2018, Vol. 4(2): 60-75

 

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Stalking e ciberstalking em estudantes universitários: Uma revisão sistemática

 

Artigo Original   

 

Sara A. Pires , Ana Isabel Sani , Cristina Soeiro

 

https://doi.org/10.31211/rpics.2018.4.2.75

 

Recebido 25 março 2018

Aceite 20 agosto 2018

 

 

ÍNDICE

RESUMO

INTRODUÇÃO

MÉTODOS

RESULTADOS

DISCUSSÃO

REFERÊNCIAS

 

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RESUMO

Objetivo: Este artigo tem como objetivo contribuir para o conhecimento dos fenómenos de stalking e ciberstalking através da identificação e análise dos estudos empíricos referentes à ocorrência daqueles fenómenos em estudantes universitários.

Métodos: Para tal adotámos os procedimentos para a realização de uma revisão sistemática sobre a investigação realizada sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes do ensino universitário.

Resultados. Os resultados mostraram que predominam os estudos quantitativos de natureza transversal, recorrendo a designs exploratórios, descritivos e correlacionais, centrados na vítima. Os instrumentos mais utilizados para avaliar ambos os fenómenos foram diversos, porém todos os estudos recorreram a inventários de autorrelato. Em relação à prevalência dos fenómenos, os valores obtidos nos estudos foram muito diferentes (e.g., de 12% a 96% ao longo da vida). Em ambos os fenómenos, as dinâmicas e os comportamentos revelaram que as vítimas eram maioritariamente do sexo feminino, os ofensores pertenciam maioritariamente ao sexo masculino, decorrendo comumente o fenómeno de uma relação de intimidade ou por pessoas conhecidas (e.g., colega, familiar, vizinho). As áreas mais afetadas, no stalking e no ciberstalking, foram a saúde psicológica e física, com consequências nos estilos de vida e economia dos estudantes universitários. Quanto às respostas à vitimação, as fontes de apoio informal foram as mais ativadas pelas vítimas.

Conclusões. Em relação aos fenómenos do stalking ou ciberstalking em estudantes universitários, concluímos que predominam os estudos de prevalência, de natureza transversal e fazendo uso de diferentes tipos de instrumentos. Consideramos que a investigação pode abranger outras amostras, estudos de continuidade, beneficiando com uniformização na escolha de instrumentos para a recolha de dados e no estudo da coocorrência dos fenómenos.

 

Palavras chave: Ciberstalking  · Estudantes universitários · Stalking · Vitimação

 

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INTRODUÇÃO

 

O stalking tem sido reconhecido por parte da comunidade científica internacional a partir dos anos 90 do século XX, tendo havido um aumento da investigação sobre o fenómeno instituído nas esferas científicas, legais e sociais (Grangeia & Matos, 2010). Em Portugal, ainda que mais tardiamente, a investigação iniciou-se em 2009, com a realização do inquérito de vitimação por stalking, concluindo-se que esta experiência de vitimação refletia as tendências internacionais (Matos, Grangeia, Ferreira, & Azevedo, 2011).

Com a evolução das tecnologias de informação e comunicação (TIC) estreitou-se o contacto entre as pessoas, mas abriu-se espaço também para uma maior probabilidade de ocorrer intrusão. Com as TIC desenvolveu-se uma outra forma de stalking, o ciberstalking (Spitzberg & Hoobler, 2002), que se caracteriza pela tentativa persistente de uma pessoa, o ciberstalker, recorrer à utilização das tecnologias de informação e comunicação para assediar alguém (Reyns, Henson, & Fisher, 2012; Sheridan & Grant, 2007). O ciberstalking pode ser entendido como um método de perseguição à vítima, tratando-se assim do mesmo fenómeno (stalking), ou pode surgir analisado de forma isolada como um fenómeno em si, com características, impacto distinto na vítima e que requer uma intervenção particular.

Neste trabalho de revisão teórica — pese embora a aceitação de uma ou outra leitura, por uma questão pragmática que se prende com a necessidade de compreendermos o que a literatura refere sobre o stalking e o ciberstalking — iremos fazer uma apresentação destes fenómenos como realidades independentes (cf. Sani, Carrasquinho, & Soeiro, 2018). Optámos ainda pela designação não traduzida de stalking e ciberstalking, atendendo ao uso internacional dos termos.

O presente artigo é composto duas partes. Inicialmente será realizada uma breve abordagem teórica sobre o stalking e ciberstalking. A segunda parte tem como principal finalidade identificar e caracterizar os trabalhos científicos que analisem a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes do ensino universitário de forma a sistematizar os principais resultados obtidos.

Conceptualização de stalking

O stalking é considerado como uma forma de violência interpessoal e é descrito como um conjunto de comportamentos de assédio persistente, no qual o(a) stalker estabelece diversos modos de vigilância, comunicação, monitorização e contatos não desejados com outra pessoa, sendo estas condutas percecionadas de uma forma ameaçadora e capazes de comprometer a qualidade de vida da vítima (Grangeia & Matos, 2010; Mullen, Pathé, & Purcell, 2001; Spitzberg, 2016). Nas muitas definições de stalking, o medo surge como um elemento crucial, muito embora controverso, dada a dificuldade na sua operacionalização (Owens, 2016).

Segundo Sheridan, Blaauw e Davies (2003), aquelas condutas podem consistir em ações rotineiras e inofensivas (e.g., oferecer presentes, realizar chamadas telefónicas, enviar mensagens escritas) ou em ações intimidatórias (e.g., perseguir, enviar mensagens ameaçadoras), tendo um impacto negativo na vida quotidiana da vítima. O conjunto de comportamentos de stalking tende a escalar em frequência e agressividade, podendo associar-se a outras formas de violência, sobretudo ameaças e agressões psicológicas, físicas e sexuais (Alexy, Burgess, Baker, & Smoyak, 2005; Cupach & Spitzberg, 2004).

O stalking é perpetrado por alguém que possui uma obsessão pela vítima, com a qual insiste em encetar e /ou manter uma relação com propósitos específicos. Com base na suposta motivação do stalker e considerando também a natureza da relação entre este e a vítima, Mullen, Pathé, Purcell e Stuart (1999) apresentaram cinco tipologias de stalkers. O stalker rejeitado ocorre no âmbito de uma relação de intimidade, tendo como objetivo vingar-se ou reconciliar-se com a vítima. O stalker ressentido considera que foi prejudicado ou injustiçado por alguém, pelo que age com o objetivo de lhe retribuir o dano que sente, ameaçando e causando medo. O stalker em busca de intimidade (intimacy seeker) procura estabelecer uma relação de intimidade, cujas características fantasiaram ou idealizaram na vítima. O stalker incompetente (incompetent suitor) tem como finalidade iniciar uma relação por se sentir atraído fisicamente ou amorosamente pelo alvo. Por fim, o stalker predador que procura recolher informações sobre a vítima para, posteriormente, a agredir de forma sexual.

Os comportamentos de stalking têm uma progressão em intensidade e frequência. Spitzberg e Cupach (2007) identificaram oito estratégias utilizadas pelos(as) agressores(as) para assediar: hiperintimidade; contatos mediados; contactos de interação; vigilância; invasão; assédio e intimidação; coerção e ameaça; e agressão. Os comportamentos de hiperintimidade configuram um conjunto de expressões excessivas ou inapropriadas (e.g., oferecer presentes) para com a vítima. Os contactos mediados constituem formas de comunicação através da utilização das TIC (e.g., correio eletrónico, telemóvel). Os contactos de interação compreendem o contacto direto (e.g., aproximação física, aparecer nos locais que a vítima costuma frequentar) ou indireto (e.g., abordar pessoas conhecidas da vítima). As estratégias de vigilância envolvem a monitorização e a tentativa de obter informações sobre a vítima. Já a invasão refere-se à intrusão e violação da privacidade do alvo (e.g., invasão de propriedade, roubo). O assédio e a intimidação dizem respeito a um conjunto de ameaças verbais ou não verbais que têm como objetivo incomodar a vítima (e.g., espalhar rumores). A coerção e a ameaça consistem em comportamentos que têm como finalidade causar danos à vítima (e.g., ameaças à vida da vítima ou a terceiros). Por fim, a agressão envolve ações intencionais que causam danos na vítima ou terceiros (e.g., violência física, sexual).

Qualquer pessoa pode ser vítima de stalking ao longo da sua vida, independentemente do sexo, idade, etnia, orientação sexual ou classe social. Pathé, Mullen e Purcell (2001) tipificaram as vítimas de stalking, considerando o contexto da ocorrência, a relação com a vítima e o(a) stalker. As vítimas de ex-parceiros são perseguidas e assediadas pelo seu antigo parceiro íntimo, sendo maioritariamente pertencentes ao sexo feminino. Nas vítimas por conhecidos ou amigos, a vitimação ocorre geralmente após um encontro casual, no qual o(a) stalker procura estabelecer uma relação de intimidade com o alvo. A vitimação no contexto de uma relação profissional de apoio é característica de determinadas profissões baseadas em relações de proximidade (e.g., professores, profissionais de saúde, advogados). As vítimas em contexto laboral são aquelas cujo o(a) stalker (e.g., empregados, clientes) tem como principal finalidade estabelecer uma relação íntima ou ter sentimentos de retaliação e/ou vingança para com o alvo. As vítimas por desconhecidos são aquelas que tendem a percecionar com maior apreensão e medo o stalking. As vítimas célebres são aquelas cujo stalker tem como principais motivações estabelecer uma relação de intimidade, obter favores ou vingar-se. Por fim, as falsas vítimas, casos raros, são pessoas que revelam perturbações mentais ou alegam conscientemente que são vítimas para obter alguma recompensa (e.g., monetária).

As respostas para lidar ou cessar os comportamentos de stalking podem ser diversas e dependem muito do reconhecimento que a vítima possa ou não fazer do problema, atendendo ao tipo de assédio que experiencia (Spitzberg, 2016; Worsley, Wheatcroft, Short, & Corcoran, 2017). Spitzberg e Cupach (2007) agruparam as estratégias de coping mais utilizadas pelas vítimas de stalking em cinco grupos: negociar com o perpetrador, confrontar o(a) stalker, evitar e afastar o(a) stalker, minimizar ou negar o problema e solicitar o apoio de terceiros. Para além destas estratégias de atuação, apresenta-se como importante a intervenção do sistema jurídico-legal, devido à proteção da integridade física e psicológica da vítima, bem como para a repressão deste fenómeno. A atuação legal face ao stalking teve início nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 90, influenciando a Austrália e o Canadá (Cupach & Spitzberg, 2014). No contexto europeu, a criminalização do stalking vigora em países, como Reino Unido, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Itália, Malta, Holanda (Cupach & Spitzberg, 2014), incluindo Portugal.

A criminalização do stalking em Portugal surge no ano de 2015 como consequência da ratificação da Convenção de Istambul (Ferreira, Matos, & Antunes, 2017). Deste modo, foi introduzido um aditamento ao Código Penal Português com vista à criação do novo tipo legal de crime de “Perseguição” (artigo 154-A), abrangendo também o fenómeno de ciberstalking, de natureza semipública, com uma moldura penal de um a três anos de prisão, tendo este sido integrado no elenco dos crimes contra a liberdade pessoal (Lei n.º 83/2015).

Conceptualização de ciberstalking

Nas últimas décadas, verificou-se um crescimento das TIC, que vieram alterar a vida quotidiana das pessoas, com impactos e consequências, aos níveis pessoal e relacional (Cardoso & Lapa, 2015; White & Carmody, 2016; Worsley et al., 2017; Wright, 2018). Spitzberg e Hoobler (2002) referem que evolução da tecnologia favoreceu o contacto entre pessoas e, em consequência, uma maior probabilidade de ocorrer intrusão, devido ao anonimato, à facilidade de utilização, à maior rapidez permitida pela internet e à perceção de haver uma menor aplicação da legislação (Bocij & McFarlane, 2003). Assim, desenvolveu-se um fenómeno análogo ao stalking: o ciberstalking (Spitzberg & Hoobler, 2002).

O ciberstalking constitui uma nova forma de comportamento desviante (Bocij & McFarlane, 2003), definido como “o uso da Internet, correio eletrónico ou outro dispositivo eletrónico de comunicação para assediar outra pessoa” (US Attorney General, 1999, p. 1). Uma outra definição caracteriza o ciberstalking como o conjunto de condutas persistentes e não desejadas, no qual um indivíduo, grupo de indivíduos ou organização recorre às tecnologias de informação e comunicação, tendo como finalidade assediar, intimidar ou ameaçar um indivíduo, grupo de indivíduos ou organização (Bocij, 2004; Reyns et al., 2012; Sheridan & Grant, 2007).

Os comportamentos associados ao ciberstalking são praticados pela internet ou dispositivos com ligação à internet, principalmente através do computador pessoal, telemóveis, Personal Data Assistants (PDA), Global Positioning System (GPS), recorrendo também ao correio eletrónico, salas de chat, mensagens instantâneas, redes sociais, blogs ou sites (Finn, 2004; Reyns et al., 2012).

Estes comportamentos de ciberstalking podem ser exercidos de forma direta e indireta. Os comportamentos praticados de forma direta incluem o envio repetido de e-mails, mensagens instantâneas e/ou de texto de cariz pornográfico, intimidatório ou ameaças de violência física, psicológica e/ou emocional, colocação de informações online sobre a vítima de teor difamatório, envio de vírus para o computador da vítima com a finalidade de danificar o seu respetivo sistema operativo e a solicitação de serviços ou produtos em nome da vítima (Finn, 2004; Spitzberg & Hoobler, 2002). Os comportamentos efetuados de modo indireto compreendem a pesquisa de informações pessoais da vítima com o objetivo posterior de a ameaçar ou assediar, assumir ou criar uma identidade fraudulenta, monitorizar as atividades eletrónicas e do computador pessoal da vítima, incentivar outras pessoas a assediar ou perseguir de forma persistente a vítima, sendo esta forma de ciberstalking designada stalking por procuração (Spitzberg & Hoobler, 2002).

No que diz respeito à caracterização dos(as) perpetradores(as) de ciberstalking existem duas perspetivas. A primeira perspetiva pertence a Bocij e McFarlane (2003) e a segunda é atribuída a Sheridan e Grant (2007). Assim, Bocij e McFarlane (2003) sugerem quatro tipologias de ciberstalker: o vingativo (vindictive), o calmo (composed), o íntimo (intimate) e o coletivo (collective). O ciberstalker vingativo é caracterizado por comunicar de forma ameaçadora e agressiva, podendo transportar o seu assédio para o mundo real. O ciberstalker calmo atua exclusivamente através da utilização das TIC, tendo como objetivo incomodar e irritar o alvo. O ciberstalker íntimo tem como finalidade estabelecer uma relação íntima com a vítima, podendo dividir-se em dois subgrupos, nomeadamente o ex-íntimo, procurando restabelecer a sua relação com a vítima e o apaixonado que tem como finalidade iniciar uma relação íntima. O ciberstalker coletivo constitui um grupo ou organização, tendo como objetivo perseguir e assediar a vítima. Por último, Sheridan e Grant (2007) apontam quatro tipos de ciberstalkers, designadamente o ciberstalker puro (cyberstalking-only), atuando exclusivamente no ciberespaço, o ciberstalker que atua no ciberespaço e que transfere progressivamente o assédio para o mundo real (cyberspace-to-realspace), o ciberstalker que pratica os comportamentos de assédio no ciberespaço e no mundo real (cyberspace-and-realspace) e o stalker puro (purely offline) que atua exclusivamente no mundo real, porém este pode recorrer às TIC ao longo do assédio.

Vulnerabilidade dos estudantes universitários ao stalking e ciberstalking

Os estudantes universitários são considerados a população mais vulnerável à vitimação por stalking e ciberstalking, apresentando taxas de prevalência superiores à população em geral (Björklund, Häkkänen-Nyholm, Sheridan, & Roberts, 2010; Fisher, Cullen, & Turner, 2002; Pereira, Spitzberg, & Matos, 2016). O National Violence Against Women Survey, um representativo estudo nos Estados Unidos com a população em geral, a respeito de experiências de violência, incluindo stalking, reportou que 8% das mulheres e 2% dos homens foi perseguido em algum momento de sua vida (Tjaden & Thoennes, 1998). Estudos com a população universitária situam a taxa de prevalência entre os 8-25% no sexo feminino e entre os 2-13,3% no sexo masculino (Matos et al., 2011; Tjaden & Thoennes, 1998). O stalking e/ou ciberstalking podem desenvolver-se devido ao facto desta população ser constituída maioritariamente por jovens adultos e solteiros (Fisher, 2001; Reyns et al., 2012), com desejos de independência e pelas rotinas previsíveis no campus universitário (Björklund et al., 2010; Fisher, 2001; Fisher et al., 2002).

Atualmente, a generalidade dos estudantes universitários recorre maioritariamente à utilização das TIC com o objetivo de estabelecer relações interpessoais e comunicar com amigos, colegas e professores. As TIC constituem-se, também, como um espaço preferencial no processamento, armazenamento e transmissão de informação, necessários na sua formação académica (Pereira et al., 2016). Kennedy e Taylor (2010) afirmam que 92% dos estudantes universitários utilizam as redes sociais e têm acesso à internet.

No contexto nacional, dados estatísticos de 2015 revelam que 70% dos indivíduos, com idade compreendida entre os 16 e os 74 anos, tem acesso à internet em casa e 70% dos utilizadores de internet usam as redes sociais. Esta utilização é mais frequente por pessoas até aos 44 anos, do sexo masculino e que completaram o ensino secundário ou universitário (Instituto Nacional de Estatística, 2015). Estes dados indicam que a utilização do computador, internet e redes sociais foi superior em indivíduos que têm o ensino secundário ou universitário, tornando-os mais vulneráveis a vitimação por ciberstalking.

Assim, verificamos que ambos o stalking e ciberstalking representam uma ameaça para os estudantes do ensino universitário, acarretando sérias e diversas consequências, nomeadamente nas relações interpessoais (Björklund et al., 2010), como também ao nível do seu sucesso académico, podendo provocar a transferência de universidade ou o desistir do curso frequentado (McNamara & Marsil, 2012).

A presente revisão sistemática da literatura tem como finalidades identificar e caracterizar os trabalhos científicos sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes do ensino universitário de forma a sistematizar os principais resultados obtidos, colocando-se a seguinte questão de investigação: o que é que a literatura informa sobre a ocorrência do stalking e ciberstalking em estudantes universitários?

 

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MÉTODOS

Procedimentos da pesquisa

A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados: BioMed Central, B-On, Medline (Web of Knowlegde), PsicInfo (CSA), PubMed, ScienceDirect e Sage, de acordo com as seguintes palavras-chave: (Stalking OR Cyberstalking AND College Students). Posteriormente, recorreu-se ao motor de busca Google Scholar com o objetivo de encontrar outros trabalhos que não constassem nas bases de dados, até por poderem não estar ainda publicados. A pesquisa foi efetuada em março de 2016.

É importante referir que foram utilizadas expressões mais abrangentes, todavia não encontrámos mais nenhum resultado quando especificámos a pesquisa, utilizando outras palavras-chave: Stalking AND (Cyberstalking OR “Online Harassment”) AND (“College Students” OR Undergraduate OR “University Students”).

Critérios de inclusão e de exclusão

Para a realização da presente revisão sistemática da literatura foram definidos critérios de inclusão e critérios de exclusão com a finalidade de selecionar os estudos relevantes.

Critérios de inclusão: (a) publicações num período de 15 anos (2001-2016); (b) estudos escritos em Inglês, Português e Espanhol; (c) estudos com estudantes universitários, com idades a partir dos 18 anos; (d) estudos com amostras mistas (homens e mulheres); (e) estudos com amostras exclusivas ao sexo feminino; (f) estudos com amostras exclusivas ao sexo masculino; (g) estudos que focavam o stalking ou o ciberstalking em estudantes universitários; e (h) estudos quantitativos, estudos qualitativos ou estudos mistos.

Critérios de exclusão: (a) publicações com data anterior ao ano 2001; (b) estudos que não a língua inglesa, portuguesa ou espanhola; (c) estudos desenvolvidos que não com estudantes universitários; (d) com sujeitos com idades inferiores aos 18 anos; (e) estudos não exclusivos à ocorrência do stalking e ciberstalking em estudantes universitários (e.g., ciberbullying); (f) estudos que analisavam os fenómenos de stalking e/ou ciberstalking no âmbito de outras formas de violência nas relações íntimas em estudantes universitários, estes últimos por necessidade de delimitação da pesquisa ao estudo do stalking e ciberstalking.

Seleção dos artigos

Na pesquisa foram identificados um total de 2578 resultados (368 na B-on, 2 na PubMed, 44 na Sage, 44 na ScienceDirect e 2120 no Google Scholar, nas restantes bases de dados não se obteve nenhum resultado). A seleção dos artigos decorreu em duas etapas (cf. Figura 1). tomando como referência o sistema PRISMA (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & The PRISMA Group, 2009)

Primeira etapa. Inicialmente procedeu-se a uma leitura dos títulos e resumos, tendo esta análise atingindo a saturação teórica nas primeiras 30 páginas no motor de busca Google Scholar, do total de 2120 resultados obtidos, sendo incluídos 15 estudos, consoante os critérios de inclusão e exclusão definidos. De seguida, fez-se uma análise dos 458 resultados, conseguidos através das restantes bases de dados (B-on, Pubmed, Sage e ScienceDirect). Desta forma foram excluídas 148 publicações pois não constituíam estudos empíricos ou teóricos (e.g., websites). O critério temporal (anterior ao ano de 2001) motivou a exclusão de 68 publicações e o critério do idioma (estudos escritos em inglês, português ou espanhol) justificou a exclusão de oito publicações. Um número significativo de estudos (n = 120) não utilizava uma amostra com estudantes universitários (e.g., estudantes do ensino básico).

Foram, ainda, excluídas 79 publicações não exclusivas à ocorrência do stalking e/ou ciberstalking em estudantes universitários (e.g., ciberbullying em estudantes universitários, violência sexual em contexto universitário, utilização das TIC na população universitária) e 11 publicações que analisavam a ocorrência do stalking e/ou ciberstalking como forma de violência nas relações íntimas em estudantes universitários. Assim, desta primeira etapa foram selecionados 30 artigos para uma análise mais detalhada.

Segunda etapa. A segunda etapa de seleção teve como objetivo a leitura e análise integral dos 30 artigos que foram selecionados na primeira etapa. Deste modo, foram excluídos dez estudos que não utilizavam uma amostra com estudantes universitários, quatro estudos não exclusivos à ocorrência do stalking e/ou ciberstalking em estudantes universitários, dois trabalhos que analisavam os fenómenos de stalking e/ou ciberstalking como forma de violência nas relações íntimas em estudantes universitários e quatro artigos que se encontravam repetidos em duas bases de dados. Assim, desta segunda etapa resultaram a inclusão de dez artigos.

No total foram analisados 25 artigos (15 artigos selecionados através do Google Scholar e dez artigos obtidos através das restantes bases de dados).

Por fim, tendo em consideração os critérios de inclusão e exclusão, a seleção dos estudos nas duas etapas foi realizada a partir da leitura e análise de duas investigadoras, sendo que em caso de dúvidas se recorreu a uma terceira investigadora.

 

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RESULTADOS

 

 

Apresentamos os resultados da análise descritiva dos 25 estudos empíricos selecionados, nomeadamente 11 estudos sobre a ocorrência do stalking em estudantes universitários e 14 estudos acerca do ciberstalking em estudantes universitários, dos quais procedemos à extração dos dados mais relevantes (Figura 1).

Desta forma, foram analisados os dados referentes à data de publicação, o país onde o estudo foi realizado, o seu respetivo design, as caraterísticas das amostras, os instrumentos de avaliação utilizados, indicadores de prevalência, as dinâmicas e comportamentos, o impacto na vítima, as respostas à vitimação e os resultados ou conclusões principais.

Aspetos gerais da investigação desenvolvida

Tendo em consideração os objetivos da pesquisa, em relação à data de publicação dos estudos selecionados e à ocorrência do stalking em estudantes universitários, foram analisados estudos entre os anos de 2002 e 2015 (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi, Clayton, & Surrency, 2009; Fisher et al., 2002; Geistman, Smith, Lambert, & Cluse-Tolar, 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jordan, Wilcox, & Pritchard, 2007; Jutras, Edwards, & Sylaska, 2013; Maran, Zedda, Varetto, & Munari, 2014; McNamara & Marsil, 2012; Pereira, Matos, Sheridan, & Scott, 2015). 

No que se refere à data de publicação dos estudos e à ocorrência do ciberstalking na população universitária foram analisados estudos entre os anos de 2002 e 2015 (Alexy et al., 2005; Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Curtis, 2012; Finn, 2004; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008; Kennedy & Taylor, 2010; Lindsay & Krysik, 2012; Paullet, Rota & Swan, 2009; Reyns, 2010; Reyns et al., 2012; Spitzberg & Hoobler, 2002; White & Carmody, 2016).

Dos 11 trabalhos de investigação empírica selecionados sobre a ocorrência do stalking em estudantes do ensino universitário, sete estudos foram desenvolvidos nos EUA (Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Jordan et al., 2007; Jutras et al., 2013; McNamara & Marsil, 2012), um na Finlândia (Björklund et al., 2010), um na Índia (Jaishankar & Kosalai, 2007), um na Itália (Maran et al., 2014) e um em Portugal (Pereira et al., 2015).

No que concerne à ocorrência do ciberstalking em estudantes do ensino universitário, foram analisados 14 trabalhos de investigação empírica, entre estes doze estudos desenvolvidos nos EUA (Alexy et al., 2005; Curtis, 2012; Finn, 2004; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008; Kennedy & Taylor, 2010; Lindsay & Krysik, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns, 2010; Reyns et al., 2012; Spitzberg & Hoobler, 2002; White & Carmody, 2016) e dois em Portugal (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011).

Dos vinte e cinco trabalhos empíricos sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários, vinte e três estudos eram de natureza quantitativa e dois estudos qualitativos (Pereira et al., 2015; White & Carmody, 2016), tendo como principais finalidades averiguar a prevalência, dinâmicas e comportamentos, impacto na vítima e as respetivas respostas à vitimação.

Os 25 trabalhos quantitativos e qualitativos adotaram um design exploratório, descritivo e correlacional.

No que diz respeito aos 11 trabalhos sobre a ocorrência do stalking em estudantes universitários, de natureza quantitativa e qualitativa, oito estudos procuraram analisar o fenómeno numa perspetiva ao longo da vida (vitimação passada e atual) (e.g., Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Jaishankar & Kosalai, 2007), um trabalho utilizou como período de referência o último ano (Fisher et al., 2002), um estudo procurou averiguar a vitimação desde a entrada do estudante na universidade (Buhi et al., 2009) e um trabalho utilizou três períodos de referência, designadamente a vitimação ao longo da vida, desde a entrada do estudante na universidade e durante o último ano (Jordan et al., 2007).

Dos 14 trabalhos acerca da ocorrência do ciberstalking em estudantes universitários, de natureza quantitativa e qualitativa, todos estes estudos procuraram analisar o fenómeno numa perspetiva ao longo da vida (vitimação passada e atual).

Relativamente ao contexto de recrutamento, os vinte e três trabalhos quantitativos sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários adotaram um processo de amostra por conveniência (população universitária).

Características das amostras. No que se refere à constituição das amostras dos estudos quantitativos sobre a ocorrência do stalking em estudantes universitários, ao nível do sexo, seis trabalhos recorreram a amostras exclusivas de mulheres (Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Fisher et al., 2002; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jordan et al., 2007; Jutras et al., 2013), quatro apresentaram amostras mistas (Björklund et al., 2010; Geistman et al., 2013; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012) e um estudo, de natureza qualitativa, recorreu a uma amostra exclusiva de homens (Pereira et al., 2015). Em termos de dimensão das amostras, os trabalhos quantitativos variavam entre 142 (Maran et al., 2014) e os 4446 estudantes universitários (Fisher et al., 2002), sendo que no estudo de Pereira et al. (2015), de natureza qualitativa, participaram 91 estudantes. No que diz respeito à inclusão de outras variáveis sociodemográficas (e.g., etnia ou orientação sexual), todos os estudos concluíram que os estudantes eram predominantemente solteiros, de raça caucasiana e habitavam maioritariamente com os pais ou família, não havendo estudos que procurassem comparar diferentes níveis socioeconómicos, orientação sexual, grupos étnicos ou culturais.

Relativamente à constituição das amostras dos trabalhos, de natureza quantitativa e qualitativa, sobre a ocorrência do ciberstalking em estudantes universitários, ao nível do sexo, todos os estudos utilizaram amostras mistas (e.g., Carvalho, 2011; Finn, 2004; Kennedy & Taylor, 2010). No que diz respeito à dimensão das amostras, os estudos variavam entre 111 (Carvalho, 2011) e os 1040 estudantes do ensino universitário (Heinrich, 2015), sendo que no estudo de White e Carmody (2016), de natureza qualitativa, participaram 41 estudantes. No que concerne à inclusão de outras variáveis sociodemográficas, similarmente aos estudos que se concentram na ocorrência do stalking em contexto universitário, os estudantes eram maioritariamente solteiros, de raça caucasiana e residiam com os seus pais ou família.

Instrumentos utilizados. Todos os estudos, de natureza quantitativa e qualitativa, relativos à ocorrência do stalking em estudantes universitários recorreram a medidas de autorrelato, para aferir a vitimação por stalking. Porém, observou-se uma grande variabilidade nos instrumentos utilizados, destacando-se o National Violence Against Woman, Stalking: International Perceptions and Prevalence (Sheridan, Davies, & Boon, 2001), National College Women Sexual Victimization (Belknap, Fisher, & Cullen, 1999), Obsessional Relational Intrusion (Spitzberg, Marshal, & Cupach, 2001), The Network for Surviving Stalking (Sheridan, 2004) e instrumentos desenvolvidos pelos próprios investigadores (Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013). De acordo à sintomatologia associada à ocorrência do stalking em estudantes universitários, o estudo de Amar (2006) procurou avaliar a presença de sintomatologia psicopatológica (Symptom Checklist 90 – Revised) (cf. Tabela 1).

Os instrumentos usados nos estudos referentes à ocorrência do stalking em população universitária foram administrados via telefone (Fisher et al., 2002; Jordan et al., 2007), pela internet (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jutras et al., 2013; McNamara & Marsil, 2012) ou pessoalmente (Maran et al., 2014; Pereira et al., 2015), sendo a participação e o preenchimento do instrumento de forma voluntária, garantindo o anonimato estudante.

 

 

 

TABELA 1

Instrumentos Utilizados pelos Estudos Empíricos Referentes à Ocorrência do Stalking em Estudantes Universitários (n = 11)

 

 

Instrumentos utilizados

Autor(es) e (Ano)

 

 

Stalking: International Perceptions and Prevalence (Sheridan, Davies, & Boon, 2001)

Björklund et al. (2010)

Pereira et al. (2015)

 

 

National Violence Against Woman

Amar (2006)

McNamara & Marsil (2012)

 

 

National College Women Sexual Victimization (Belknap, Fisher, & Cullen, 1999)

Buhi et al. (2009);

Jordan et al. (2007)

 

 

The Network for Surviving Stalking (Sheridan, 2004)

Jaishankar & Kosalai (2007)

Maran et al. (2014)

 

 

Os investigadores desenvolveram o seu próprio instrumento

Fisher et al. (2002)

Geistman et al. (2013)

 

 

Obsessional Relational Intrusion (Spitzberg, Marshal, & Cupach, 2001)

Jutras et al. (2013)

 

 

 

 

Todos os estudos, de natureza quantitativa e qualitativa, relativos à ocorrência do ciberstalking em estudantes universitários recorreram a medidas de autorrelato, para aferir a vitimação por ciberstalking. A maioria dos investigadores desenvolveu o seu próprio questionário (e.g., Alexy et al., 2005; Fin, 2004; White & Carmody, 2016), não disponibilizando o instrumento em anexo no estudo. Porém, destacam-se os seguintes instrumentos: Cyber Obsessional Pursuit (Spitzberg & Cupach, 1999), Escala de Avaliação de Ciberstalking (Carvalho & Matos, 2010) e Obsessive Relational Intrusion-50 (Cupach & Spitzberg, 2004). Para além da utilização dos instrumentos sobre o ciberstalking, Carrasquinho (2015) também utilizou a Escala de Coping no Stalking com o objetivo de avaliar as estratégias utilizadas pela vítima para lidar com a ameaça resultante do ciberstalking (cf. Tabela 2).

 

 

 

TABELA 2

Instrumentos Utilizados pelos Estudos Empíricos Referentes à Ocorrência do Ciberstalking em Estudantes Universitários (n =14)

 

 

Instrumentos utilizados

Autor(es) e (Ano)

 

 

Instrumento desenvolvido pelo(s) próprio(s) investigador(es)

Alexy et al. (2005); Finn (2004); Heinrich (2015); Kennedy &

Taylor (2010); Lindsay & Krysik (2012); Paullet et al. (2009);

Reyns (2010); Reyns et al. (2012); White & Carmody (2016)

 

 

Cyber Obsessional Pursuit (Spitzberg & Cupach, 1999)

Hensler-McGinnis (2008)

Spitzberg & Hoobler (2002)

 

 

Escala de Avaliação de Ciberstalking (Carvalho & Matos, 2010)

Carrasquinho (2015)

Carvalho (2011)

 

 

Obsessive Relational Intrusion-50 (Cupach & Spitzberg, 2004)

Curtis (2012)

 

 

 

 

Os instrumentos utilizados nos trabalhos relativos à ocorrência do ciberstalking em estudantes universitários foram administrados pela internet Alexy et al., 2005; Carrasquinho, 2015; Curtis, 2012; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008; Lindsay & Krysik, 2012; Reyns, 2010; Reyns et al., 2012) ou pessoalmente (Carvalho, 2011; Finn, 2004; Kennedy & Taylor, 2010; Paullet et al., 2009; Spitzberg & Hoobler, 2002; White & Carmody, 2016), sendo a participação e o preenchimento do instrumento de forma voluntária, garantindo o anonimato do estudante universitário.

Indicadores de prevalência. A determinação das taxas de prevalência de vitimação dos fenómenos de stalking e ciberstalking em estudantes universitários assumiu-se como uma das principais finalidades empíricas em dez estudos acerca do stalking (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi et al., 2009; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jordan et al., 2007; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012; Pereira et al., 2015) e em sete estudos (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Hensler-McGinnis, 2008; Lindsay & Krysik, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns et al., 2012; White & Carmody, 2016) sobre o ciberstalking, de acordo com vários períodos de referência de vitimação, designadamente, indicadores de prevalência ao longo da vida do estudante, desde a sua entrada na universidade e desde o último ano.

Relativamente à ocorrência do stalking em estudantes universitários, os indicadores de prevalência da vitimação ao longo da vida variaram entre os 12% (McNamara & Marsil, 2012) e os 96% (Pereira et al., 2015). Relativamente ao indicador de prevalência de vitimação desde a entrada do estudante na universidade, este situou-se nos 19,9% (Buhi et al., 2009). Fisher e colaboradores (2002) encontraram uma prevalência de 15% de estudantes vítimas de stalking tendo como período de referência o último ano. Por último, Jordan et al. (2007) utilizaram no seu estudo três períodos de referência de vitimação por stalking, sendo 40,4% de vitimação por stalking ao longo da vida, 18% de vitimação desde a entrada do estudante na universidade e 11,3% de vitimação tendo como período de referência o último ano (cf. Tabela 3).

 

 

 

TABELA 3

Taxas de Prevalências da Vitimação do Stalking ao Longo da Vida, desde a Entrada do Estudante na Universidade e no Último Ano

 

 

Autor(es) e data

Taxa (%) de prevalência do stalking ao longo da vida

 

 

Pereira et al. (2015)

Jordan et al. (2007)

Geistman et al. (2013)

Jaishankar & Kosalai (2007)

Maran et al. (2014)

Amar (2006)

Björklund et al. (2010)

McNamara & Marsil (2012)

96

40,4

35

27,8

25,3

25

22,3

12

 

 

Autores(es) e data

Taxa (%) de prevalência do stalking desde a entrada do estudante na universidade

 

 

Buhi et al. (2009)

Jordan et al. (2007)

19,9

18

 

 

Autor(es) e data

Taxa (%) de prevalência do stalking no último ano

 

 

Fisher et al. (2002)

Jordan et al. (2007)

15

11,3

 

 

 

 

Os dados de prevalência da ocorrência do ciberstalking na população universitária, apenas consideraram o período de referência de vitimação ao longo da vida, situando-se entre os 13% (Paullet et al., 2009) e os 74,8% (Carvalho, 2011) (cf. Tabela 4).

 

 

 

TABELA 4

Taxas de Prevalências da Vitimação do Ciberstalking ao Longo da Vida

 

 

Autor(es) e data

Taxa (%) de prevalência do ciberstalking ao longo da vida

 

 

Carvalho (2011)

Carrasquinho (2015)

Hensler-McGinnis (2008)

Lindsay & Krysik (2012)

Reyns et al. (2012)

White & Carmody (2016)

Paullet et al. (2009)

74,8

69,1

45,6

43,3

40,8

19

13

 

 

 

 

Dinâmicas e comportamentos. Nesta secção são abordados as dinâmicas e os comportamentos de vitimação por stalking e posteriormente o ciberstalking em população universitária, designadamente: o sexo do(a) (ciber)stalker, a relação entre o(a) (ciber)stalker e a vítima, os comportamentos, a frequência e a respetiva duração da vitimação.

No que diz respeito à ocorrência do stalking em estudantes universitário, quatro estudos revelaram que o(a) stalker era maioritariamente do sexo masculino (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Maran et al., 2014) e a vítima era maioritariamente do sexo feminino (Björklund et al., 2010; Geistman et al., 2013; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012).

Um número expressivo de estudos (n = 9) procurou determinar o tipo de relação existente entre a vítima e o(a) stalker. Neste sentido, seis estudos concluíram que o(a) stalker era alguém conhecido (e.g., amigo, colega, vizinho) (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jordan et al., 2007; Jutras et al., 2013), dois estudos referiram que o(a) stalker era um(a) parceiro(a) íntimo atual ou anterior (Fisher et al., 2002; Maran et al., 2014) e apenas o estudo de Jaishankar e Kosalai (2007) concluiu que os estudantes foram alvo de stalking por um(a) desconhecido(a) (cf. Tabela 5).

 

 

 

TABELA 5

Relação Entre o(a) Stalker e a Vítima

 

 

Relação entre o(a) stalker e a vítima

% da incidência

Autor(es) e data

 

 

Conhecido(a)

55

48,7

43,6

43,2

42

39

Björklund et al. (2010)

Buhi et al. (2009)

Jordan et al. (2007)

Jutras et al. (2013)

Geistman et al. (2013)

Amar (2006)

 

 

Parceiro(a) íntimo(a) atual ou anterior

42,9

41,7

Fisher et al. (2002)

Maran et al. (2014)

 

 

Desconhecido

68,7

Jaishankar & Kosalai (2007)

 

 

 

 

Relativamente aos comportamentos perpetrados pelo(a) stalker, os estudos (n = 9) destacaram as tentativas de contactos (e.g., chamadas telefónicas, mensagens, correio eletrónico) não desejados (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Jordan et al., 2007; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012) e perseguição (Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007) (cf. Tabela 6).

 

 

 

TABELA 6

Comportamentos Perpetrados pelo(a) Stalker

 

 

Comportamentos perpetrados pelo(a) stalker

% da incidência

Autor(es) e data

 

 

Tentativas de contactos não desejados

77,7

72,2

72

56,4

49,7

24,2

Fisher et al. (2002)

Maran et al. (2014)

Amar (2006)

Björklund et al. (2010)

Jordan et al. (2007)

McNamara & Marsil (2012)

 

 

Perseguição

64,9

55,3

53

Buhi et al. (2009)

Jaishankar & Kosalai (2007)

Geistman et al. (2013)

 

 

 

 

De acordo com a frequência e a duração da ocorrência dos comportamentos de stalking, três estudos referiram que este fenómeno ocorria diariamente ou semanalmente (Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007) e quatro estudos concluíram que o stalking teve uma duração média de várias semanas a um ano (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Jutras et al., 2013; Maran et al., 2014).

Relativamente à ocorrência do ciberstalking na população universitária, três estudos referiram que o(a) ciberstalker era do sexo masculino (Curtis, 2012; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008) e cinco estudos concluíram que a vítima era maioritariamente do sexo feminino (Curtis, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns, 2010; Reyns et al., 2012; White & Carmody, 2016).

Um número expressivo de estudos (n = 8) procurou determinar o tipo de relação existente entre a vítima e(o) ciberstalker. Assim, cinco estudos concluíram que o(a) ciberstalker era alguém conhecido (e.g., amigo, colega, familiar) (Alexy et al., 2005; Hensler-McGinnis, 2008; Lindsay & Krysik, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns et al., 2012), dois estudos referiram que o(a) ciberstalker era um(a) parceiro(a) íntimo atual ou anterior (Curtis, 2012; Heinrich, 2015) e um estudo mencionou que os estudantes foram alvo de ciberstalking por parte de um(a) desconhecido(a) (Finn, 2004) (cf. Tabela 7).

 

 

 

TABELA 7

Relação Entre o(a) Ciberstalker e a Vítima

 

 

Relação entre o(a) ciberstalker e a vítima

% da incidência

Autor(es) e data

 

 

 

Conhecido(a)

50

42,5

25,4

24,9

Paullet et al. (2009)

Hensler-McGinnis (2008)

Reyns et al. (2012)

Lindsay & Krysik (2012)

Alexy et al. (2005)

 

 

Parceiro(a) íntimo(a) atual ou anterior

48

45,4

Curtis (2012)

Heinrich (2015)

 

 

Desconhecido(a)

Finn (2004)

 

 

Nota. — = O estudo não refere os valores da percentagem da incidência.

 

 

No que concerne aos comportamentos efetuados pelo(a) ciberstalker, quatro estudos destacaram os comportamentos de hiperintimidade (e.g., envio de mensagens exageradas de afeto, envio de mensagens excessivamente carentes ou exigentes, envio de objetos de afeto) (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Reyns, 2010; Spitzerg & Hoobler, 2002), dois estudos referiram que os comportamentos mais frequentes foram as tentativas de contacto não desejadas (Alexy et al., 2005; Paullet et al., 2009) e um estudo concluiu que os comportamentos mais indicados pelas vítimas foram as constantes monitorização, marcação ou envio de presentes para a rede social (Hensler-McGinnis, 2008) (cf. Tabela 8).


 

 

 

TABELA 8

Comportamentos Perpetrados pelo(a) Ciberstalker

 

 

Comportamentos perpetrados pelo(a) ciberstalker

% da incidência

Autor(es) e data

 

 

Comportamentos de hiperintimidade

52,2

47,8

31

23,3

Carvalho (2011)

Carrasquinho (2015)

Spitzberg & Hoobler (2002)

Reyns (2010)

 

 

Tentativas de contactos não desejados

Alexy et al. (2005)

Paullet et al. (2009)

 

 

Constantemente a monitorizar, marcar ou enviar presentes para as redes sociais

76

Hensler-McGinnis (2008)

 

 

Nota. — = O estudo não refere os valores da percentagem da incidência.

 

 

De acordo com a frequência e a duração da ocorrência dos comportamentos de ciberstalking, apenas o estudo de Curtis (2012) referiu que este fenómeno teve uma duração média de 215 dias.

Impacto na vítima. Os seis estudos que abordaram o impacto da ocorrência do stalking nas vítimas referiram que as áreas afetadas foram a saúde psicológica (e.g., medo, humor deprimido, ansiedade, raiva) (Amar, 2006; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jordan et al., 2007; Maran et al., 2014). Para além da saúde psicológica, dois estudos nomearam consequências ao nível da saúde física (e.g., perturbações no sono, dores de cabeça, fraqueza muscular) (Jaishankar & Kosalai, 2007; Maran et al., 2014) e dois estudos também destacaram consequências nos estilos de vida e economia da vítima (e.g., mudança de identidade, perda de amigos, isolamento social) (Jaishankar & Kosalai, 2007; Maran et al., 2014).

Relativamente ao impacto da ocorrência do ciberstalking nos estudantes universitários, as áreas mais afetadas foram: foram:  a económica (e.g., alteração do número de telemóvel ou residência, investimento em softwares de proteção das tecnologias), a social (e.g., isolamento social), a do desempenho profissional/académico (e.g., faltar ao emprego ou aulas, mudança ou ser despedido do emprego, desistir do curso universitário) (Hensler-McGinnis, 2008; Spitzberg & Hoobler, 2002) e a da saúde psicológica da vítima (e.g., sentir a sua segurança ameaçada, raiva, ansiedade, medo) (Curtis, 2012; Paullet et al., 2009). Paullet e colaboradores (2009) destacaram ainda a saúde física (e.g., perturbações no sono, cansaço, dores de cabeça) como uma das principais áreas afetadas.

Respostas à vitimação. Dos 11 estudos sobre a ocorrência do stalking em estudantes universitários, de natureza quantitativa e qualitativa, seis avaliaram as respostas à vitimação. As fontes de apoio informal (i.e., familiares e amigos) foram as mais ativadas pelas vítimas (Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jutras et al., 2013; Maran et al., 2014). Por outro lado, seis estudos referiram que as vítimas não reportavam estes comportamentos às fontes de apoio formal (i.e., forças de segurança, profissionais de saúde) (Buhi et al., 2009; Fisher et al., 2002; Jaishankar & Kosalai, 2007; Jordan et al., 2007; Jutras et al., 2013).

No que diz respeito à ocorrência do ciberstalking na população universitária foram identificados oito estudos que avaliaram as respostas à vitimação. Seis estudos referiram que as fontes de apoio informal foram as mais ativadas pelas vítimas (Alexy et al., 2005; Curtis, 2012; Finn, 2004; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008; White & Carmody, 2016).

 

TOP

DISCUSSÃO

O conhecimento científico sobre o fenómeno da ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários começou a desenvolver-se, sobretudo nos últimos anos, tendência verificada pelo aumento do número de estudos por ano de publicação, sendo da população estudantil que se têm extraído muitas das amostras para as investigações nos temas, por se considerar particularmente vulnerável à vitimação (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002). Assim, verifica-se que no contexto internacional e nacional, o stalking e o ciberstalking são cada vez mais reconhecidos socialmente, cientificamente e criminalmente punidos.

É importante referir que, por vezes, os estudos e os investigadores empregam diferentes definições e terminologias. Pereira e investigadores (2015) designam “atenção indesejada” ao fenómeno de stalking. No que concerne ao termo ciberstalking, verificamos que existem autores que empregam a expressão “assédio online” (Finn, 2004; Kennedy & Taylor, 2010). Neste sentido, verificamos que as terminologias de stalking e ciberstalking são recentes, sendo que os estudantes podem apresentar dificuldades no seu significado, levando a alguns autores a adotarem termos idênticos ou sinónimos, de modo a não causar dúvidas ou negarem terem sido vítimas destes comportamentos.

Os resultados obtidos permitem-nos compreender e conhecer o panorama dos estudos publicados sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários. No que diz respeito à ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários, percebemos que as taxas de prevalência são bastante elevadas em relação à população em geral (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Reyns, 2010), sendo os mais jovens e o sexo feminino os mais visados, logo mais vulneráveis a este tipo de vitimação, enquanto os ofensores são predominantemente do sexo masculino. Este resultado poderá estar associado no contexto relacional, uma vez que os jovens estão expostos a um grande número de potenciais parceiros amorosos, aumentando a probabilidade de algumas relações implicarem o assédio e a perseguição de modo persistente (Grangeia & Matos, 2010), como também o facto desta população mais jovem utilizar com frequência as TIC, tornando-as mais vulneráveis a contactos não desejados (Pereira et al., 2016; White & Carmody, 2016).

No que respeita ao tipo de relação existente entre a vítima e o(a) ofensor(a) na ocorrência dos fenómenos de stalking e de ciberstalking, o ofensor é maioritariamente conhecido (e.g., amigo, familiar, colega) ou é um parceiro íntimo atual ou anterior da vítima (Alexy et al., 2005; Amar, 2006; Finn, 2004; Fisher et al., 2002), reforçando o contexto relacional do stalking e do ciberstalking.

No que concerne aos comportamentos mais frequentes de stalking, de acordo com a tipologia de Spitzberg e Cupach (2007), foram os contactos mediados e as estratégias de vigilância (e.g., Amar, 2006; Jaishankar & Kosalai, 2007; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012) enquanto os comportamentos mais frequentes de ciberstalking foram as tentativas de contacto não desejados, comportamentos de hiperintimidade e constante monitorização, marcação ou envio de presentes para as redes sociais (e.g., Carvalho, 2011; Paullet et al., 2009; Spitzberg & Hoobler, 2002). Estes comportamentos revelam que o stalker e ciberstalker têm como finalidade estabelecer uma relação íntima para com a vítima. A frequência e a duração deste tipo de comportamentos no stalking ocorriam em média semanalmente a mensalmente, tendo uma duração média de várias semanas a um ano, enquanto os comportamentos de ciberstalking tiveram uma duração média de 215 dias. Tendo em consideração o contexto relacional de ambos os fenómenos, é possível que o(a) perpetrador(a) conheça as rotinas e o estilo de vida da vítima, tornando a frequência e a duração dos seus comportamentos mais frequentes, tendendo estes a escalar na sua frequência e agressividade.

O impacto do stalking e do ciberstalking na população universitária tem consequências negativas e, consequentemente nas suas relações interpessoais. As áreas mais afetadas são a saúde psicológica, física, social, economia e ao nível do estilo de vida (e.g., Amar, 2006; Hensler-McGinnis, 2008; Jaishankar & Kosalai, 2007; Spitzberg & Hoobler, 2002; Wright, 2018), representando uma ameaça para os estudantes universitários, podendo a vítima mudar de universidade ou desistir do curso que frequenta.

Por último, as fontes de apoio informal (e.g., amigos, familiares) foram as mais ativadas pelos estudantes universitários (Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013), em detrimento das fontes formais. Estes dados permitem-nos compreender que as vítimas recorrem maioritariamente a amigos ou familiares como forma de tentar resolver a vitimação como também poderá ser um indicador da desvalorização, por parte do estudante, da sua vitimação por stalking e/ou ciberstalking.     

Na presente revisão sistemática da literatura existem um conjunto de contribuições e especificidades nas abordagens científicas sobre a ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários.

Desta forma são apresentados os três principais contributos, entre os quais: o crescimento dos estudos publicados, reflexo do reconhecimento por parte da comunidade científica, maioritariamente desenvolvidos nos EUA e na Europa, destacando-se também Portugal com trabalhos realizados (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Pereira et al., 2015, 2016), reconhecendo os estudantes universitários como sendo uma população particularmente vulnerável a este tipo de vitimação. Esta é uma evolução tão rápida e acentuada, emergindo nos últimos dois anos uma série de novas pesquisas (e.g., Grangeia & Matos, 2018; Owens, 2016, Pereira et al., 2016; Spitzberg, 2016) que certamente se incluirão e deverão ser analisadas em estudos de revisão posteriores. 

O segundo principal contributo, de acordo com a análise efetuada, o foco empírico é a prevalência da vitimação ao longo da vida (e.g., Amar, 2006; Jaishankar & Kosalai, 2007; White & Carmody, 2016), ou seja, os estudos pretendem avaliar a vitimação passada e atual da ocorrência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários. Neste sentido, as taxas de prevalência constituem números bastante preocupantes, designadamente 96% de vitimação para a ocorrência do stalking em estudantes universitários (Pereira et al., 2015) e 74,8% de vitimação para a ocorrência do ciberstalking na população universitária (Carvalho, 2011). Por último, o terceiro contributo prende-se com a variedade das características das amostras utilizadas na ocorrência do stalking em estudantes universitários, recorrendo a amostras exclusivas do sexo feminino (e.g., Amar, 2006; Fisher et al., 2002), amostras mistas (e.g., Björklund et al., 2010; Geistman et al., 2013) e amostras exclusivas de homens (Pereira et al., 2015), revelando o interesse em alargar o conhecimento científico, nomeadamente nos indicadores de prevalência, dinâmicas, comportamentos, impacto na vítima e respostas à vitimação neste tipo de população.

No entanto, foram identificadas três principais especificidades. A primeira refere-se ao facto de os estudos transversais serem predominantemente de natureza quantitativa e com um design exploratório, correlacional e descritivo. Atendendo às características evolutivas associadas a este tipo de fenómenos, é de realçar a pertinência científica de estudos que pudessem analisar as dinâmicas e contornos evolutivos do stalking e ciberstalking. A segunda especificidade prende-se com o tipo de amostragem, ou seja, os estudos publicados sobre os fenómenos utilizam maioritariamente estudantes universitários solteiros, heterossexuais, de raça caucasiana e que estejam a residir com os seus pais ou familiares, havendo apenas um estudo em que 70% da amostra era de origem africana (Amar, 2006). Apesar da maioria da população universitária possuir as características acima referidas, não há estudos que procurassem comparar diferentes níveis socioeconómicos, nacionalidades, orientações sexuais e grupos étnicos ou culturais. A terceira especificidade está relacionada com a variabilidade dos instrumentos utilizados para a avaliação do stalking e ciberstalking na população universitária, sendo que alguns autores desenvolveram o seu próprio instrumento (e.g., Finn, 2004; Fisher et al., 2002; Heinrich, 2015), não os disponibilizando para que possamos analisar o seu conteúdo, ou adaptaram instrumentos que têm como objetivo avaliar outras formas de vitimação (e.g., violência múltipla, violência sexual) (e.g., Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Jordan et al., 2007), podendo ser reflexo da variabilidade das taxas de prevalência do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários. Os instrumentos são de autorrelato, possibilitando a ocorrência de viés amnésicos por parte do estudante, que podem concorrer à subestimativa ou sobreestimativa de ambos os fenómenos.

Considerações finais

De acordo com os contributos e limitações enunciados, é necessário ter em conta que há um conjunto de questões que carecem de estudo para que possam ser objeto de interesse em investigações futuras. Os estudos existentes sobre o stalking e o ciberstalking utilizam, sobretudo, amostras de conveniência, designadamente de jovens universitários, as quais possuem características muito específicas (e.g., são predominantemente solteiros, heterossexuais, de raça caucasiana e encontram-se a residir com os seus familiares), inclusive, distintas de país para país. A realização de estudos com outras amostras, que comparem diferentes níveis socioeconómicos, nacionalidades, orientações sexuais ou grupos étnicos poderão contribuir para um maior e mais aprofundado conhecimento sobre o stalking e ciberstalking.

A maioria dos trabalhos disponíveis sobre o ciberstalking em estudantes universitários tem como objetivos avaliar a prevalência e os comportamentos deste fenómeno, sendo muito deles estudos transversais, de carácter exploratório e descritivo. Dado o carácter continuado da perseguição, quer diretamente quer por intermédio das TIC, com implicações diretas no impacto negativo na vítima, seria importante avaliar-se a evolução do stalking e/ou ciberstalking. Assim, é de reforçar a realização de estudos qualitativos, que possam de avaliar o impacto e as estratégias de coping nas vítimas de ciberstalking. Paralelamente, os estudos publicados sobre o stalking e o ciberstalking em estudantes universitários raramente abordam este assunto do ponto de vista do stalker e do ciberstalker, sendo importante conhecer as suas motivações para perpetrarem estes comportamentos.

Ao nível dos estudos quantitativos seria pertinente a revisão de estudos sobre os diversos instrumentos usados, com vista a apoiar a decisão pelos investigadores no uso dos que revelem melhores características para a análise da prevalência dos fenómenos, diminuindo a variabilidade encontrada nas taxas de prevalência pelo uso de instrumentos diferentes. Tal exigiria múltiplos consensos, em termos conceptuais, na definição dos fenómenos e determinação das características associadas, até para consideração do stalking ou ciberstalking como fenómeno unitário (perseguição), que pode ou não ser mediado pelas TIC, mas que podem ser interpretados e sentidos como vitimação múltipla. Os estudos na área da vitimação múltipla têm vindo a alertar para o impacto acrescido da vitimação em vítimas que relatam formas diversas de experienciar a violência, ao longo da vida e em diversos contextos. Seria pertinente avaliar se a perseguição concretizada online com a simultaneidade de assédio também através das TIC, ao assegurar rapidez e, porventura, eficácia na concretização das práticas exibidos pelo stalker, não poderão contribuir para um impacto acrescido da vitimação.

A sistematização ora produzida exigiu constante operacionalização de critérios e tomadas de decisão que limitam a generalização de conclusões. Trata-se de um estudo teórico circunscrito a um dado período temporal, numa temática que tem sido muito estudada, possibilitando recentemente outras descobertas científicas. Muito embora a amostra de textos para análise tenha começado por ser demasiado extensa, após triagem poderíamos ainda recorrer a outros métodos (snowballing) para além da busca pelos motores de pesquisa automática. Importava ainda analisar outras questões que vão desde a definição de (ciber)stalking adotada em cada estudo, à forma como em cada investigação se sinaliza a vitimação, à admissão pelo alvo da vitimação e o impacto, a confrontação dos fenómenos ou à simultaneidade dos mesmos. Assim, desta revisão foi desenvolvido um estudo que avaliasse a coocorrência e os respetivos padrões de vitimação do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários (Pires, Sani, & Soeiro, in press), para responder a alguns dos aspetos supramencionados.

Por fim, destacamos a importância do desenvolvimento de mais estudos sobre ambos os fenómenos, a necessidade da prevenção com a realização de ações de sensibilização em universidades e na população em geral, bem como a promoção da formação técnica a profissionais (e.g., psicólogos, assistentes sociais, juristas, advogados, forças de segurança) que lidam com as vítimas com o objetivo de estes serem capazes de reconhecer, compreender e intervir em ambos os fenómenos de stalking e ciberstalking.

 

Conflito de interesses: nenhum.

Fontes de financiamento: nenhuma.

 

 

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PhD. Contribuiu significativamente para a redação, análise de dados, discussão e revisão do trabalho. Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade; Centro de Investigação Universitário do Instituto Universitário de Lisboa Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.

SW M. Contribuiu para a redação, fez a recolha dos dados, construiu a base de dados e efetuou a análise preliminar de dados. Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, Coimbra, Portugal.

PhD. Contribuiu para a análise de dados, discussão e revisão do trabalho. Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra; Centro de Investigação Universitário do Instituto Universitário de Lisboa; Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.