2018, Vol. 4(2): 33-41

 

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Memórias das mensagens alimentares precoces transmitidas pelos cuidadores e comportamentos de ingestão alimentar compulsiva em adultos da população geral portuguesa: Estudo do papel da apreciação da imagem corporal

 

Artigo Original   

 

Sara Oliveira , Cláudia Ferreira

 

https://doi.org/10.31211/rpics.2018.4.2.82

 

Recebido 11 junho 2018

Aceite 13 agosto 2018

 

 

ÍNDICE

RESUMO

INTRODUÇÃO

MÉTODOS

RESULTADOS

DISCUSSÃO

REFERÊNCIAS

 

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RESUMO

Objetivo: O objetivo do presente estudo foi testar o efeito mediador da apreciação da imagem corporal na associação entre memórias de mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores durante a infância e adolescência e a adoção de comportamentos de compulsão alimentar na adultez.

Métodos: Participaram neste estudo 246 mulheres e 133 homens da população geral que completaram numa plataforma online medidas de autorrelato para avaliar memórias de mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores, a apreciação da imagem corporal e sintomatologia de compulsão alimentar.

Resultados. Os resultados revelaram associações negativas entre a recordação de mensagens alimentares precoces do tipo restritivo e crítico e a apreciação da imagem corporal e entre a apreciação da imagem corporal e a sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva. Os resultados da análise de vias revelaram uma associação positiva entre mensagens parentais do tipo restritivo e crítico em relação à alimentação durante a infância e adolescência e a sintomatologia de compulsão alimentar, sendo esta relação parcialmente mediada pela apreciação da imagem corporal, que explicou 35% da variância da sintomatologia de compulsão alimentar, não revelando diferenças significativas entre o sexo masculino e feminino.

Conclusões. Este estudo parece ter importantes implicações clínicas, demonstrando que a transmissão precoce de mensagens alimentares de controlo por parte dos cuidadores está associada a uma menor tendência dos indivíduos para adotar, posteriormente, atitudes positivas relativamente à imagem corporal e, consequentemente, mais comportamentos alimentares perturbados, como a compulsão alimentar. Estes resultados sublinham a importância de desenvolver programas para pais/cuidadores focados no desenvolvimento de estratégias adaptativas para regular o comportamento alimentar das crianças.

 

Palavras chave: Análise confirmatória · Apreciação corporal · Invariância por género · Mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores · Sintomatologia de compulsão alimentar · Estudo exploratório

 

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INTRODUÇÃO

 

A literatura tem sublinhado que o ambiente familiar, nomeadamente as práticas parentais, desempenham um papel importante no desenvolvimento das crianças (Collins, Maccoby, Steinberg, Hertherington, & Bornstein, 2000; Maccoby, 2000). Particularmente, as atitudes dos pais/cuidadores em relação à alimentação e ao peso das crianças influenciam o desenvolvimento da sua imagem corporal e comportamento alimentar (Birch et al., 2001; Fisher, Sinton, & Birch, 2009; Larsen et al., 2015; Marcos, Sebastian, Aubalat, Ausina, & Treasure, 2013). No entanto, é escassa a investigação acerca da relação entre as mensagens parentais precoces acerca da alimentação e a ocorrência de comportamentos de compulsão alimentar na adultez, assim como os mecanismos envolvidos nessa associação (Faith, Scanlon, Birch, Francis, & Sherry, 2004).

Vários estudos têm demonstrado que o controlo excessivo dos pais/cuidadores sobre a alimentação das crianças está associado a atitudes negativas acerca da imagem corporal e a um défice na regulação da ingestão alimentar (Birch & Fisher, 2000). De facto, a literatura parece demonstrar que práticas parentais tanto de restrição alimentar (e.g., proibindo certos alimentos que são desejados ou nas quantidades desejadas) como de pressão para comer, (e.g., forçando-as a comer na ausência de fome) não permitem que as crianças satisfaçam as suas reais necessidades alimentares e desenvolvam mecanismos eficazes de autorregulação da fome/saciedade (Faith et al., 2004; Strein & Bazelier, 2007). Mais especificamente, alguns estudos têm sugerido que a consciência e sensibilidade aos sinais de fome ou saciedade podem ser diminuídas devido a práticas parentais de excessivo controlo, uma vez que a regulação do comportamento alimentar é regida maioritariamente por fatores externos (Birch, Fisher, & Davison, 2003; Carper, Fisher, & Birch, 2000).

Paralelamente, a literatura tem demonstrado que as crianças podem moldar os seus comportamentos alimentares através da receção de mensagens dos cuidadores em relação ao seu peso e/ou comportamento alimentar (e.g., Baker, Whisman, & Brownell, 2000; Cutting, Fisher, Grimm-Thomas, & Birch, 1999; Edmunds & Hill, 1999; Fisher & Birch, 1999). Neste sentido, e de forma a perceber se este tipo de mensagens recebidas durante a infância e adolescência, continua a ter um impacto significativo na vida adulta dos indivíduos, Kroon Van Diest e Tylka (2010) desenvolveram uma escala que permite avaliar as perceções dos indivíduos sobre as mensagens alimentares transmitidas pelos seus cuidadores (Caregiver Eating Messages Scale), através de duas subescalas: (i) pressão para comer e (ii) mensagens restritivas e críticas acerca da ingestão de alimentos. Os resultados indicaram que uma maior perceção deste tipo de mensagens por parte dos cuidadores, particularmente as do tipo restritivo e crítico, está associada ao desenvolvimento de psicopatologia alimentar, diminuição da perceção de aceitação corporal por parte dos outros e diminuição da apreciação da imagem corporal (Kroon Van Diest & Tylka, 2010).

A apreciação da imagem corporal corresponde à capacidade do indivíduo se relacionar com o corpo de forma bondosa e respeitosa e de valorizar a sua singularidade, independentemente da identificação de certos aspetos e características que possam não ir ao encontro dos ideais de beleza socialmente prescritos (Avalos, Tylka, & Wood-Barcalow, 2005; Tylka & Wood-Barcalow, 2015).

Adicionalmente, a literatura tem demonstrado que a vivência da imagem corporal tem um impacto significativo na saúde física, psicológica e social das mulheres (Goss & Gilbert, 2002). Neste sentido, esta atitude positiva em relação à imagem corporal tem sido associada positivamente a características positivas e indicadores de bem-estar e negativamente com estratégias e fatores maladaptativos em amostras de homens e mulheres da população ocidental (e.g., Tylka & Wood-Barcalow, 2015). Especificamente, a apreciação corporal tem sido associada à avaliação favorável da aparência, estima pelo corpo, otimismo, afeto positivo, satisfação com a vida, autocompaixão (Avalos et al., 2005; Swami, Steiger, Haubner, & Voracek, 2008; Tylka & Kroon Van Diest, 2013; Wasylkiw, MacKinnon, & McLellan, 2012) e capacidade de se comer de acordo com os sinais internos de fome e saciedade (e.g., Avalos & Tylka, 2006; Tylka & Kroon Van Diest, 2013). Por outro lado, a apreciação da imagem corporal tem sido inversamente associada a maiores níveis de insatisfação corporal, vergonha da imagem corporal, perfecionismo maladaptativo (Iannantuono & Tylka, 2012; Tylka & Wood-Barcalow, 2015), ansiedade, depressão, maiores índices de massa corporal e psicopatologia alimentar (e.g., Marta-Simões, Mendes, Trindade, Oliveira, & Ferreira, 2016). Em paralelo, diversos estudos têm demonstrado que uma atitude negativa perante a imagem corporal, nomeadamente associada a sentimentos de vergonha e inferioridade, se associa à adoção de episódios de compulsão alimentar periódicos (Duarte, Pinto-Gouveia, & Ferreira, 2014; Dunkley & Grilo, 2007).

Os episódios de ingestão alimentar compulsiva são atualmente reconhecidos como um grave problema com implicações para a saúde física e mental, estando associados ao desenvolvimento de sobrepeso e a comorbidades físicas e psiquiátricas (Duarte et al., 2014; Kessler et al., 2013). De facto, episódios de compulsão alimentar envolvem o consumo de uma grande quantidade de alimentos, num curto período de tempo, acompanhados por uma sensação de falta de controlo (e.g., American Psychiatric Association [APA], 2013).

Vasta literatura tem documentado que a ocorrência de comportamentos de ingestão alimentar é relativamente frequente na população geral em indivíduos de ambos os sexos e com diferentes índices de massa corporal (e.g., Duarte et al., 2014). Embora a ocorrência de episódios de ingestão alimentar compulsiva possa apresentar diferentes graus de severidade, desde casos subclínicos a casos clínicos de severa gravidade, estes episódios são a característica central da perturbação de ingestão alimentar compulsiva (APA, 2013). Embora a literatura em relação à perturbação de ingestão alimentar compulsiva seja ainda lacunar, dado que esta perturbação só foi reconhecida oficialmente como uma entidade clínica singular na última edição do manual de diagnóstico da APA (American Psychiatric Association, 2013), os dados existentes parecem mostrar com relativa segurança que esta perturbação é mais frequente que a anorexia nervosa ou bulimia, tendendo a surgir no final da adolescência ou início da idade adulta e a apresentar uma distribuição mais homogénea por sexo, comparativamente com as restantes perturbações do comportamento alimentar (Kessler et al., 2013).

Alguns modelos teóricos sugerem que a compulsão alimentar resulta de um processo de regulação emocional maladaptativo, no qual o consumo excessivo de alimentos opera como um meio para escapar momentaneamente ou evitar pensamentos e emoções angustiantes e indesejadas (Goldfield, Adamo, Rutherford, & Legg, 2008; Heatherton & Baumeister, 1991; Leehr et al., 2015). Adicionalmente, diferentes trabalhos têm documentado que uma perceção negativa da imagem corporal pode estar associada ao aumento da gravidade dos sintomas de ingestão alimentar compulsiva, tanto na população geral como na população clínica (Duarte et al., 2014; Duarte, Pinto-Gouveia, & Ferreira, 2017; Dunkley & Grilo, 2007; Hayaki, Friedman, & Brownell, 2002; Jambekar, Masheb, & Grilo, 2003). Por outras palavras, o consumo exagerado e compulsivo de alimentos pode operar como uma estratégia de regulação emocional para lidar com sentimentos negativos e/ou indesejados procedentes de uma vivência da imagem corporal menos positiva.

Apesar do estudo em relação à imagem corporal e ao comportamento alimentar perturbado ter privilegiado quase exclusivamente amostras do sexo feminino, trabalhos recentes sugerem que estas dificuldades não são exclusivas das mulheres (Dakanalis et al., 2016; Duarte & Pinto-Gouveia, 2017). De facto, os dados existentes apontam que memórias precoces e experiências negativas associadas à imagem corporal desempenham um papel central na explicação de comportamentos de ingestão alimentar compulsiva tanto em homens como em mulheres (Dakanalis et al., 2016; Duarte & Pinto-Gouveia, 2017).

Embora estudos anteriores tenham sugerido a relevância dos cuidadores nos comportamentos alimentares, pouco se sabe sobre o impacto das mensagens transmitidas acerca da alimentação nos sintomas de compulsão alimentar e nos mecanismos envolvidos nessa associação (Faith et al., 2004). Adicionalmente, o modo como estas mensagens específicas, transmitidas ao longo da infância e adolescência, influenciam atitudes relativamente à imagem corporal e ao comportamento alimentar dos indivíduos durante a vida adulta tem sido pouco explorado (Kroon Van Diest & Tylka, 2010).

Neste sentido, o objetivo do presente estudo é explorar a associação entre mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores, uma atitude positiva, bondosa e de respeito para com a imagem corporal (apreciação corporal) e a sintomatologia de compulsão alimentar. Especificamente, o modelo testado hipotetizou que a recordação de mensagens alimentares do tipo restritivo transmitidas pelos cuidadores se associa a menos atitudes de amor, apreço e proteção em relação às características únicas da própria aparência física, e que tal se reflete em maiores níveis de sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva. De forma a aumentar a robustez deste modelo foi controlado o efeito do índice de massa corporal e foram ainda exploradas diferenças entre o sexo masculino e feminino.

 

 

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MÉTODOS

Participantes

A amostra foi constituída por 379 participantes de ambos os sexos, 246 mulheres e 133 homens da população normal com idades compreendidas entre 18 e 60 anos (M = 28,0; DP = 9,71) e uma média de 14,41 (DP = 2,56) anos de escolaridade. A média do Índice de Massa Corporal (IMC) dos participantes foi de 23,78 (DP = 4,22), variando entre 16,23 e 41,97. Esta distribuição reflete a distribuição normal do IMC em adultos da população portuguesa para ambos os sexos (Poínhos et al., 2009).

Instrumentos

O protocolo de avaliação foi constituído por um questionário breve de recolha de dados demográficos (e.g., idade, sexo, anos de escolaridade, estado civil, altura e peso atual) e por três medidas de autorresposta validadas para a população portuguesa.

Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC foi calculado através do índice de Quetelet (Kg/m2) com base nos autorrelatos do peso e altura atual dos participantes.

Caregivers Eating Messages Scale (CEMS; Kroon Van Diest & Tylka, 2010; versão portuguesa de Ferreira, Oliveira, & Marta-Simões, 2018); A CEMS é um instrumento de autorreposta que pretende avaliar memórias de mensagens sobre a sua alimentação transmitida pelos cuidadores, durante a infância e adolescência. A CEMS é composta por duas subescalas (com cinco itens cada): (i) mensagens alimentares do tipo restritivo e crítico (e.g., “Diziam-lhe que não deveria comer certos alimentos porque o/a iriam engordar”) e (ii) mensagens de pressão para comer (e.g., “Diziam-lhe para comer toda a comida do seu prato”). É solicitado aos participantes que respondam a cada item através de uma escala de resposta de 6 pontos (de 1 = “Nunca” a 6 = “Sempre”). No estudo original, ambas as subescalas desta medida apresentaram boa consistência interna, com valores de alfa de 0,82 para a subescala de mensagens do tipo restritivo e crítico e de 0,86 para a subescala pressão para comer, respetivamente (Kroon Van Diest & Tylka, 2010). Na versão portuguesa, os alfas de Cronbach foram de 0,88 e de 0,85 para a subescala de mensagens restritivas e críticas e de pressão para comer, respetivamente (Ferreira et al., 2018). No presente estudo as subescalas da CEMS apresentaram igualmente bons valores de consistência interna com valores de Cronbach de 0,83 e 0,88 para a subescala pressão para comer e mensagens restritivas/críticas, respetivamente.

Body Appreciation Scale-2 (BAS-2; Tylka et al., 2015; versão portuguesa de Marta-Simões et al., 2016); A BAS-2 é uma medida de autorrelato que avalia atitudes de aceitação e respeito em relação à imagem corporal, independentemente das características específicas ou do aspeto global (e.g., “O meu comportamento revela uma atitude positiva em relação ao meu corpo/imagem corporal”). A BAS-2 é composta por 10 itens com uma escala de resposta de cinco pontos (de 1 = “Nunca” a 5 = “Sempre”) e revelou boas qualidades psicométricas, apresentando um alfa de Cronbach entre 0,93 a 0,97 em diversas amostras na versão original (Tylka et al., 2015) e de 0,95 na versão portuguesa (Marta-Simões et al., 2016). A escala apresentou um alfa de Cronbach de 0,96 no presente estudo.

Binge Eating Scale (BES; Gormally, Black, Daston, & Rardin, 1982; versão portuguesa de Duarte, Pinto-Gouveia, & Ferreira, 2015); A BES é uma medida de autorresposta de 16 itens que avalia manifestações comportamentais (comer rápido, comer grandes quantidades de comida), cognições e sentimentos (culpa, sensação de perda de controlo ou incapacidade de parar de comer) que precedem ou sucedem episódios de compulsão alimentar. Cada item (e.g., “Sinto-me totalmente incapaz de controlar os meus impulsos para comer”, “Quando começo a comer, tenho dificuldade em parar e geralmente sinto-me desconfortavelmente empanturrado(a) depois de comer uma refeição”) contém 3 a 4 afirmações que constituem opções de resposta e refletem diferentes níveis de gravidade da sintomatologia avaliada. Os participantes são convidados a selecionar a afirmação que melhor descreve sua experiência. Resultados mais altos refletem maior severidade de ingestão compulsiva, considerando-se valores iguais ou superiores a 17 como indicadores de valores clínicos de Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva. A escala tem apresentado boas qualidades psicométricas tanto na versão de língua inglesa (α de Cronbach = 0,85; Gormally et al., 1982) como na versão de língua portuguesa (α de Cronbach = 0,88; Duarte et al., 2015), assim como no presente estudo (α de Cronbach = 0,88).

Os valores da consistência interna das medidas utilizadas na amostra deste estudo são apresentados na Tabela 1.

Procedimentos

O presente estudo encontra-se inserido numa investigação mais alargada acerca do impacto de diferentes fatores e processos de regulação emocional na qualidade de vida e na saúde mental da população geral.

Os procedimentos deste estudo respeitaram todos os requisitos éticos e deontológicos inerentes à investigação em psicologia, nomeadamente na recolha da amostra e tratamento de dados. Após o consentimento da comissão de ética da instituição de ensino superior envolvida, a recolha de amostra foi realizada no período entre outubro de 2017 e abril de 2018 através do método de amostragem exponencial não-discriminante de bola-de-neve. Num primeiro momento, foram endereçados convites à participação no estudo a diferentes contactos dos investigadores, via e-mail e através da rede social Facebook. A esses contactos foi solicitada a partilha do convite de participação no estudo a dois ou mais potenciais participantes. No convite foi incluída informação acerca do caráter voluntário da participação, o anonimato e a confidencialidade dos dados obtidos, e ainda, o objetivo, procedimentos e critérios de inclusão no estudo (indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos de nacionalidade portuguesa). Este convite incluía ainda um link que direcionava para a plataforma GoogleForms, dando acesso à versão online do protocolo de investigação construído por: consentimento informado, questionário de recolha de informação biográfica e as medidas de autorresposta anteriormente descritas.

Estratégia Analítica

A análise de dados foi realizada com recurso ao software IBM SPSS Statistics 22,0 do SPSS (SPSS; IBM, Chicago, IL) e ao AMOS 21,0 (Analysis of Momentary Structure, SPSS; Armonk, NY: IBM Corp.).

De forma a explorar as características da amostra nas variáveis em estudo foram efetuadas estatísticas descritivas (médias e desvios-padrão). Seguidamente, e de forma a compreender as associações entre os diferentes constructos da investigação, foram efetuadas análises de correlação de Pearson. As magnitudes destes resultados foram discutidas de acordo com as recomendações de Cohen, segundo as quais se considera correlações de magnitude fraca entre 0,1 e 0,3, moderada acima de 0,3 e forte iguais ou superiores a 0,5, para um nível de significância de 0,05 (Cohen, Cohen, West, & Aiken, 2003).

As análises de mediação foram conduzidas através do AMOS 21,0, uma ferramenta estatística que permite realizar análises de vias (path analysis), uma forma de modelos de equação estruturais para examinar, simultaneamente, efeitos diretos e indiretos em diferentes variáveis (endógenas e exogéneas) controlando a presença de erros (Kline, 2005). Em conformidade com os objetivos do estudo, foi testado o efeito das mensagens alimentares do tipo restritivo transmitidas pelos cuidadores (RCM; variável exógena) na sintomatologia de compulsão alimentar (BES; variável endógena), examinado o efeito mediador da apreciação positiva da imagem corporal nesta associação (BAS-2; variável endógena mediadora), quando controlado o efeito do IMC. O método de Máxima Verossimilhança foi utilizado para averiguar a significância dos coeficientes da via (path) e uma série de testes que visam calcular a qualidade do ajustamento do modelo (χ2, CFI, TLI, NFI e RMSEA; Hu & Bentler, 1999). Os efeitos diretos, indiretos e totais estabelecidos entre as variáveis foram testados através do Qui-Quadrado e do método Bootstrap resampling com 2000 amostras e com um intervalo de confiança (IC) corrigido de 95% (biascorrected confidence intervals). Nesta análise, considera-se que o efeito é estatisticamente significativo quando o IC não inclui o zero (Kline, 2005) e quando o p é inferior a 0,05 (Tabachnick & Fidell, 2007).

Finalmente uma análise multigrupos foi realizada com o objetivo de verificar se existiam diferenças significativas no modelo final testado no sexo masculino e sexo feminino.

 

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RESULTADOS

 

 

Análises Descritivas e de Correlações

As estatísticas descritivas referentes às variáveis em estudo são apresentadas na Tabela 1. Particularmente, foi verificado que os valores na BES variaram entre 0 e 41, sendo que apenas 15 (4%) participantes apresentaram valores clínicos de ingestão alimentar compulsiva, atendendo ao ponto de corte para a população portuguesa (i.e., iguais ou superiores a 17).

 

 

 

TABELA 1

Médias, Desvios-padrão e Correlações Entre as Variáveis em Estudo

 

 

 

 

M

DP

Min - Max

1

2

3

4

5

 

 

1

PEM

15,77 (16,53)

5,36 (5,19)

5 - 30

0,17

0,05

0,11

0,06

 

 

2

RCM

9,93 (9,52)

4,06 (4,72)

5 - 30

0,07

-0,25**

0,41***

0,32***

 

 

3

BAS-2

39,85 (39,71)

7,88 (8,21)

10 - 50

0,06

-0,28***

-0,50***

-0,26**

 

 

4

BES

4,61(5,52)

5,92 (5,54)

0 - 46

0,09

0,26***

-0,55***

0,37***

 

 

5

IMC

22,40 (24,90)

3,65 (4,71)

16,23 - 41,97

-0,09

0,19**

-0,33***

0,36***

 

 

Nota. M = Médias; DP = Desvios-padrão; min-máx = amplitude dos resultados nas variáveis em estudo. Os valores a negrito correspondem aos dados dos participantes do sexo masculino; Valores de correlações entre as variáveis em estudo para os participantes do sexo feminino (n = 246; parte inferior do Quadro) e participantes do sexo masculino (n = 133; parte superior do Quadro, a negrito). IMC = Índice de Massa Corporal; PEM = Mensagens de pressão para comer (subescala da Caregiver Eating Messages Scale); RCM = Mensagens alimentares do tipo restritivo e crítico (subescala da Caregiver Eating Messages Scale); BAS-2 = Body Apreciation Scale-2; BES = Binge Eating Scale.

**p < 0,01; ***p < 0,001.

 

 

Análises de Vias (path analysis)

Através de uma análise de vias (path analysis) foi testada a hipótese de que a associação entre mensagens alimentares do tipo restritivo transmitidas pelos cuidadores (RCM) e a sintomatologia de compulsão alimentar (BES) seria mediada pela relação de aceitação e apreço pela própria imagem corporal (BAS-2), quando controlado o efeito do índice de massa corporal (IMC). A opção pelo estudo deste modelo foi baseada na análise de correlações, a qual mostrou que a associação entre mensagens de pressão para comer transmitidas pelos cuidadores e as restantes variáveis em estudo não se revelou significativa, não justificando a inclusão desta variável no modelo a testar.

O modelo foi testado através de um modelo saturado composto por 14 parâmetros. Este modelo revelou explicar 35% da variância da sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva (BES), no qual todas as vias apresentaram significância estatística (Figura 1).

As mensagens alimentares do tipo restritivo transmitidas pelos cuidadores revelaram um efeito direto sobre a apreciação da imagem corporal de -0,20 (bRCM= -0,36; SEb = 0,09; Z = -3,94; p < 0,001) e de 0,15 sobre a sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva (bRCM= 0,20; SEb = 0,06; Z = 3,40; p < 0,001). A apreciação positiva da imagem corporal revelou um efeito direto na sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva de -0,43 (bBAS-2 = -0,32; SEb = 0,03; Z = -9,80; p < 0,001).

Como síntese, os resultados obtidos mostraram que o impacto das mensagens alimentares do tipo restritivo transmitidas pelos cuidadores na sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva é parcialmente mediado pela diminuição de uma atitude de respeito e aceitação da imagem corporal (β = 0,09; IC 95% = 0,04 a 0,14). Adicionalmente, a análise multigrupos permitiu verificar a inexistência de diferenças significativas entre o sexo feminino e masculino no modelo final testado (χ2(5) = 6,62; p = 0,25).

 

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DISCUSSÃO

A literatura tem documentado que as mensagens parentais precoces de restrição alimentar ou os comentários críticos sobre alimentação estão associados a padrões alimentares perturbados dos filhos (Kroon Van Diest & Tylka, 2010). Dados empíricos suportam que estas mensagens de restrição e crítica em relação ao padrão alimentar na infância ou adolescência têm um impacto negativo nas atitudes e comportamentos alimentares e, ainda, que este impacto persiste mesmo após a exposição direta a essas mensagens ter diminuído ou cessado (Kotler, Cohen, Davies, Pine, & Walsh, 2001). No entanto, os mecanismos que explicam esta relação permanecem pouco estudados, especialmente quando se trata de comportamentos alimentares característicos da ingestão compulsiva. Neste sentido, o presente estudo pretendeu testar a relação entre a recordação de mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores e a sintomatologia de compulsão alimentar. Com base na literatura existente no âmbito das dificuldades na regulação do comportamento alimentar, hipotetizou-se que uma atitude de aceitação, respeito e de bondade com a imagem corporal pode funcionar como processo mediador na relação entre estas mensagens de controlo parental da alimentação e a sintomatologia de compulsão alimentar.

Os resultados da análise das correlações revelaram-se em conformidade com os dados prévios e acrescentam à literatura dados específicos acerca da relação entre memórias das mensagens alimentares transmitidas pelos pais/cuidadores, apreciação da imagem corporal e comportamentos de compulsão alimentar. Particularmente, os resultados corroboraram a associação positiva entre a recordação de mensagens alimentares restritivas e críticas e comportamentos alimentares disfuncionais (Kroon Van Diest & Tylka, 2010), e especificamente em relação à sintomatologia de compulsão alimentar. Em contraste, a recordação de mensagens parentais que traduzem pressão para comer não apresentou associações significativas com atitudes e comportamentos de ingestão alimentar compulsiva. Adicionalmente, no presente estudo foi, ainda, encontrada uma correlação negativa e de forte magnitude entre a apreciação da imagem corporal e a sintomatologia de compulsão alimentar. Estes resultados estão igualmente em consonância com os dados de estudos prévios, os quais sugerem que a apreciação da imagem corporal poderá ser um potencial mecanismo de redução de comportamentos alimentares perturbados (Halliwell, 2015; Smolak & Cash, 2011).

No sentido de analisar a hipótese principal, isto é, se a associação entre mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores e a sintomatologia de ingestão alimentar compulsiva é significativa e mediada pela apreciação da imagem corporal, foi realizada uma análise de vias (path analysis), controlando o efeito do índice de massa corporal. No presente estudo optou-se pela exploração de um modelo teórico que não contemplava a subescala ‘pressão para comer’, opção que foi legitimada pela verificação de correlações não significativas com as restantes variáveis em estudo. O modelo teórico testado apresenta uma excelente adequação aos dados e explicou 35% da variância da sintomatologia alimentar compulsiva. Adicionalmente, os resultados da análise multigrupos não revelaram diferenças significativas entre os grupos amostrais do sexo masculino e do sexo feminino, o que sugere a adequabilidade do modelo testado para ambos os sexos.

Os resultados da análise de vias (path analysis) sugerem que os indivíduos que recordam receber mais mensagens alimentares do tipo restritivo e crítico durante a infância e adolescência apresentam na idade adulta maiores níveis de sintomatologia de compulsão alimentar, sendo esta relação parcialmente mediada por menores níveis de apreciação da imagem corporal. Mais especificamente, verificou-se a existência de um efeito direto e positivo entre recordação de mensagens parentais de restrição e crítica em relação ao padrão alimentar e a severidade de ingestão alimentar compulsiva, e indireto através de uma atitude positiva, de apreciação e respeito pela imagem corporal, independentemente das suas características. Deste modo, os resultados do presente estudo parecem confirmar as hipóteses previamente estabelecidas e acrescentam dados relevantes à literatura existente. De facto, diversos estudos sublinham que as crianças conseguem ajustar e adequar a ingestão de alimentos através do uso de pistas de fome e saciedade para iniciar ou terminar uma refeição, detendo assim um mecanismo autorregulador (Birch & Deysher, 1985, 1986; Birch & Fisher, 1998). No entanto, esta capacidade de autocontrolo pode ser diminuída devido a abordagens controladoras dos pais como as do tipo restritivo (e.g., Birch et al., 2003; Carper et al., 2000). Deste modo, os indivíduos deixam de seguir pistas internas para iniciar ou terminar de comer e aprendem a usar pistas externas, como por exemplo as emoções (Strien & Bazelier, 2007). Assim, a relação direta encontrada no presente estudo entre mensagens alimentares do tipo restritivo e sintomatologia de compulsão alimentar parece estar em consonância com os dados da literatura existente.

Adicionalmente, os dados parecem suportar que as mensagens parentais precoces de restrição e crítica em relação ao padrão alimentar poderão funcionar como experiências precoces de vergonha que se associam ao desenvolvimento de sentimentos de inadequação ou inferioridade em relação à imagem corporal e, consequentemente, a uma menor capacidade de cultivar uma atitude positiva, de apreciação e respeito em relação à imagem corporal, e ainda a uma menor capacidade de controlo alimentar. Estes dados suportam a relação entre memórias de mensagens parentais de crítica em relação à alimentação e menores níveis de apreço e respeito em relação às características individuais da aparência física (Kroon Van Diest & Tylka, 2010). Por outro lado, embora este seja o primeiro estudo, que seja do nosso conhecimento, que demonstra a relação negativa entre uma atitude de apreciação e respeito da imagem corporal e a severidade da sintomatologia da ingestão compulsiva, este dado está em conformidade com estudos existentes (e.g., Máximo, Ferreira, & Marta-Simões, 2017). De facto, recentemente Máximo e colaboradores (2017) revelaram que menores níveis de aceitação e gentileza para com as características únicas do próprio corpo poderão refletir-se numa maior propensão para adotar atitudes e comportamentos alimentares perturbados.

Os presentes resultados devem ser analisados atendendo a algumas limitações. A principal limitação é a natureza transversal deste estudo, a qual não permite retirar conclusões de causalidade. Deste modo, futuros estudos devem testar estes efeitos de mediação recorrendo a um planeamento longitudinal. Adicionalmente a amostra utilizada neste estudo pode limitar a generalização dos resultados visto se tratar de uma amostra da população geral constituída maioritariamente por mulheres. Outros estudos serão necessários de forma a confirmar os resultados em amostras com uma distribuição mais homogénea por géneros e em outros grupos etários (e.g., adolescentes), assim como em amostras clínicas (e.g., doentes com Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva). A utilização exclusiva de questionários de autorresposta pode ser considerada outra limitação, uma vez que este tipo de medidas se associa a subjetividade e, portanto, a possíveis enviesamentos nos resultados. Investigações futuras devem recorrer a entrevistas, de forma a testar a plausibilidade deste modelo. Adicionalmente, por pretender estudar uma hipótese em específico, o modelo foi limitado à exploração das variáveis mensagens alimentares transmitidas pelos cuidadores, apreciação da imagem corporal e sintomatologia de compulsão alimentar. Contudo, dada a natureza multideterminada das dificuldades associadas à imagem corporal e à sintomatologia de compulsão alimentar, futuras investigações deverão incluir outras variáveis (e.g., diferentes processos de regulação emocional).

Em conclusão, o presente estudo sugere que indivíduos, tanto do sexo masculino como do sexo feminino, que receberam por parte dos cuidadores mais mensagens de restrição e crítica acerca da sua alimentação têm tendência a apresentarem menores níveis de aceitação e gentileza para com as características únicas do próprio corpo, e uma maior propensão para apresentarem maior severidade da sintomatologia de compulsão alimentar. Os presentes resultados parecem ter implicações aos níveis da prática clínica e da investigação, destacando a importância do desenvolvimento de programas de prevenção para aumentar a conscientização dos cuidadores sobre a natureza insidiosa das mensagens alimentares restritivas, ensinando-os a substituir este tipo de mensagens maladaptativas por outras mais adaptativas que promovam o desenvolvimento de uma atitude positiva face à sua imagem corporal e estratégias de autorregulação da ingestão alimentar. Finalmente, o presente estudo para além de enfatizar a relevância de avaliar mensagens dos cuidadores sobre a alimentação e o seu impacto no padrão alimentar atual do indivíduo, salienta a necessidade do desenvolvimento de estratégias de regulação emocional adaptativas para lidar com estas memórias e a ativação emocional associada. Adicionalmente, este estudo sublinha a importância de se desenvolverem competências autocompassivas e de aceitação, respeito e bondade para com as características únicas da imagem corporal em programas de intervenção e prevenção de ingestão alimentar compulsiva.

 

Conflito de interesses: nenhum.

Fontes de financiamento: nenhuma.

 

 

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REFERÊNCIAS

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PsyM. Revisão da literatura; Recolha e tratamento dos dados; Redação do manuscrito e Revisão crítica no âmbito científico da estatística. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.

PhD. Contributo para a obtenção e adaptação do instrumento de medida; Revisão da redação final do manuscrito e Revisão crítica no âmbito científico da estatística. Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC). Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.