). Este conceito inclui
duas dimensões diferentes referente à vergonha interna e externa. A vergonha
interna refere-se à perceção de que o eu é inferior, desadequado ou defeituoso,
enquanto que a vergonha externa corresponde à ideia de que os outros vêm o eu
com estas características (Gilbert, 1998a, 1998b). De facto, a investigação salienta o impacto
negativo que a vergonha detém no ajustamento do individuo, estando associada a
comportamentos e atitudes mal-adaptativas e emoções negativas (Kim,
Thibodeau, & Jorgensen, 2011). Associada à aparência física emerge a
vergonha corporal, a qual poderá ter um elevado impacto negativo na saúde
mental e que engloba conceções acerca do tamanho, forma e peso corporal
idealizados pela sociedade (Duarte & Pinto-Gouveia,
2014; Duarte, Pinto-Gouveia, Ferreira, & Batista,
2015; Gilbert, 2002; Troop,
Sotrilli, Serpell, & Treasure, 2006). Na adolescência, frequentemente,
os jovens desenvolvem a idealização de um corpo e quanto mais este corpo
idealizado se distanciar do corpo real, mais consequências emocionais ou
comportamentais negativas podem surgir, dando lugar a sentimentos de vergonha,
culpa, frustração, submissão, inferioridade e fuga (Mikulincer
& Shaver, 2005). Segundo Gilbert (2002)
sempre que o indivíduo, consciente ou inconscientemente, julga que os outros o
percecionam como uma pessoa falhada, desinteressante no que diz respeito à sua
aparência física e peso, é ativado um sentimento de vergonha, que poderá
funcionar como uma estratégia de defesa/proteção, permitindo ao indivíduo
antecipar a exposição do seu corpo aos outros, através de atitudes ou
comportamentos defensivos e de evitamento (Gilbert, 1997,
1998a, 2002; Thompson & Kent, 2001). Adicionalmente, este
sentimento de vergonha poderá refletir-se no seu modo de agir em diferentes
contextos sociais, nomeadamente, evitar comer em público, podendo até evitar
confrontar-se com o tamanho, peso e forma corporal. Assim, por exemplo, poderão
surgir comportamentos de evitamento como não se olhar ao espelho e ocultar ou
esconder o corpo com o intuito de evitar situações sociais em que se tenha que
confrontar com o mesmo (Duarte et al., 2015; Mendes, Ferreira, & Marta-Simões, 2016; Ornelas, 2012; Roxo, 2015). Diversos
estudos têm sugerido que a vergonha relativa à imagem corporal se encontra
associada à psicopatologia, especialmente aos problemas de comportamento
alimentar (Duarte et al., 2015; Marta-Simões
& Ferreira, 2016).
As experiências de bullying na adolescência particularmente com o grupo de pares podem
tornar-se experiências de vergonha relevantes. O bullying é um tipo de violência que envolve comportamentos
agressivos repetitivos e intencionais com a vítima, com o objetivo de causar
sofrimento, menosprezar, intimidar, humilhar ou excluir alguém (Almeida, 2012; Olweus & Limber, 2010).
Os comportamentos violentos podem ser exercidos de três formas distintas:
fisicamente, através de agressões; verbalmente através de apelidos pejorativos
ou críticos; e ainda de forma relacional, por exclusão social (Björkqvist, 1994). Um adolescente que apresente certas
características/atributos físicos com os quais o grupo não se identifica, ou
não quer ser conotado, ao ser criticado ou humilhado tende a sentir-se
incomodado e/ou discriminado pelo grupo de pares, não só pela sua aparência
física, mas também pela personalidade e comportamento. Consideram-se como
exemplos os termos como “baleia” ou “hipopótamo” (Roth, Coles,
& Heimberg, 2002). Tal pode traduzir-se no desenvolvimento de
sentimentos de vergonha, que eventualmente poderão dar origem a outros
problemas graves como a solidão, o isolamento, a baixa autoestima, evitamento
do contato visual e um desejo de se esconder ou desaparecer (Gilbert, 1998b, 2002; Scutti, Seo, Amadeu, & Sampaio, 2014).
Em síntese, a revisão da literatura sobre a
imagem e preocupações corporais na adolescência tem revelado o seu potencial
efeito negativo no desenvolvimento psicológico atual e posterior dos jovens,
bem como na sua qualidade de vida. Assim, no sentido de contribuir para uma
melhor compreensão deste fenómeno complexo e multideterminado, torna-se
importante uma avaliação das diferentes e múltiplas facetas que podem estar
associadas à imagem e preocupações corporais. Este procedimento permitirá
desenhar intervenções bem delineadas que contemplem aspetos psicológicos,
físicos e contextuais, tendo ainda em conta as especificidades de género e a
fase desenvolvimental dos indivíduos.
Existem diversos instrumentos para avaliar a
imagem corporal, nomeadamente os níveis de insatisfação corporal, vergonha com
a imagem corporal e evitamento experiencial em relação à imagem corporal e peso
em adultos (e.g., Duarte et al., 2015; Ferreira, Pinto-Gouveia, & Duarte, 2011). Não
obstante, nos últimos anos têm surgido em Portugal diversos instrumentos de
autorresposta validados para crianças e adolescentes. A maioria destes
instrumentos permitem avaliar subjetivamente a satisfação com a imagem do corpo
(Menzel, Krawczyk, & Thompson, 2011; Yanover & Thompon, 2009), refletindo dimensões
cognitivas, afetivas e de comportamento da imagem corporal (Menzel
et al., 2011; Yanover & Thompon, 2009). Alguns
instrumentos, para além de itens acerca da aparência, da forma e peso corporal
do jovem, incluem também questões acerca da opinião e comportamentos de outras
pessoas (e.g., pais e pares) no que respeita à criança e/ou adolescente (Hill, 2011; Menzel et al., 2011).
Paralelamente existem ainda outros instrumentos que, embora não incidindo sobre
a satisfação corporal, avaliam sentimentos de vergonha ou experiências de bullying especificamente relacionados
com a imagem corporal ou aparência física e que têm desempenhado um papel
importante na investigação deste tema (Duarte, Ferreira,
& Pinto-Gouveia, 2010; Duarte &
Pinto-Gouveia, 2017).
Neste contexto, o objetivo do presente
estudo é desenvolver um novo instrumento para a população portuguesa que
permita avaliar o tipo de situações que provocam respostas de ansiedade e de
evitamento devido ao peso e à aparência física. Do nosso conhecimento, não se
encontra disponível um instrumento para adolescentes que possibilite a
avaliação do tipo de situações passíveis de desencadear ansiedade e evitamento
associados ao peso e à imagem corporal. Neste artigo, a construção da escala é
especificamente orientada para adolescentes, estando em preparação a versão
para adultos. O estudo consiste na apresentação do desenvolvimento,
características psicométricas e análise fatorial da nova escala - Escala de
Ansiedade e Evitamento de Situações devido ao Peso e Aparência Física (EAESPAF),
aplicada a uma amostra de adolescentes de ambos os géneros, da comunidade. É
igualmente analisada a validade da EAESPAF na sua relação com outros
constructos, como experiências de bullying,
sentimentos de vergonha e sintomas emocionais negativos. De acordo com a
revisão da literatura, espera-se que a ansiedade e o evitamento associados à
imagem corporal e aparência física apresentem uma associação positiva com as
referidas variáveis. Por outras palavras, é expectável que quanto mais elevados
forem os níveis de ansiedade e de evitamento das situações avaliados pela
EAESPAF, mais sintomas emocionais negativos, mais sentimentos de vergonha e
mais experiências de bullying sejam
reportados pelos adolescentes.
Amostra
Fizeram parte desta investigação 378 adolescentes [(idade: M = 14,72; DP = 1,68); (escolaridade: M
= 9,24; DP = 1,68)], dos quais 21
foram eliminados (5,6%) por apresentarem o protocolo de avaliação incompleto ou
mal preenchido.
A amostra ficou, assim, constituída
por 357 adolescentes, em que 195 são do sexo masculino (54,6%) e 162 do sexo
feminino (45,4%), com idades compreendidas entre 12 e os 18 anos, com uma média
de 14,69 (DP = 1,68), distribuídos
entre o 7.º e o 12.º ano (M = 9,24; DP = 1,59). Não se verificaram
diferenças estatisticamente significativas entre rapazes e raparigas no que diz
respeito à idade [t(355) = -0,50; p = 0,618] e à escolaridade [t(355) = -1,40; p = 0,162].
Instrumentos
A Escala de Ansiedade e Evitamento de Situações devido ao Peso e
Aparência Física (EAESPAF; versão portuguesa para adolescentes de Cunha, Palmeira e Pinto-Gouveia, manuscrito não publicado)
pretende avaliar o grau de desconforto/mal-estar e evitamento relacionados com
o seu peso ou aparência física em diferentes situações sociais. É uma escala
composta por 37 itens (na sua versão experimental) que representam um conjunto
de situações de exposição social ou de confronto com a imagem corporal. Inclui
ainda linhas em branco para que
o respondente, se assim o desejar, possa adicionar mais situações que lhe
causam ansiedade ou evitamento. Os participantes devem assinalar com uma cruz o
grau de desconforto/ansiedade e o grau de evitamento que cada situação lhes
provoca, usando uma escala de 4 pontos, quer para o grau de
desconforto/ansiedade (1 = “nenhum” a 4 = “severo”), quer para o grau de
evitamento (1 = “nunca” = 1 a 4 = “quase sempre”). No caso de alguma situação
indicada não ter acontecido, é pedido ao indivíduo para imaginar o desconforto/ansiedade
que essa situação lhe causaria e o grau de evitamento que poderia provocar
devido ao seu peso/aparência física. Este instrumento permite obter dois
indicadores: um total para a subescala de desconforto/ansiedade e um total para
a subescala de evitamento, os quais resultam da soma das pontuações obtidas em
cada uma das subescalas. Quanto maior é a pontuação em cada subescala, maior é
a ansiedade e o evitamento sentidos nas situações indicadas.
A Body Image Victimization Experiences – Adolescent version
(BIVES-A; Duarte & Pinto-Gouveia, in preparation) foi desenvolvida para
avaliar experiências de bullying na
adolescência ou infância, relacionadas com a aparência física. É constituída
por 9 itens e está dividida em duas partes, A e B. Na primeira parte, a escala permite medir a
frequência das interações negativas (Parte A), utilizando uma escala de 5
pontos (1 = “nunca” a 5 = “muito frequentemente”). A segunda parte (parte B)
avalia até que ponto cada situação, caso aconteça, afeta ou perturba o
indivíduo, usando uma escala de 5 pontos (0 = “nada” a 5 = “muito”). Para
responder ao questionário, os participantes devem-se basear-se nas experiências
em que foram alvo de comentários negativos, de “gozo” ou de comportamentos agressivos
relativos à aparência física, por parte dos colegas de turma, amigos (as), ou
pelos pais (mãe, pai ou pessoas que cuidam do adolescente). A escala na sua
versão original revelou muito boa consistência interna (fiabilidade compósita
de 0,95; Duarte & Pinto-Gouveia, in preparation). Na amostra do presente
estudo verificou-se uma boa consistência interna para ambas as subescalas: para
a subescala de frequência das interações o alfa de Cronbach foi de 0,87 e para a
subescala referente ao impacto foi de 0,95.
A Body Image Shame Scale (BISS) foi desenvolvida por Duarte, Pinto‐Gouveia, Ferreira e
Batista (2015). Inclui 14 itens na sua versão
original, no entanto, no presente estudo foi utlizada a versão reduzida,
composta por 9 itens, que avaliam os sentimentos de vergonha que a pessoa tem
em relação ao corpo. O instrumento é composto por duas subescalas: uma dimensão
de vergonha externa relacionada com sentimentos e perceções negativos de que a
imagem corporal pode ser alvo de avaliação negativa ou crítica por parte dos
outros, conduzindo ao evitamento de contextos sociais (e.g., “Sinto-me
desconfortável em situações sociais, porque sinto que me podem criticar por
causa da minha forma física.”); e uma dimensão de vergonha interna que engloba
autoavaliações negativas com base na imagem corporal e comportamentos para
controlar a exposição do corpo (e.g., “Sinto-me mal comigo mesmo (a) quando uso
roupa que mostre a forma do meu corpo”). Os participantes são convidados a
avaliar cada item usando uma escala de 5 pontos (0 = "Nunca" para 4 =
"Quase Sempre"). As propriedades psicométricas foram boas na versão
original (α de Cronbach = 0,90 para adultos e α de Cronbach = 0,97 para adolescentes; Duarte, Pinto-Gouveia, & Rodrigues, 2015), e no
nosso estudo (α de Cronbach foi de 0,90 para a vergonha interna e 0,87 para a vergonha
externa).
A Escala de Depressão, Ansiedade e Stress, é a versão portuguesa
das Depression Anxiety, and Stress Scales
(DASS 21), de Lovibond e Lovibond (1995) adaptada por
Pais-Ribeiro, Honrado e Leal (2004). Trata-se de uma
escala de autorresposta, composta por 21 itens e 3 subescalas (depressão,
ansiedade e stress), cada uma com 7 itens. No presente estudo também se
verificaram bons índices de consistência interna: para a subescala ansiedade o
alfa de Cronbach foi de 0,81; para a subescala depressão foi de 0,88 e para a
subescala stress foi de 0,88.
Procedimentos
Construção e desenvolvimento da EAESPAF. Após uma revisão dos instrumentos
disponíveis nesta área e tendo em conta o objetivo de avaliar o grau de
ansiedade e de evitamento em determinadas situações da vida quotidiana dos
jovens, causados pelas preocupações com o peso e aparência física, foi elencado
um conjunto alargado de itens. O desenvolvimento e a seleção dos itens foram
igualmente baseados na experiência clínica dos investigadores com indivíduos
com perturbações alimentares, nomeadamente com excesso de peso, dando origem a
uma primeira versão constituída por conjunto de itens representando situações
variadas (situações de interação, situações de desempenho, situações de
confronto com a aparência física), incluindo itens em branco, destinados a
serem completados com situações que não tivessem sido previamente contempladas.
Esta versão experimental foi administrada a um grupo de adolescentes (N = 20) que voluntariamente se dispôs a
colaborar, pretendendo este pré-teste identificar eventuais dúvidas relativas
ao significado ou interpretação dos itens, bem como incentivar comentários ou
sugestões ao questionário. Após a análise da informação assim obtida, a
primeira versão ficou constituída por 37 itens, mantendo-se a inclusão de dois
itens em aberto.
Procedimentos gerais. Previamente à administração do protocolo de investigação, o presente
estudo foi aprovado pela Comissão de ética do Instituto Superior Miguel Torga.
Foi contactada a escola onde iriam ser recolhidos os dados, e procedeu-se à
entrega do pedido de autorização ao Diretor do Agrupamento de Escolas de Mira
(localizada na zona centro do país) para obtenção do consentimento e apoio na
organização da recolha de dados para fins de investigação.
Posteriormente foram realizados os consentimentos informados aos
encarregados de educação, tendo sido selecionados todos os alunos autorizados
pelos respetivos encarregados de educação a participar. Por último foram
distribuídos os protocolos pelos alunos, tendo sido previamente assegurado o
caráter voluntário da participação, o anonimato e confidencialidade dos dados,
assim como a possibilidade de desistência a qualquer momento.
Análise estatística
No que diz respeito ao
tratamento dos dados, utilizou-se o PASW Software (Predictive Analytics
Software, versão 20, SPSS, Chicago, IL, USA).
Recorreu-se à estatística
descritiva para explorar as características da amostra. Com o intuito de
analisar as diferenças de género, foi realizado o teste t de Student para amostras independentes (Marôco,
2010).
Foram analisadas as
características gerais dos itens utilizando estatísticas descritivas e
respetivas distribuições. A distribuição normal das variáveis foi explorada
através do teste Kolmogorov-Smirnov, bem como através da análise dos
coeficientes de assimetria (Skewness)
e de achatamento (Kurtosis), tendo em
conta que o primeiro teste é sensível ao tamanho da amostra (Pallant,
2010).
O cálculo de correlações item-total
e do alfa de Cronbach foi realizado para determinar a consistência interna dos
itens. Na análise dimensional dos itens das subescalas foram realizadas
Análises Fatoriais Exploratórias (AFE), usando a Análise de Componentes
Principais com rotação oblíqua (uma vez que se esperava que os fatores estariam
correlacionados) (Costello & Osborne, 2005; Marôco, 2010).
A determinação do
coeficiente de correlação de Pearson foi utilizada para analisar as associações
entre a escala em estudo e outros instrumentos que avaliam constructos
semelhantes (validade convergente). Finalmente, computaram-se as correlações de
Pearson para a análise da estabilidade temporal, bem como para explorar a
associação entre os totais/fatores da escala e as variáveis sociodemográficas
(idade, género e anos de escolaridade). O tamanho das correlações foi
interpretado de acordo com as sugestões de Cohen (1988) (entre 0,10 e 0,29:
efeito pequeno; entre 0,30 e 0,49: efeito moderado; > 50: efeito grande).
Na comparação das médias,
quando o teste t de Student se
mostrou significativo, foi calculado o Eta-quadrado para medir o tamanho do
efeito, o qual foi interpretado de acordo com as diretrizes de Cohen (1988) (valor de 0,01: indicador de um efeito pequeno; 0,06:
indicador de um efeito moderado; e 0,14: indicador de um amplo efeito).
Análise
fatorial exploratória dos itens
Análise
preliminar. Nenhum dos
itens da EAESPAF revelou graves violações à normalidade. Todos os valores da escala de resposta foram representados em
cada item, e os valores de curtose e assimetria estavam dentro dos indicadores
de valores aceitáveis à distribuição normal, ou seja, |Sk| < 3 e |Ku| < 10
(DeVellis, 1991; Kline, 2005).
Tendo em conta que os itens da escala são avaliados segundo a
ansiedade e o evitamento que provocam, originando assim duas subescalas, de ansiedade
e de evitamento, respetivamente, a análise dimensional foi realizada
separadamente para cada uma das subescalas. Uma vez que a análise dos itens
revelou que a eliminação de qualquer item não aumentava o valor de consistência
interna de cada uma das subescalas (α de Cronbach = 0,93, para ambas),
foram introduzidos inicialmente os 37 itens na AFE.
Subescala de ansiedade. A análise preliminar
confirmou a adequabilidade da amostra para a realização da Análise de
Componentes Principais (Kaiser-Meyer-Olkin = 0,92; prova de Bartlett: p <
0,001). A solução inicial indicava 7 fatores com valores próprios superiores a
um, que explicavam 59,9% da variância total de ansiedade. Apenas três fatores
deste modelo (sem rotação) apresentavam cargas fatoriais superiores a 0,50 e
dois deles apresentavam menos de três itens, o que não é recomendável (Costello & Osborne, 2005). Assim, tendo em conta o
conhecido efeito do critério de Kaiser para aumentar o número de fatores a
reter, e recorrendo à análise do teste de Scree
Plot, o qual sugeria a existência 2 fatores, foi realizada seguidamente uma
AFE forçada a dois fatores. Foram eliminados progressivamente os itens que
tivessem comunalidades inferiores a 0,30 (itens 1, 2, 4, 20, 23 e 37) e, na
fase seguinte, foram eliminados um a um os itens com pesos fatoriais inferiores
a 0,50 (itens 24, 17, 28, 3, 9, 8, e 29).
O modelo final terminou com 2 fatores que explicaram 47,89%
da variância da subescala de ansiedade. O primeiro Fator foi responsável por
36,85% da variância, e incluiu 18 itens relacionados com situações gerais da
vida quotidiana do indivíduo que implicam uma possível exposição ou
visibilidade do corpo (e.g., “Comprar roupa nova”; “Ir a centros comerciais”;
“Sair de casa”). O segundo fator explicou 11,04% da variância e incluiu 6 itens
que traduzem situações mais específicas de ansiedade social associadas a uma
maior exposição na interação com os outros (e.g., “Dançar numa discoteca”; “Ser
o centro das atenções”, “Falar perante uma audiência”). Os dois fatores
encontravam-se associados de forma positiva e moderada (r = 0,37; p <
0,001). Por sua vez, ambos os fatores exibiram uma associação com o total da
subescala de ansiedade (Fator 1 e Total da subescala Ansiedade: r = 0,93; p < 0,001; Fator 2 e da
subescala Ansiedade: r = 0,69;
p < 0,001).
Subescala
de evitamento. Na realização da AFE para a subescala de
evitamento seguiram-se os mesmos procedimentos utilizados na subescala de
ansiedade. O teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO
= 0,92) e o teste de Bartlett (p <
0,001) apoiaram a indicação da utilização do modelo fatorial na análise da
subescala de evitamento. O modelo inicial revelou 8 fatores com valores
próprios superiores a 1 a explicarem 63% da variância do evitamento. Devido aos
problemas teóricos e empíricos colocados por este modelo, por exemplo, fatores
com apenas um item, ou a existência de itens que saturavam em mais do que um
fator, foram realizadas novas análises fatoriais, seguindo os procedimentos
enunciados em cima. Na análise fatorial exploratória com rotação obliqua,
forçada a dois fatores, foram eliminados progressivamente, numa primeira fase,
os itens 1, 2, 4, 23, 29, 37, 3, e 20 por terem valores de comunalidades
inferiores a 0,30 e, posteriormente, os itens 17, 36, 28, 8, 35 e 9 devido a
apresentarem cargas fatoriais inferiores a 0,50.
O modelo final reteve dois fatores,
idênticos aos fatores encontrados para a subescala de ansiedade, a explicarem
49,50% da variância do evitamento. O Fator 1 ficou constituído por 18 itens que
explicaram 39,65% da variância. Quando comparado este fator com o seu homólogo
da subescala de Ansiedade, verificou-se uma grande sobreposição dos itens, com
exceção do item 36 (que apenas saturou no Fator 1 da subescala de ansiedade) e
do item 24 (o qual se incluiu apenas na subescala de evitamento). Por sua vez o
Fator 2 ficou constituído por 5 itens que explicaram 9,85% da variância do
evitamento. Também este fator é equivalente ao Fator 2 da escala de ansiedade,
com exceção do item 35 que foi eliminado (Tabela 2). Os
fatores de evitamento apresentaram uma correlação moderada entre si (r =
0,32; p < 0,001). O total da subescala de evitamento apresentou uma
correlação com o Fator 1 de 0,95 (p
< 0,001) e uma associação de 0,61 com o Fator 2 (p < 0,001).
As subescalas de ansiedade e de
evitamento apresentaram uma associação positiva entre si, de efeito grande (r = 0,76; p < 0,001).
A Tabela 1 apresenta
os resultados da AFE (matriz padrão), para a solução final de dois fatores, bem
como médias e desvios-padrão dos itens, variância explicada, alfas de Cronbach
e comunalidades, em função das subescalas de ansiedade e de evitamento.
Após a análise da Tabela
1 é possível verificar que foram eliminados 12 itens, nomeadamente o item
1, 2, 3, 4, 8, 9, 17, 20, 23, 28, 29, 37, ficando a nossa escala com um total
de 25 itens.
Em todas as análises efetuadas foi
considerado um intervalo de confiança de 95%.
|
TABELA 1 Saturações
Fatoriais e Comunalidades (h2) para a Estrutura Fatorial da Escala
de Ansiedade e Evitamento de Situações Devido ao Peso e Aparência Física (N = 357) |
|
||||||
|
|
Ansiedade
|
h2 |
Evitamento
|
h2 |
|
||
|
Fator 1
|
Fator 2
|
Fator 1
|
Fator 2
|
|
|||
|
5. Experimentar
roupas em lojas |
0,60 |
— |
0,35 |
0,67 |
— |
0,43 |
|
|
6.
Comprar roupa nova |
0,80 |
— |
0,59 |
0,77 |
— |
0,56 |
|
|
7.
Caminhar em locais públicos |
0,74 |
— |
0,51 |
0,79 |
— |
0,57 |
|
|
10.
Ir à praia |
0,58 |
— |
0,40 |
0,60 |
— |
0,40 |
|
|
11.
Ir à piscina |
0,61 |
— |
0,42 |
0,64 |
— |
0,45 |
|
|
12. Ir
a festas (por exemplo, aniversários) |
0,74 |
— |
0,58 |
0,75 |
— |
0,59 |
|
|
13.
Ir ao supermercado comprar comida |
0,70 |
— |
0,47 |
0,64 |
— |
0,40 |
|
|
14. Comprar alimentos considerados calóricos no
supermercado (como bolachas, doces, batatas fritas, sumos) |
0,60 |
— |
0,33 |
0,56 |
— |
0,31 |
|
|
15.
Ir a casa de amigos |
0,63 |
— |
0,45 |
0,73 |
— |
0,56 |
|
|
16. Convites de amigos para sair e ir
passear |
0,69 |
— |
0,49 |
0,73 |
— |
0,54 |
|
|
18. Comer em restaurantes de fast-food por medo que me possam
criticar |
0,68 |
— |
0,45 |
0,62 |
— |
0,42 |
|
|
19. Convidar
amigos para vir a minha casa |
0,62 |
— |
0,44 |
0,63 |
— |
0,44 |
|
|
21. Comer em pastelarias por medo que
me possam criticar |
0,59 |
— |
0,37 |
0,61 |
— |
0,39 |
|
|
22.
Sair de casa |
0,82 |
— |
0,65 |
0,78 |
— |
0,59 |
|
|
24.
Ver o meu corpo despido |
— |
— |
— |
0,53 |
— |
0,36 |
|
|
25. Olhar
para o espelho |
0,62 |
— |
0,40 |
0,76 |
— |
0,56 |
|
|
26.
Ir a centros comerciais |
0,79 |
— |
0,60 |
0,87 |
— |
0,71 |
|
|
27.
Ir a almoços/jantares de grupo |
0,65 |
— |
0,50 |
0,75 |
— |
0,59 |
|
|
30.
Dançar numa discoteca/ bar |
— |
0,60 |
0,39 |
— |
0,64 |
0,42 |
|
|
31.
Ser o centro das atenções |
— |
0,75 |
0,57 |
— |
0,78 |
0,58 |
|
|
32.
Apresentar um trabalho na sala de aula |
— |
0,78 |
0,60 |
— |
0,65 |
0,48 |
|
|
33.
Falar perante uma audiência |
— |
0,86 |
0,68 |
— |
0,82 |
0,64 |
|
|
34.
Convidar alguém para sair pela 1.ª vez |
— |
0,64 |
0,43 |
— |
0,60 |
0,41 |
|
|
35. Entrar numa sala onde outras
pessoas já estão sentadas |
— |
0,55 |
0,47 |
— |
— |
— |
|
|
36.
Tirar fotografias |
0,52 |
— |
0,38 |
— |
— |
— |
|
|
% Variância |
36,85 |
11,04 |
|
39,23 |
9,92 |
|
|
|
α de Cronbach |
0,92 |
0,81 |
|
0,94 |
0,75 |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Análise dos itens e Consistência interna
Com o objetivo de determinar a consistência interna, calculou-se o alfa
de Cronbach para a totalidade dos itens (25 itens) da escala, revelando esta
uma boa consistência interna com valor de 0,91 para ambas as subescalas de
ansiedade e de evitamento.
As médias, desvios-padrão e correlações item-total para cada item das
subescalas de ansiedade e de evitamento são apresentados na Tabela
2.
|
TABELA 2 Médias
(M), Desvios-padrão (DP), Correlação Item-total (r) e Alfa de Cronbach (α) |
|
|||||||||
|
Item Escala
de Ansiedade e Evitamento de situações devido ao peso e aparência física -
Versão para adolescentes |
Ansiedade/Desconforto |
|
Evitamento
|
|
||||||
|
M |
DP |
r |
α |
M |
DP |
r |
α |
|
||
|
1. Experimentar roupas
em lojas |
1,49 |
0,84 |
0,50 |
0,91 |
|
1,50 |
0,81 |
0,57 |
0,91 |
|
|
2. Comprar roupa
nova |
1,25 |
0,62 |
0,59 |
0,90 |
|
1,39 |
0,74 |
0,64 |
0,91 |
|
|
3. Caminhar em
lugares públicos (ex. parque, rua) |
1,29 |
0,66 |
0,55 |
0,90 |
|
1,34 |
0,74 |
0,61 |
0,91 |
|
|
4. Ir à praia |
1,50 |
0,84 |
0,57 |
0,90 |
|
1,47 |
0,86 |
0,58 |
0,91 |
|
|
5. Ir à piscina |
1,45 |
0,81 |
0,59 |
0,90 |
|
1,43 |
0,80 |
0,61 |
0,91 |
|
|
6. Ir a festas (por exemplo, aniversários) |
1,29 |
0,65 |
0,68 |
0,90 |
|
1,33 |
0,71 |
0,70 |
0,91 |
|
|
7. Ir ao
supermercado comprar comida |
1,25 |
0,61 |
0,56 |
0,90 |
|
1,37 |
0,73 |
0,57 |
0,91 |
|
|
8. Comprar alimentos
considerados calóricos no supermercado (como bolachas, doces, batatas fritas,
sumos) |
1,36 |
0,76 |
0,42 |
0,91 |
|
1,53 |
0,83 |
0,50 |
0,91 |
|
|
9. Ir a casa de
amigos |
1,37 |
0,69 |
0,60 |
0,90 |
|
1,33 |
0,67 |
0,67 |
0,91 |
|
|
10. Convites de
amigos para sair e ir passear |
1,27 |
0,64 |
0,61 |
0,90 |
|
1,36 |
0,69 |
0,66 |
0,91 |
|
|
11. Comer em
restaurantes de fast-food por medo
que me possam criticar |
1,25 |
0,65 |
0,56 |
0,90 |
|
1,34 |
0,70 |
0,59 |
0,91 |
|
|
12. Convidar amigos
para vir a minha casa |
1,33 |
0,71 |
0,59 |
0,90 |
|
1,40 |
0,76 |
0,60 |
0,91 |
|
|
13. Comer em pastelarias
por medo que me possam criticar |
1,18 |
0,56 |
0,53 |
0,90 |
|
1,30 |
0,71 |
0,55 |
0,91 |
|
|
14. Sair de casa |
1,24 |
0,64 |
0,68 |
0,90 |
|
1,34 |
0,73 |
0,66 |
0,91 |
|
|
15. Ver o meu corpo
despido |
— |
— |
— |
— |
|
1,41 |
0,80 |
0,55 |
0,91 |
|
|
16. Olhar para o
espelho |
1,30 |
0,69 |
0,55 |
0,90 |
|
1,29 |
0,72 |
0,65 |
0,91 |
|
|
17. Ir a centros
comerciais |
1,18 |
0,57 |
0,66 |
0,90 |
|
1,27 |
0,67 |
0,73 |
0,91 |
|
|
18. Ir a
almoços/jantares de grupo |
1,26 |
0,61 |
0,64 |
0,90 |
|
1,33 |
0,72 |
0,70 |
0,91 |
|
|
19. Dançar numa
discoteca/bar |
1,82 |
1,01 |
0,40 |
0,91 |
|
1,85 |
1,07 |
0,34 |
0,91 |
|
|
20. Ser o centro das
atenções |
2,15 |
1,03 |
0,43 |
0,91 |
|
2,21 |
1,08 |
0,32 |
0,91 |
|
|
21. Apresentar um
trabalho na sala de aula |
2,09 |
1,02 |
0,43 |
0,91 |
|
1,80 |
1,00 |
0,36 |
0,91 |
|
|
22. Falar perante
uma audiência |
2,32 |
1,06 |
0,36 |
0,91 |
|
2,19 |
1,12 |
0,33 |
0,92 |
|
|
23. Convidar alguém
para sair pela 1.ª vez |
2,00 |
1,06 |
0,39 |
0,91 |
|
1,80 |
0,98 |
0,39 |
0,91 |
|
|
24. Entrar numa sala
onde outras pessoas já estão sentadas |
1,69 |
0,87 |
0,55 |
0,90 |
|
— |
— |
— |
— |
|
|
25. Tirar
fotografias |
1,51 |
0,85 |
0,56 |
0,90 |
|
— |
— |
— |
— |
|
|
|
Estabilidade temporal (fidedignidade teste-reteste)
Para analisar a estabilidade temporal, administrou-se novamente, três
semanas mais tarde, a EAESPAF a um grupo de adolescentes (N = 50), obtendo-se correlações positivas elevadas entre os dois
momentos temporais (r = 0,60; p < 0,001 para a subescala de
ansiedade, e r = 0,80; p < 0,001 para a subescala de
evitamento), sugerindo uma boa estabilidade temporal.
Validade convergente
Para estudar a validade convergente, calculou-se a correlação com a escala
de experiências de vitimização (BIVES-A), com a escala de vergonha (BISS) e com
as subescalas de depressão, ansiedade e stress
(DASS 21) (Tabela 3). Foram encontradas associações
positivas e estatisticamente significativas entre as subescalas de ansiedade e
de evitamento da EAESPAF, por um lado, e as experiências de vergonha, as
experiências de vitimização e os estados emocionais negativos (ansiedade stress e depressão), por outro.
Valores médios e análise das variáveis género e idade
Com o objetivo de averiguar a influência
do género nos resultados médios obtidos na escala de ansiedade e de evitamento
de situações devido ao peso e aparência física, foi realizado o teste t de Student para amostras independentes
(Tabela 4).
Para medir o tamanho do efeito, quando
foram encontradas diferenças significativas, foi calculado o Eta-quadrado,
tendo sido obtidos valores de 0,01, 0,05 e de 0,03, para o total, Fator 1 da
subescala de ansiedade, e Fator 2 da subescala de evitamento, respetivamente.
Relativamente à idade, não se verificou
uma associação significativa entre esta variável e as subescalas de ansiedade (r = 0,003; p = 0,958) e de evitamento (r
= -0,054; p = 0,305) da EAESPAF.
|
TABELA 4 Valores
Médios Obtidos na Escala de Ansiedade e Evitamento de Situações devido ao
Peso para o Total da Amostra e em Função do Género |
|
||||||||
|
|
Total
(N = 357)
|
t
|
p
|
Género
feminino
(n = 196)
|
Género
masculino
(n = 162)
|
|
|||
|
M |
DP
|
M
|
DP
|
M
|
DP
|
|
|||
|
Total Ansiedade |
35,84 |
10,70 |
-2,21 |
0,028 |
37,21 |
11,42 |
34,71 |
9,95 |
|
|
Fator 1 - Ansiedade |
23,76 |
8,30 |
-0,75 |
0,454 |
24,12 |
8,66 |
23,46 |
8,00 |
|
|
Fator 2 - Ansiedade |
12,08 |
4,32 |
-4,09 |
< 0,001 |
13,09 |
4,49 |
11,24 |
4,49 |
|
|
Total Evitamento |
34,56 |
11,04 |
-1,01 |
0,312 |
35,21 |
11,08 |
34,02 |
11,01 |
|
|
Fator 1 - Evitamento |
24,70 |
9,27 |
0,03 |
0,974 |
24,69 |
9,20 |
24,72 |
9,36 |
|
|
Fator 2 - Evitamento |
9,86 |
3,72 |
-3,12 |
0,002 |
10,52 |
3,91 |
9,30 |
3,47 |
|
|
|
O presente estudo teve como principal objetivo o
desenvolvimento de um novo instrumento “Escala de Ansiedade e de Evitamento de
situações devido ao peso e aparência física (EAESPAF) e respetiva validação
numa amostra portuguesa de adolescentes. Paralelamente, o estudo permitiu
explorar as associações entre esta nova ferramenta de avaliação e experiências
de vitimização, sentimentos de vergonha, ansiedade, stress e depressão.
A EAESPAF compreende duas subescalas (ansiedade /
desconforto e evitamento) e ambas revelaram uma estrutura semelhante composta
por dois fatores. Os itens que compõem o Fator 1 estão relacionados com a
exposição corporal, ou seja, envolvem situações sociais em que a interação
social é menor, um exemplo disso é “usar roupas justas que mostrem os contornos
do meu corpo”. Já os itens que compõem o Fator 2 estão relacionados com as
situações de interação ou exposição social. Dito por outras palavras,
referem-se a situações sociais que envolvem uma maior exposição social, como
por exemplo “entrar numa sala onde outras pessoas já estão sentadas”. Dos 37
itens originais, foram mantidos 25 itens e duas subescalas. Os resultados
obtidos mostraram que as duas subescalas apresentaram uma boa consistência
interna, com uma boa qualidade dos itens e uma boa estabilidade temporal.
Embora atualmente exista a tendência para as escalas de autorrelato incluírem
um número reduzido de itens, esta versão da EAESPAF corresponde ainda a um
estudo exploratório onde se pretendia analisar um leque variado de situações
sociais que podem causar desconforto e evitamento em relação à imagem corporal.
Neste sentido, é essencial continuar a estudar e melhorar este instrumento
através de uma análise fatorial confirmatória que permita, não só confirmar a
estrutura fatorial encontrada, bem como reter os itens que melhor representam
os constructos em avaliação, permitindo assim uma versão mais reduzida deste
instrumento.
Através do estudo da validade convergente,
verificou-se, de acordo com o hipotetizado, que os adolescentes que apresentam
maiores níveis de ansiedade/desconforto e evitamento relativo à imagem corporal
em situações sociais tendem a apresentar mais sentimentos de vergonha, stress, ansiedade, depressão e de mais
experiências de vitimização perante experiências de bullying. Estes dados são coerentes com os encontrados na
literatura que tem consistentemente demonstrado que experiências de bullying mesmo que não diretamente
relacionadas com a imagem corporal se encontram associadas a níveis elevados de
vergonha corporal e à adoção de comportamentos alimentares perturbados e
dificuldade na gestão do peso (Duarte, Pinto-Gouveia,
& Rodrigues, 2015; Lunde, Frisén, & Hwang, 2006).
Por outro lado, a vergonha relativa à imagem corporal tem sido apontada como um
tipo específico de vergonha particularmente associado a dificuldades no
ajustamento psicológico (Duarte et al., 2015; Duarte & Pinto-Gouveia, 2016; Duarte, Pinto-Gouveia, & Stubbs, 2017; Gilbert, 2002; Marta-Simões
& Ferreira, 2016). Deste modo os resultados do presente estudo parecem
sugerir que os adolescentes com mais experiências de vitimização tendem a ver o
seu corpo como não atraente e indesejado o que poderá levar à existência de
elevado desconforto e ansiedade em situações sociais onde a aparência física
possa estar exposta ao escrutínio dos outros. Por outro lado, estas
experiências de vitimização e sentimentos de vergonha relacionados com o corpo
podem levar os adolescentes a evitar ativamente situações sociais como uma
estratégia defensiva perante a possibilidade de serem avaliados pelos outros
negativamente.
Posteriormente foi verificada a influência das
variáveis sociodemográficas, género
e idade, nos valores médios da escala EAESPAF. A idade não revelou uma
associação significativa com as subescalas da EAESPAF. Por outro lado, foram
verificadas diferenças de género significativas na EAESPAF total e no Fator 2
de ambas as subescalas.
De acordo com o esperado, adolescentes do género
feminino apresentaram níveis mais elevados de ansiedade/desconforto e de
evitamento devido à aparência física em situações sociais, comparativamente aos
adolescentes do género masculino. Efetivamente
a preocupação com a imagem corporal tende a aumentar no início do período
desenvolvimental da adolescência e é mais frequente nas mulheres (Bucchianeri, Arikian, Hannan, Eisenberg, &
Neumark-Sztainer, 2013; Matos et al., 2006; Thompson, Heinberg, Altabe, & Tanleff-Dunn, 1999).
Este facto parece dever-se, pelo menos em parte, às mudanças físicas típicas da
puberdade em que o corpo das adolescentes se afasta da aparência física
considerada ideal, ou seja, de magreza (Ferreira,
Pinto-Gouveia, & Duarte, 2013; Ricciardelli,
McCabe, Holt, & Finemore, 2003) o que poderá motivar esforços para
modificar essa aparência física e torná-la mais próxima da que é socialmente
valorizada. Concomitantemente nas sociedades ocidentais atualmente a aparência
física é uma fonte de valorização social crucial, particularmente para as
mulheres, estando associada a importantes vantagens sociais, sendo muitas vezes
sinónimo de beleza, poder e sucesso e um aspeto importante do valor pessoal e
sentimento de segurança. Deste modo, possuir uma aparência física que é
diferente da que é socialmente aceite e valorizada pode colocar o indivíduo em
risco de ser avaliado negativamente pelos outros, podendo ser desvalorizado,
criticado, rejeitado ou excluído do grupo, constituindo-se deste modo como uma
ameaça social relevante (Ferreira et al., 2013; Gilbert, 2002; Pinto-Gouveia,
Ferreira, & Duarte, 2014) em particular durante a adolescência em que o
grupo de pares se constitui como a principal fonte de suporte e referência para
estimar o valor pessoal (Allen & Land, 1999; Steinberg & Morris, 2001). De facto, a investigação
sugere que a aparência física é frequentemente a causa de experiências de
vitimização em adolescentes do género feminino (Menzel et
al., 2010).
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser
consideradas. Estudos futuros deverão avaliar a utilidade da EAESPAF noutras
faixas etárias, principalmente em idades inferiores a 12 anos, sobretudo devido
à escassez de instrumentos adaptados para crianças mais novas. Por outro lado,
neste estudo apenas foram utilizadas medidas de autorrelato que podem não
refletir claramente e com precisão as experiências pessoais dos adolescentes,
sendo preferível, sempre que possível, recorrer ao uso de múltiplos métodos de
avaliação e múltiplos avaliadores (professores e pais).
Tendo em consideração a importância de avaliar os
níveis de ansiedade e desconforto bem como o evitamento de situações sociais
devido à aparência física de um modo simples e rápido, bem como as boas
qualidades psicométricas da EAESPAF, estudos futuros são necessários para
avaliar as suas qualidades psicométricas em diferentes amostras nomeadamente
com perturbações do comportamento alimentar, sendo ainda de referir a
relevância da realização de uma análise fatorial confirmatória de modo a testar
o ajustamento dos dados a este modelo de dois fatores.
Em virtude dos resultados obtidos, e tendo em conta o
objetivo principal do presente estudo, verificou-se que a EAESPAF revela ser um
instrumento com boas características psicométricas e pode ser útil em contextos
de investigação na comunidade e em populações clínicas, fornecendo uma
avaliação confiável dos níveis de desconforto e de evitamento de situações
causados pelas preocupações, com o peso e imagem corporal na adolescência.
Conflito de interesses: Nenhum.
Fontes de financiamento: Nenhuma.
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ⓘ PsyM. Contribuiu para a elaboração
do trabalho, recolha e inserção de dados, análise estatística. Instituto
Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Contribuiu para a coordenação do projeto, elaboração do trabalho,
análise estatística e revisão do texto. Instituto Superior Miguel Torga,
Coimbra, Portugal; Centro de Investigação de Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Contribuiu para o desenvolvimento e construção da escala,
tratamento dos dados, elaboração e revisão do texto. Centro de Investigação de
Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Contribuiu para a elaboração e revisão do texto. Instituto Superior
Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
ⓘ PhD. Contribuiu para o desenvolvimento e construção da escala,
tratamento dos dados, elaboração e revisão do texto. Instituto Superior Miguel
Torga, Coimbra, Portugal; Centro de Investigação de Neuropsicologia e
Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.